Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_SU_2021_001
  • Domínio: Competências no âmbito de processos e técnicas tradicionais
  • Categoria: Atividades transformadoras
  • Denominação: Arte e Saber-Fazer da Calçada Portuguesa
  • Outras denominações: Calçada Artística; Calçada Mosaico; Pedra Portuguesa
  • Contexto tipológico: Manifestação de arte tradicional de transformação de materiais líticos para produção de pavimento artístico com recurso a uma técnica própria e multisecular de fabrico.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): Associação de Exploradores de Calçada à Portuguesa; Escola de Jardinagem e Calceteiros ; comunidade de calceteiros
    Grupo(s): Empresas das indústrias extrativa e transformadora ; Empresas privadas de calceteiros no ativo ; Brigadas de calceteiros das autarquias
    Indivíduo(s): Mestre calceteiro Paulo Almeida ; Mestre calceteiro José Fernando Marquês Cardoso ; Mestre calceteiro Fernando Correia ; Mestre calceteiro Luís Fidalgo
  • Contexto territorial:
    Local: Lisboa
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Lisboa \ Grande Lisboa
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: A produção realiza-se com regularidade ao longo de todo o ano, sem periodicidade definida, intensificando-se nos momentos em que se verifica maior procura por parte do mercado.
    Data(s): A produção da Calçada Portuguesa não tem data definida
  • Caracterização síntese:
    Como uma categoria do artesanato que identifica Portugal no mundo e que integra a listagem das qualificações profissionais nacionais, a Calçada Portuguesa traduz-se, no entanto, numa forma de produção e manutenção de pavimentos por meio de um saber-fazer tradicional que está em forte declínio, devido à idade avançada dos detentores deste património imaterial. A arte de calcetar é milenar, mas a produção de Calçada Portuguesa inicia-se como uma técnica específica na primeira metade do séc. XIX, em Lisboa, onde se desenvolve e ganha expressão em quantidade e qualidade extraordinárias, expandindo-se por todo o país e por vários continentes, como um traço indiscutivelmente marcante da matriz não só lisboeta como nacional. Caracterizada pelo caráter pré-industrial, pela beleza estética, durabilidade, sustentabilidade económica e ecológica, esta arte tem ainda uma dimensão social fundamental para aqueles que a produzem e dela usufruem: os calceteiros, os extratores da pedra e os peões que nela pisam, tantas vezes sem a ver condignamente. São estes os principais agentes que vivem para e dependem de uma produção da Calçada Portuguesa bem executada e bem mantida e preservada. São os extratores e transformadores da pedra que fornecem a matéria-prima deste artesanato e são os calceteiros que, com a sua mestria, por tradição viva, transmitida de pais para filhos ou adquirida, enquanto aprendiz, no exercício da profissão com outros calceteiros, a executam no chão, por etapas específicas, mediante o uso de ferramenta própria e do domínio de técnicas centenárias, conjugando pedras de calcário (dantes também de basalto) trabalhadas de diferentes tamanhos, formas (segundo determinados desenhos definidos por moldes próprios) e cores diferentes, produzindo tapetes de pedra que ainda hoje engalanam as ruas da capital portuguesa e de tantas outras localidades do país e no estrangeiro. A Escola de Calceteiros veio dar um impulso à formação sistemática formal e à profissionalização, mediante uma certificação adequada a quem queira entrar no “mundo da Calçada Portuguesa” como calceteiro. A dureza do trabalho, que é realizado em qualquer altura do ano, a baixa remuneração e algum estigma social associados a quem a produz, tem, contudo, afastado os mais jovens de se iniciarem nesta atividade, ao mesmo tempo que os mestres calceteiros vão desaparecendo. Assim, urge a valorização dos saberes ligados à Calçada Portuguesa, através do reforço da valorização dos donos de tais saberes: os calceteiros.
  • Caracterização desenvolvida:
    A Calçada Portuguesa é um tipo de pavimentação artesanal, manufaturado, de estilo tradicional português. Integra-se no conjunto dos saberes e ofícios tradicionais no âmbito, não apenas dos processos de transformação de recursos, neste caso, os líticos, mas igualmente como uma manifestação artística, com a função de revestimento de piso, especialmente de áreas pedestres, embora seja também utilizada em ruas com circulação rodoviária, em vias com trânsito condicionado (VIDEIRA, 2014, p. 6). Trata-se, além disso, de uma forma única de elaborar pavimentos adornados com base numa arte que conjuga a beleza estética à funcionalidade, recorrendo, muitas vezes, à criatividade dos artesãos que executam, com técnicas escolhidas por si, os motivos figurativos, abstratos ou geométricos, concebidos maioritariamente por outros profissionais dos serviços municipais ou artistas plásticos. Estes podem ser tapetes de passeios, praças - alguns ficaram conhecidos por “naperons” (ver glossário anexo 2.3.02), por serem composições ornamentais calcetadas ao redor de mobiliário urbano para seu adorno, caso do monumento ao poeta António Ribeiro “Chiado”, no largo homónimo, que havia ficado entalado num nicho oval entre vias (v. anexos 2.1.001 a 003) -, jardins públicos e átrios privados, ou outras sinalizações várias, como tapetes publicitários, ou como “refúgios”, funcionando como “ilhas” calcetadas pedonais no meio de vias de trânsito (ex. Refúgio de Diana no Rossio - v. anexos 2.1.004 e 005). Esse ornamento serve como uma zona de valorização visual, artisticamente elaborada, como o “naperon” para os bibelots dos interiores românticos, no sentido têxtil. A Calçada Portuguesa poderá ainda ser usada como modo de pavimentação exclusiva de certa área ou pode haver um uso misto, conjugando esta forma de pavimentar com outras, que tenham outras características estéticas ou utilitárias. Qualquer das suas aplicações, porém, traduzem conhecimentos e saberes-fazer ligados a uma procura original de elevação do plano social e cultural da vivência humana, sobre o plano da natureza (Inglod, 2004).

    Esta arte apresenta, contudo, diferentes designações que comummente se confundem como sinónimos, pelo que há necessidade de definir com maior exatidão sobre o que estamos a tratar. Assim, Calçada Portuguesa, termo genérico, é toda a calcetaria, em geral, de pavimento tendencialmente pedonal com pedra natural, geralmente calcária (CaCO3), branca, mas também de basalto, de formato diverso e pequena dimensão (entre cerca de 3 a 4 cm e máximo de 7 cm), assente no solo de forma irregular ou regular, consoante a técnica utilizada. A Calçada Portuguesa, quando forma desenhos e/ou é conjugada com outra paleta (basalto preto ou, mais comumente hoje, em Lisboa, calcário preto, cinzento ou mesmo de outras cores como ocres amarelados ou rosa-avermelhados, por exemplo), designa-se pelo termo mais específico de Calçada Artística Portuguesa, também conhecida por “Calçada Artística”, “Calçada-mosaico”, “Empedrado artístico”, “Mosaico Português” ou “Pedra Portuguesa” (termo utilizado no Brasil, onde a arte é também conhecida por “tapetes carioca”) ou ainda, mesmo que erradamente, como “Calçada à Portuguesa”, confundindo com uma das técnicas de assentamento e talhe (v. anexos 2.4.02) utilizadas na Calçada Portuguesa.

    Ambas recorrem à perícia do calceteiro para talhar e assentar a pedra, dispondo-a no solo de modo mais ou menos homogéneo, usando técnicas próprias. Mas, no caso da Calçada Artística, esse trabalho é realizado consoante um determinado padrão de desenho desejado. Pelas suas especificidades, importa, pois, destacar para salvaguarda urgente, concretamente o saber-fazer da Calçada Artística Portuguesa que passamos a designar, por comodidade, como Calçada Portuguesa.



    São várias as propriedades da Calçada Portuguesa, que dão o estatuto e carácter de originalidade a esta manifestação cultural imaterial:

    a) a dimensão social, que está envolvida no saber-fazer dos calceteiros, e que é essencial para a preservação da memória e identidade social, profissional, cultural e simbólica partilhadas pelas comunidades e grupos, com relevância nos processos de representação, reprodução e transmissão das aptidões tradicionais, como parte do seu património cultural comum, contribuindo para a construção de uma identidade coletiva. Especificam-se neste âmbito sobretudo as vivências ligadas a este saber-fazer concreto, como sejam os contextos dos núcleos familiares, das brigadas de calceteiros e das associações de profissionais de calceteiros ou de exploradores e transformadores das pedreiras que se foram instituindo, e que se encontram em desaparecimento. Tal dimensão social, não só abrange os calceteiros e cortadores de pedra, como também a sociedade portuguesa e seus visitantes, como utilizadores privilegiados da Calçada Portuguesa. A imagem desta arte torna-se, assim, num significativo elemento estruturante e emblemático de representação de Lisboa e de Portugal, enquanto cidade e país que tradicionalmente a produzem. Esta dimensão social eleva pessoas e comunidades a diferentes níveis de destaque, como é o caso de localidades que se têm evidenciado pela ligação efetiva e afetiva à produção da Calçada Portuguesa - como Fanhões (Loures), que se reivindica como a “Capital do Calceteiro”; Alqueidão da Serra (Porto de Mós) como a “Terra dos Cortadores de Pedra”, ou Gáfete (Portalegre), como a “Capital do Cantoneiro” (estas últimas com ampla tradição de calceteiros também), ou mesmo personalidades ligadas à calcetagem, como mestres renomados, que são alvo de notoriedade por meio de publicações nacionais e estrangeiras - como são designadamente as memórias do calceteiro Orlando Caetano (SERRANO, 2017), pelo seu extraordinário trabalho e experiência;

    b) a beleza artística, usando desenhos e padrões com motivos variados (figurados, geométricos, florais, alusivos a especificidades locais ou de atividades, etc. – v. anexo 2.4.06), elaborados ao gosto do cliente (tailor-made), conferindo ao chão que pisamos, seja no espaço público ou privado, um dignificante cunho estético e uma luminosidade extraordinários, além de uma grande notoriedade à paisagem urbana das nossas cidades, vilas e aldeias;

    c) a durabilidade, já que um pavimento calcetado com estas características, que recorre a uma matéria-prima de longa durabilidade como é a pedra (altamente resistente à ação climática e à ação do tráfego de pedestres), desde que trabalhada com perícia e devidamente mantida, pode preservar-se por vários séculos;

    d) a sustentabilidade ecológica, não só porque recorre a uma matéria-prima natural, cuja extração tem impactos mínimos no ambiente (pois a orografia e a reflorestação são rapidamente repostas), mas também porque a sua aplicação é não poluente e permeável, permitindo ao solo respirar, além de tornar o seu usufruto pelos utilizadores ergonomicamente funcional, saudável e agradável;

    e) a sustentabilidade económica, uma vez que depende exclusivamente de recursos nacionais, reutilizáveis quase a 100%, já que é continuamente suscetível de ser mantida e restaurada no mesmo local, quando ocorrem obras que envolvam temporariamente a sua remoção, ou trasladada, quando se torna impossível a sua manutenção in situ, o que igualmente torna este saber-fazer tradicional português único no mundo;

    Identificam-se como principais agentes que criam, mantêm e transmitem a Calçada Portuguesa, encontrando-se envolvidos na sua produção e reprodução, os calceteiros. Tratam-se de indivíduos geralmente do sexo masculino, ainda que subsistam pelo menos duas calceteiras formadas, na área da grande Lisboa (ver por ex., BOLÉO e PEREIRA-MÜLLER, 2019). Estes calceteiros são naturais de áreas muito diversas do país e tendem a deslocar-se para as zonas onde encontrem trabalho pontual ou regular. A cidade de Lisboa dispõe assim de calceteiros vindos de muitos lugares, especialmente da região metropolitana, destacando-se nomeadamente a aldeia de Fanhões (Loures) que, tradicionalmente, têm vindo trabalhar na capital. Os calceteiros de Lisboa são conhecidos por alguns outros da mesma profissão, por “calceteiros marítimos”, e a designação advém da fama de estes executarem aqueles desenhos de calçada artística que abundam na cidade, ligados ao mar: caravelas, âncoras, animais marinhos, ou temas associados à expansão marítima. Os calceteiros da região de Loures são conhecidos genericamente por “fanhoeiros” porque muitos eram, de facto, oriundos da aldeia de Fanhões, mas também de aldeias suas vizinhas, sendo afamados pela sua especial mestria e tradição na arte. Estes fanhoeiros, em grande número calceteiros e casados com lavadeiras, vinham trabalhar regularmente para Lisboa. Por volta dos anos 1940, os homens ficavam toda a semana numa pensão de uma fanhoeira, a Ti Agostinha, na zona de Socorro, e vinham ao fim de semana para casa. Na segunda-feira, acompanhavam as mulheres à capital e ajudavam-nas a levar nas carroças as trouxas das roupas das senhorinhas ou senhoretes já lavadas. Estas recolhiam a roupa suja pelas casas das suas clientes, pernoitando por pouco tempo na dita pensão, sob o controle dos calceteiros fanhoeiros e regressavam com as trouxas à aldeia, onde as lavavam durante a semana, para as devolver no início da semana seguinte.

    O número de calceteiros atualmente existentes em Portugal é incerto, mas tem, seguramente, vindo a diminuir drasticamente nas últimas décadas. Se Lisboa chegou a ter 400 calceteiros no ativo, em 1927, passaria para menos de 30, em 1979 (Bairrada, 1985, p. LIII) e tem hoje pouco mais de uma dúzia (além de 4 cantoneiros de arruamento), todos em idade já avançada, além de enorme desgaste rápido das suas condições físicas, o que revela uma clara tendência para a extinção eminente desta técnica tradicional. Os calceteiros organizam-se em grupos - pequenas unidades ou equipas laborais, conhecidas por brigadas, atualmente com uma reduzida divisão do trabalho. Há as equipas de calceteiros ao serviço público de municípios e as de juntas de freguesia. Na CML, estas são conhecidas por Brigadas Lx, tuteladas pela Unidade de Coordenação Territorial. Estas brigadas incluem o calceteiro que executa o trabalho, classificado como “assistente operacional” e o calceteiro “encarregado operacional” que distribui e orienta o trabalho a ser executado pelas equipas, por norma, hoje, com três operacionais: dois calceteiros e um servente. No mapa de pessoal da CML, existem atualmente dois encarregados operacionais de calceteiro e 17 assistentes operacionais na carreira com as competências / atividades atribuídas de calceteiro, estando para este último grupo previstos no referido mapa, 29 postos de trabalho. Estes operacionais dão resposta às ocorrências nas diferentes zonas de Lisboa, que antigamente se conheciam como “cantões”, ou conjunto de freguesias da cidade: Lisboa Oriental; Centro; Centros Históricos; Lisboa Norte; e Lisboa Ocidental, embora atendam também a apoiar no trabalho de calçada que qualquer junta de freguesia dele necessite. Desde 2014, na sequência da última reorganização administrativa da cidade de Lisboa, que a calçada artística é mantida exclusivamente pelos calceteiros da CML, ficando as juntas de freguesia com a incumbência de manter a Calçada Portuguesa sem desenhos, dita “calçada branca”. Dado que nem todas as juntas de freguesia dispõe de calceteiros nos seus mapas de pessoal, estas recorrem à contratação externa – recurso que aliás o próprio município utiliza, em empreitadas de grande dimensão, como foi o caso da Expo98, atual Parque das Nações ou a reformulação do Eixo Central, dado não ter capacidade de resposta face ao reduzido número de profissionais de que dispõe.

    Quando se trata de calçada artística, com desenho, é imperioso que sejam calceteiros experientes e certificados que a executem ou nela intervenham, no caso de manutenção. Poucas juntas de freguesia dispõem de calceteiros credenciados com a mestria suficiente para trabalhar na calçada artística, pelo que é forçoso que recorram às equipas de calceteiros das autarquias para o efeito. Tal nem sempre sucede, dada a falta de mão-de-obra devidamente especializada.

    Contudo, estas equipas ou brigadas tinham, no passado, um elevado grau de especialização das funções a desempenhar por cada individuo, de acordo com as especialidades dos artesãos e das fases na produção da Calçada Portuguesa. Assim, antigamente existia: um encarregado; um mestre; calceteiros de 1ª; calceteiros de 2ª e calceteiros de 3ª; um batedor de maço; e um servente. O mestre era o chefe de cada equipa e, já que havia várias brigadas de calceteiros em Lisboa e no país, era o encarregado que chefiava todas as brigadas noturnas e diurnas, em cada cidade. O quadro de “calceteiro-artista”, que fora criado em 1927, referia-se ao especialista no mosaico à portuguesa (BAIRRADA, 1985, p. LIII) e integrava-se abaixo do mestre, mas, tal como as anteriores categorias, já não existe. Para subir ao escalão de calceteiro artista, ou deste para mestre, era preciso ter habilidade especial e “calejar a mão”. Os calceteiros de hoje recordam bem que, quantos mais calos o artesão apresentasse, mais ele era respeitado. Aos que trabalham pouco ou mal, chamam de “arrumador de pedra”, não sendo este considerado um verdadeiro calceteiro. Quando havia faltas ao trabalho ou desrespeitos na brigada, os mestres antigos ou os encarregados mandavam os prevaricadores ir partir pedra (aparelhar) para o telheiro.

    Atualmente, nos espaços públicos, em Lisboa, o trabalho organiza-se segundo as reclamações que vão surgindo diariamente e que vão sendo reportadas e numeradas em sistema informático, numa lista de ocorrências anuais, por reclamação ou sinalização, mediante fiscalização, que é analisada pelas autarquias. Tratando-se de Calçada Portuguesa, a ocorrência é desde logo encaminhada para a respetiva brigada que, em Lisboa, se orgulha de ter “GOPI [Gestão de Ocorrências e Prioridade de Intervenção] zero”, isto é, nenhuma ocorrência em atraso para as equipas. Estas distribuem-se por dois turnos: o turno de dia (iniciado às 8h00 com a troca de roupa e recolha do material, decorrendo o trabalho na empreitada até às 16h, com uma hora de almoço); e o turno de noite, conhecido entre os calceteiros por “charanga” (das 23h00 às 5h00 da madrugada). Quando há intempérie, os calceteiros são encaminhados para outras tarefas, nomeadamente aparelhar a pouca pedra que ainda vem em blocos das pedreiras, sob um telheiro. Estas horas são pautadas por um elevado espírito de camaradagem e também, por vezes, alguma rivalidade na perícia, entre todos os elementos da equipa, mantendo-se, no entanto, a reverência, obediência e consideração para com os artesãos mais calejados. Apesar de já não serem distinguidos segundo as classificações próprias, como dantes, os “mestres” continuam a ser assim designados pelos restantes assistentes operacionais. No passado, esta arte era um trabalho sazonal e intercalado com a agricultura, o que se mantem para alguns calceteiros que não sejam funcionários municipais, ainda hoje.

    Sobretudo, desde as mudanças socioeconómicas ocorridas desde 1974 e a abertura de fronteiras europeias, tem-se notado que, não só as empresas públicas que mexem no subsolo, mas também as autarquias a nível nacional, têm desistido de recrutar quadros que renovem os efetivos de calceteiros. Talvez por isso, vários destes profissionais mais habilitados, têm enveredado pela iniciativa privada. Neste âmbito, existem igualmente alguns calceteiros no ativo que, pelo seu empreendedorismo, se lançaram na execução de calcetamento, onde o mercado das obras públicas ou privadas deles necessite. Tratam-se de pequenas empresas unipessoais ou familiares que realizam pavimentação de calçada simples ou com desenhos e que vão subsistindo graças aos esforços do seu trabalho, realizado no país ou além-fronteiras.

    Sejam contratados das câmaras ou sejam calceteiros no ativo por conta própria, todos são unânimes em referir-se às difíceis condições de trabalho que encontram, sobretudo em Portugal, no que toca à desvalorização e desconhecimento da sua arte, ao baixo nível remuneratório e à dureza do esforço físico a que estão sujeitos.

    Os calceteiros de Calçada Portuguesa dependem, contudo, do trabalho executado por um outro grupo de indivíduos que lhes preparem a matéria-prima: os extratores e transformadores da pedra calcária nas pedreiras. Estes instalam-se normalmente na designada “colónia obreira”, junto à pedreira, onde se fixavam temporariamente os trabalhadores vindos de outras partes, segundo ROCKWELL (1993). Em Portugal, várias aldeias surgiram por força da instalação de colónias deste tipo como, por exemplo, Alqueidão da Serra (no Maciço Calcário Estremenho), ou Fanhões (em Loures). A organização laboral nas pedreiras implica também níveis de especialização, que se elevam com a divisão do trabalho segundo as diferentes tarefas a desempenhar, embora a especialização nos ateliês de cantaria herdada dos tempos medievais não seja muito comum, uma vez que na maioria são de pequena dimensão e sobretudo de raiz familiar, como de resto ainda hoje são.



    Contexto territorial:

    A noção de Calçada Portuguesa pressupõe uma demarcação clara quanto à origem geográfica deste tipo de pavimentação tradicional. Essa origem exclusivamente portuguesa tem atestada e datada argumentação histórica que a fundamenta de modo inequívoco. A produção deste saber-fazer, tendo tido início na capital portuguesa, ainda num contexto de reconstrução pós-terramoto, nas primeiras décadas do séc. XIX, onde abundava a matéria-prima para o seu desenvolvimento, rapidamente se disseminou por todo o país, havendo, de norte a sul, execuções notáveis desta arte, seja, a título de exemplo, em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Funchal, onde ainda prevalece a relação do basalto com o calcário, seja no Porto, Aveiro, Faro, Setúbal, Braga, Leiria, Lagos, Cascais, Coimbra e Estremoz (nesta última, o calcário é substituído pelo mármore) (v. anexos 2.1.006 a 049). As pedras histórica e tradicionalmente associadas à Calçada Portuguesa são os calcários e o basalto. Todavia, regista-se uma variabilidade de materiais ao longo do território nacional adaptada à geologia local. Dai a utilização do mármore no Alentejo ou do granito no Norte, neste caso, em substituição das pedras escuras.

    De Portugal, a Calçada Portuguesa espalhou-se pelo mundo, especialmente pelas áreas de expressão portuguesa. No estrangeiro e pelos estrangeiros, aliás, esta arte é grandemente apreciada e tem vindo a encontrar enorme atratividade e florescimento. Se a arte da Calçada Portuguesa prospera noutros países, paradoxalmente, a profissão e o saber-fazer original tradicional de calceteiro estão, em Portugal, ameaçados pela tendência da falta de reposição de operacionais no ativo, levando a que gradual e definitivamente venha a perder as suas raízes.

    A Calçada Portuguesa, pelas suas características únicas já referidas, encontra-se identificada em cerca de duas dezenas de países, ainda que o Brasil, China (com particular relevância em Macau), Espanha, Timor, Angola, Moçambique e Cabo Verde, sejam exemplos de territórios onde esta arte está mais amplamente representada (v. anexos 2.1.050 a 065). Muitos mestres calceteiros foram e têm sido chamados a aplicar Calçada Portuguesa no estrangeiro e, por lá serem mais valorizados, muitos deles ficaram nesses destinos a fazer escola - tendência que se acentuou na segunda metade do séc. XX, até hoje.

    Ainda assim, a cidade de Lisboa prima não apenas por se manter única como pioneira na precedência histórica desta arte, destacando-se, assim, pela antiguidade, mas também pela quantidade e excecionalidade dos exemplares que nela se preservam e continuam a produzir.

    Na produção e reprodução da Calçada Portuguesa, para que uma peça de pedra grosseira se torne num produto acabado, é preciso todo um processo, que implica uma série de transformações, levadas a cabo por um ou mais trabalhadores especializados. Estes recorrem a um conjunto de técnicas, estruturadas essencialmente em duas fases, cada uma subdividindo-se em etapas específicas: a primeira fase refere-se à da extração e preparação da pedra (v. anexo 2.3.03) e a segunda corresponde ao calcetamento, mediante um saber-fazer próprio de trabalhar e assentar a pedra para pavimentação (HENRIQUES, MOURA e SANTOS, 2009, p. 9). Tratando-se a primeira fase de um ofício e de uma arte de um saber-fazer, autónoma em si e independente do calcetamento, embora subsidiária e fundamental por ser com este, estreitamente relacionada, esta será aqui tida como uma manifestação cultural associada à segunda fase do calcetamento - o objeto central da presente proposta (Ver ponto 19.3).



    A fase de calcetamento desdobra-se nas seguintes etapas:

    1º - O trabalho começa, geralmente, com a recolha do material, ferramenta e equipamento e o seu transporte bem como o da equipa até ao local onde este irá ser desenvolvido. Aí, dá-se a preparação do chão que irá ser pavimentado, abrindo-se uma “caixa”. Se for usada pedra de 6cm ou 7cm (as dimensões mais correntes na atualidade), a caixa é de 10 cm. Se for pedra de 10cm (já não será Calçada Portuguesa, mas calçada em sentido lato), tem de se ter a caixa a 20cm de profundidade. Essa preparação faz-se mediante a uniformização, por nivelamento e compactagem, dentro da delimitação estipulada para a calcetagem a ser completada - desde eventuais lancis/guias (de calcário rústico) que servem de cota do passeio, conhecida por “nega”, a paredes ou a estruturas decorativas ou funcionais a serem contornadas. Para preparar o alinhamento das pedras no chão, usam-se linhas, uma régua (em tábua corrida) ou até um nível de bolha ou uma cruzeta. Em caso de declives, é preparada uma fiada de água para ser feito o “pano da valeta” ou corredor a calcetar e por onde escorrerão as águas correntes até à valeta. Marcados os pontos que delimitam e irão guiar o empedrado, o solo é depois uniformemente coberto com cerca de 4cm de pó de areão lançado à pá, designado “leito de areia”. Dantes usavam preferencialmente a caliça (ou “pedra furada”) que servia melhor para a Calçada Portuguesa, mas hoje, esta já não abunda e a que aparece vem com lixo de obras (esferovite, aparas de madeiras, vidros) e “não cola bem, faz mola e não deixa abater a pedra” de modo eficaz. No caso de se tratar de uma reparação por descalcetamento de Calçada Portuguesa já elaborada, a preparação passa igualmente pela chegada da equipa de calceteiros ao local, já munidos de todo o equipamento e material, seguida do arranque das pedras com uma forquilha, em redor da calçada danificada, alargando ligeiramente a área que irá ser restaurada, nivelando-a e também aí largando areão. No caso de se ter de calcetar vias de passagem de estruturas pesadas, a caixa terá de ter uma base de brita de 10-20cm e por cima desta cerca de 10cm do traço (mistura a seco de cimento e areia na proporção de 1/7). Frequentemente, quando se trata de calçadas a construir em espaços interiores, particulares ou públicos, usa-se o traço forte onde irá assentar o empedrado que será posteriormente polido.

    2º - os calceteiros “baixam-se” em posição de cócoras ou sentam-se num banquinho de madeira rente ao chão para iniciar o assentamento, uns começando por cortar a “pedra grossa” – os cubos maiores (de 12 a 13cm), ou “meia pedra” (de 7 a 10cm) para o pano da valeta (se houver declive) e outros, iniciando de baixo para cima (do declive) o restante revestimento que é feito com cubos menores, usando a pedra miúda (de 5 a 7cm) ou a “miudinha” (de 3 a 4cm), geralmente de calcário branco, escolhendo uma das extremidades do local. Aí começam por assentar uma fiada de pedras cortadas em bico (triângulo) ou setadas (v. anexo 2.4.02), de onde seguem a “puxar a branca” ou “o pano branco”, com a competência e técnicas dominadas. 1 m3 de calçada branca pesa uma média de 1300 kg e as restantes cores cerca de 1350 kg, consoante a qualidade da pedra. Cada calceteiro tem um montinho de cubos, de onde vai escolhendo cada pedra a partir e assentar à vez, e um balde junto de si para deitar os restos de pedra partida. Tais montinhos de pedra e areão são trazidos em carrinho de mão e colocados no chão com a forquilha, bem como os baldes recolhidos, normalmente, por um dos membros da equipa, que exclusivamente faz esse trabalho no local (antigamente era o servente). Enquanto escolhem com o olhar a pedra que vão usar, no montinho de pedras que têm junto de si, batem com a pena do martelo no areão para o tornar fofo ao receber essa nova pedra, e limpam a área, tirando algum lixo (restos de pedras partidas, cascalho que atiram para o balde). Escolhido um cubo de pedra irregular, este é aparelhado e colocado no areão cuidadosamente com os dedos de uma mão, enquanto executa leves percussões com o martelo de passeio que tem na outra mão.

    3º - No caso de se tratar de Calçada Artística, que exige a execução de um desenho, a pedra é talhada de modo a ajustá-la de forma irregular no areão. Para aplicar a escala nos desenhos de calçada portuguesa, para fazer ondas ou um padrão geométrico, por exemplo, este tem de ter escala, usando quadriculas que se replicam infinitamente. Como noutros domínios, a escala é a base fundamental de todo este labor e os processos corretos ainda são os mesmos dos antigos. A “puxada da branca” (embora nos Açores, por exemplo, a arte seja invertida, com chão geralmente preto, dada a abundância do basalto, e os desenhos de calcário branco) é feita até à zona onde irão ser colocados os respetivos moldes sobre o areão. Após a colocação de uns cubos grandes para fazer peso sobre os moldes ou usando cavilhas no areão para garantir a sua imobilização, estes moldes irão ser completamente contornados, depois cuidadosamente retirados, baixando-se de seguida o melhor artesão da equipa para executar o desenho, com pedra de outra cor, geralmente preta – sendo antigamente mais recorrente o basalto que, embora mais difícil de talhar, nunca perde a força da cor e não branqueia como o calcário preto - e/ou outras cores, caso não tenha sido já o mesmo que tenha “dobrado” (elaborado os contornos) (d)os moldes. Este trabalho termina com o chamado empate, etapa considerada como sendo especialmente difícil de executar e que se traduz na colocação das últimas pedras de remate, no pavimento. O desenho é assim preenchido com pedra nova ou antiga, que há em depósito para a manutenção da Calçada Portuguesa, quando se trate de uma reparação. É o jogo da conjugação dos diferentes tamanhos, dos modos de talhar e da variedade das cores da pedra que possibilita elaborar, mais ou menos hábil e criativamente, um tapete artístico de Calçada Portuguesa.

    4º - Depois de terminado o assentamento de todo o tapete, todos os calceteiros se levantam, esticam as pernas e as costas, o servente larga pazadas de areão sobre a calçada. Depois varre para o distribuir bem pelas juntas das pedras e estas são amassadas a seco, levando com o “1º maço”, ou seja, são batidas executadas pelo batedor de maço, de forma ritmada, cujo cabo vai sendo rodado em movimentos ligeiros de quartos de círculo entre cada batida, sobre o chão calcetado. Volta-se a espalhar e varrer o areão com a vassoura sobre toda a superfície calcetada ou reparada e esta é molhada com regador de água (que vem na carrinha em contentores: jerricans ou outro tipo). Conclui-se a empreitada com a vinda dos calceteiros de novo com o “calcão” para “amaçar” e recalcar o chão, dando-se o “2º maço”, para que as pedras fiquem definitivamente agarradas ao fundo de areão, distribuindo-se uma nova porção de areão e rega generosa. Antigamente, sobretudo em extensões grandes, batia-se com o maço para um perfeito travamento do painel, só no dia seguinte. Quando é executada uma calçada polida, com recurso ao traço forte na caixa, as juntas são fechadas com uma aguada de cimento, aplicada depois de deste ter sido regado e seco, terminando com um polimento por meios mecânicos (CASTELA e DORNELLAS, 2006, p. 63). São para este efeito usadas as máquinas polidoras, cujos discos vão sendo sequencialmente substituídos (de diamante, abrasivos e de argila) para um perfeito acabamento desse polimento, terminando o trabalho opcionalmente com um verniz para pedra. Nos passeios nobres, é proibitiva esta aguada ou “goma” de cimento, que pode deixar marcas ao secar. É possível diferenciar uma Calçada Portuguesa “limpa” ou “suja”, quando esta goma é mal lavada no final do trabalho, pela adesão do cimento. Imagens de diferentes épocas documentam o processo descrito (v. anexos 2.1.066 a 086).

    As competências técnicas envolvidas na arte da Calçada Portuguesa dependem da transmissão e aquisição de conhecimentos vários, ligados não apenas ao manuseamento capaz de ferramentas, mas também às quantidades e qualidades das matérias-primas usadas (pedra, areão, água, solo). Os conhecimentos iniciais são adquiridos tradicionalmente de modo intergeracional, dos mais velhos aos mais novos e quanto melhores forem os mestres, naturalmente, melhor domínio das técnicas terá o aprendiz. Nas décadas mais recentes, vários cursos livres de formação de calceteiros (v. anexo 2.3.04) como o de Marrafe, Leiria; Vila Viçosa; S. Domingos de Rana; Vila Verde, Trás-os-Montes e sobretudo a Escola de Calceteiros da Câmara Municipal de Lisboa (desde 1986), ou mesmos cursos organizados por juntas de freguesia (como o caso de Benfica, em Lisboa), têm igualmente fornecido as competências técnicas adequadas, formando muitos calceteiros em Portugal, em concertação com o IEFP. Mas há qualidades que não podem ser transmitidas e que dependem de cada indivíduo que executa este saber-fazer: o gosto e a dedicação pessoal duradoura por esta arte, uma enorme paciência e uma apetência pela artesania.

    Resta ainda referir o tempo de execução da calçada, que pode variar consoante a técnica e a desenvoltura do calceteiro. Assim, o cálculo base do m2 de aplicação de Calçada Portuguesa por dia (HENRIQUE et al. 2009, p. 91) é: calçada com desenhos artísticos na medida 4/5: 8 m2 / 8 h, por calceteiro; calçada na medida 5/7: 15 m2 / 8 h, por calceteiro; e calçada na medida 9/11: 20 m2 / 8 h, por calceteiro.



    Técnicas de “cortar a pedra” ou “partir pedra” pelos calceteiros:

    Na Calçada Portuguesa é usada exclusivamente a técnica de percussão. Cada calceteiro seleciona a face mais perfeita do cubo que irá ficar à superfície e aparelha as arestas, percutindo, com a seta do “martelo de passeio” que tem numa mão, no sentido oblíquo, com pancadas certeiras no cubo que tem na cova da outra mão, no vértice que é para extrair. Rodando o cabo do martelo, bate com a pena no areão e aí coloca o cubo (ou outra forma) já cortado, dando-lhe pequenas pancadas secas com a seta, de modo a ajustar o acasalamento e garantir que ficou firmemente enterrado (até meia altura da pedra). Assim, os calceteiros ora viram o martelo para partir a pedra com a seta ao tamanho certo de encaixe, ora viram o martelo para bater com a pena na pedra colocada. Se esta não encaixa à primeira, retiram-na, viram o martelo para a partir de modo a dar-lhe a forma necessária ao acasalamento e travamento certos, como um puzzle e repetem o processo várias vezes até acertar. Ainda hoje persiste a lembrança dos “antigos” que competiam entre si pela perfeição e noção do rigor no aparelhamento das pedras, não devendo entrar entre elas uma mortalha de papel de arroz sequer (Bairrada, 1985, p. XLIII). O calcetamento pode então ser produzido sobretudo pelas seguintes técnicas (v. anexo 2.4.02):

    - À Portuguesa: com pedras “miúdas” ou “miudinhas” totalmente irregulares, em formas indefinidas e aleatórias, colocadas consoante encaixem, umas com as outras. Este é o estilo mais antigo, e a forma mais pura de aplicação, embora em extinção, porque difícil e por implicar uma maior mestria, fazendo-se, sobretudo, na manutenção nas calçadas artísticas mais antigas que subsistem atualmente.

    - Malhete: o talhe da pedra é irregular, mas tendencialmente formando polígonos sobretudo pentagonais. Trata-se também de uma técnica em extinção, muito trabalhosa e exigente que apenas se conserva e raramente se reproduz.

    - Sextavado: com pedra cortada em hexagonal regular, com diâmetro de cerca de 5cm e igualmente com tendência a rarear, preservando-se, sobretudo, na manutenção da calçada artística antiga.

    - Ao quadrado: pedra tendencialmente de talhe regular cúbico, que, quando aplicada formando fileiras bem definidas (começando num bico, de modo que as linhas se sucedem na obliqua em relação à linha do lancil, ou quando os cubos se sucedem em linhas paralelas ao lancil, respetivamente) se designa por “assente à fiada”, na gíria própria dos calceteiros chamada “desdobrar a pedra”. Além destas, existem outras técnicas de aplicação, em que as pedras talhadas podem ser dispostas em leque (uma tradição mais comum no Norte da Europa), e também de talhe, caso das formas especiais de pormenor de encaixe, como por exemplo, em bico (triângulo), também designada “em pêra”, ou setada (pentagonal, em forma de seta, cortada ao jeito do ângulo da parede), em marreta (em forma hexagonal, mas mais alongada), mas também em estrela, em círculos, em oitavado, em coração, em losangos ou em leque, que se integram habitualmente nas técnicas de aplicação descritas, formando composições mistas, comuns em várias das “brincadeiras” dos calceteiros (v. anexo 2.4.03).

    Em termos matemáticos, pode-se dizer que há pavimentações de planos não periódicas (cujo padrão não se repete necessariamente) e pavimentações de planos periódicas (nas quais o padrão se pode repetir infinitamente). Os calceteiros podem assim usar as cores para delinear com os moldes os motivos, que se podem repetir em sequência linear (frisos) ou nas duas dimensões do plano (padrões) (SERRANO, 2017, p.76).



    Bens materiais (objetos, edifícios ou estruturas):

    Além de algum equipamento de proteção individual (luvas e joelheiras), eventualmente usado pelos calceteiros, existe o conjunto da ferramenta tradicionalmente utilizada pela equipa de calceteiros, que é constituído por:

    - Martelo de bico (ou de passeio) e martelo de pena. Os martelos do granito têm a pena em bico e são maiores. São conhecidos como o martelo “Faz-tudo”. De resto, usam o martelo de meia pedra ou “camartelo” (o maior); o martelo miúdo ou “de passeio” e o martelo da “miudinha”, para a pedra mais pequenina – mosaico. Os martelos são de aço temperado e é preciso saber a têmpera, mas atualmente, não há ferreiros para os fazer. Muitos calceteiros fazem os seus próprios martelos e alguns assinam-nos para registo de propriedade, porque gostam de os personalizar e para não desaparecerem. O facto é que os calceteiros são todos muito orgulhosos da sua ferramenta, especialmente dos seus martelos. Mas além destes, usam-se as linhas para demarcar as fiadas da “puxada”; a régua (uma tábua corrida), uma cruzeta ou um nível de bolha; a picareta, a pá e a forquilha para mover os cubos; uma vassoura larga para espalhar o areão; o maço de calcão em madeira (de 1m de altura de cabo e 15-20 kg na base reforçada com duas faixas de ferro em torno da madeira para esta não estalar); o regador; os desenhos e respetivos moldes; o banquinho e o carrinho de mãos (v. anexo 2.4.03). Alguma maquinaria tem vindo a ser adquirida por algumas autarquias e empresas, como o martelo hidráulico, a talocha mecânica ou a polidora.

    Consideram-se como fundamentais ainda, na Calçada Artística Portuguesa os desenhos (projetos e respetivos orçamentos) (v. anexo 2.3.05 a 17) que servem de base para os moldes usados no pavimento. Estes são concebidos, no caso de Lisboa, habitualmente por quadros técnicos municipais, sobretudo arquitetos, ou artistas plásticos convidados, raras vezes, pelos próprios artesãos anónimos que a executam. Pela sua enorme flexibilidade, os desenhos são produzidos para cobrir áreas específicas pré-definidas, ou são criados espontaneamente para posterior aplicação adaptada, numa superfície a ser selecionada para pavimentar. Certos desenhos surgem por obra de artistas plásticos que, com o trabalho artesanal de calceteiros experientes, os recriam por meio do uso de moldes, em calçada artística nas superfícies mais diversas.

    Toda a calçada que existe com desenho tem que ter um molde, que pode ser uma peça única ou ter várias peças que estão numeradas (podendo um molde chegar a ter 90 peças diferentes). Pode-se dizer que cada molde, enquanto património cultural móvel associado à Calçada Portuguesa “vive sozinho”, já que pode ser usado para uma empreitada só, pode ser sujeito a um projeto de desenho e de execução de moldes numa obra para assentamento, e pode ainda ser aplicado isoladamente ou junto com outros moldes, numa mesma empreitada (v. anexos 2.1.096 a 099).

    Alusivo à arte do saber-fazer da Calçada Portuguesa é também o monumento dedicado ao calceteiro do escultor Sérgio Stichini, inicialmente erigido na Rua da Vitória, em 2006, mas atualmente nos Restauradores (v. anexos 2.1.101 a 112 e 2.3.35). Este monumento foi ali colocado em 2017 e é constituído por duas estátuas de bronze, uma representando um batedor de maço e outra, um calceteiro partindo uma pedra com o seu martelo, debruçado sobre o chão – um tapete de cerca de 30 m2 calcetado com uma barca vicentina, alusiva à cidade de Lisboa. Dentro ainda do perímetro da área metropolitana do distrito de Lisboa há, igualmente, uma estátua de bronze de homenagem ao calceteiro sobre um tapete circular calcetado, em Fanhões (concelho de Loures), à entrada daquela freguesia que se reclama como a “Capital do calceteiro”.

    Algumas estruturas edificadas fazem parte da arte da Calçada Portuguesa, nomeadamente os armazéns de acondicionamento do material, as instalações-sede das Brigadas Lx, o depósito dos moldes e o edifício da Escola de Jardinagem e de Calceteiros da CML. O local da autarquia onde são resguardados os materiais ligados à produção e manutenção da Calçada Portuguesa, em Lisboa, que funciona como um estaleiro para ferramentas, equipamento e matéria-prima (pedra, areão, cimento, etc.), está situado, atualmente, em Xabregas. Próximo dali, na Estrada de Chelas, encontram-se também as instalações-sede dos calceteiros, onde estes se reúnem, onde trocam de roupa e se organizam para o trabalho.

    De resto, os calceteiros que trabalham por conta própria costumam ter um mini-estaleiro com telheiro ou aproveitando uma garagem, no seu quintal de residência ou nas suas imediações, onde guardam zelosamente a sua ferramenta e a matéria-prima – a pedra e demais materiais de trabalho.

    No depósito dos moldes da CML, tutelado pela Unidade de Coordenação Territorial (UCT) e, desde cerca de 1950, localizado na Rua João Saraiva, nº 40, em Alvalade (v. anexo 2.1.100), estão guardados todos os cerca de 5000 moldes de Calçada Portuguesa existentes e que incluem cerca de 3000 modelos distintos já inventariados como originais (sendo, os restantes duplicados desses originais ou cópias posteriores), para além de desenhos figurativos, letras e números de diversas formas e tamanhos. Trata-se de um grande armazém, forrado em todas as quatro paredes por grandes prateleiras identificadas pelo nome das ruas correspondentes aos moldes que nelas estão contidos e, ao centro, dispondo de dois enormes cavaletes igualmente pejados de moldes. Antigamente, todos os moldes eram feitos de madeira, e quando em risco de quebrarem, eram reforçados também com madeira (de rebordos arredondados para não ferir no manuseio) e consolidados por chapas de zinco ou ferro pregado, para reforço de juntas no avesso. Mais recentemente, têm sido utilizados outros materiais para executar os moldes, como por exemplo, o ferro ou P.V.C. Estes eram numerados, catalogados e arrumados (muitos estando segmentados) não por temas, mas por serem os motivos de determinadas ruas onde foram usados. Há moldes, claras reproduções posteriores, cujo número de réplica correspondente se desconhece e cujo original se perdeu. Há ainda moldes de calçadas já desaparecidas. Naturalmente que, contíguo a este depósito, existe uma oficina de carpintaria onde são recuperados os antigos, feitas réplicas e os novos moldes, pelo profissional camarário que a eles se dedica (v. anexo 2.1.113). Atualmente, a equipa da Unidade de Intervenção Territorial-Centro Histórico, da CML, tem realizado um levantamento exaustivo dos moldes existentes, procurando a identificação, catalogação e inventariação, que resultou numa base de dados exaustiva e que se pretende que venha a ser disponibilizada a toda a comunidade. Pretende-se que os calceteiros camarários ou quaisquer outros (como no caso de empreiteiros) passem a trabalhar exclusivamente com réplicas dos moldes originais que ali se preservam e que podem ser reproduzidos, a partir de um desenho digital, que poderá ser depois reproduzido tridimensionalmente (inclusive por impressão 3D), noutras aplicações (v. anexo 2.3.18). A título de exemplo ilustra-se o processo, ainda provisório, da Praça do Império (v. anexo 2.3.19).

    Igualmente a Escola de Jardinagem e de Calceteiros da CML, localizada na Quinta Conde dos Arcos (Olivais), não apenas tem albergado o ensino formal da Calçada Portuguesa, desde o ano letivo de 1991-1992, como tem sido também um lugar privilegiado de enculturação de calceteiros de várias gerações que ali socializam. Além de uma pequena biblioteca, os espaços letivos, interiores e exteriores, para o ensino-aprendizagem teórico-prática da Calçada Portuguesa, estão repletos de caixas de teste, de desenhos de provas executados no chão pelos alunos e mestres, de imagens e ferramentas penduradas, alusivas e inspiradoras do saber-fazer da Calçada Portuguesa. Trata-se de um dos espaços privilegiados onde se respira o “Mundo da Calçada Portuguesa” há mais de 30 anos. Finalmente, pela sua excecionalidade, são de menção alguns tapetes de calçada-mosaico instalados em artérias ou praças nevrálgicas da cidade de Lisboa, como por exemplo, entre outros, na Avenida da Liberdade; na Praça dos Restauradores, no Rossio, na Praça Luís de Camões, no Largo do Chiado, na Praça Duque da Terceira, na Praça do Império, em Belém, ou no Cemitério do Alto de São João (v. anexos 2.1.114 a 123).

    Práticas, representações, conhecimentos, lugares e espaços naturais específicos associados a cada uma das fases: Como em vários outros sistemas culturais, a produção da Calçada Portuguesa não se limita ao domínio de uma série de competências técnicas, pois, não só o artesão - sejam cortadores de pedra ou calceteiros - depende de um conjunto de meios para o desenvolvimento capaz da sua atividade (como a pedra de qualidade e a ferramenta ou o solo, apropriados para laborar) mas tem igualmente de conhecer, ao detalhe, esses meios para poder maximizá-los aquando do corte da pedra e do calcetamento. Assim, a qualidade do produto final da Calçada Portuguesa depende em muito da habilidade artística, dos saberes relativos aos meios ao seu dispor, para a executar, além da perícia técnica. Como uma atividade de exploração direta dos recursos naturais, para os cortadores de pedra, especialmente calcária e, no passado, em Lisboa, também basáltica, é fundamental, por exemplo, o domínio empírico da geologia e orografia (para saber onde prosseguir com o desmonte da bancada de pedra no subsolo da pedreira), da meteorologia (atendendo à temperatura ou humidade atmosférica que fazem variar o estado das massas líticas e a forma de extrair os blocos) ou de aspetos macroscópicos como a geometria intuitiva, a petrografia quanto à homogeneidade do bloco (atendendo à dureza, cor, porosidade, textura, etc.) e fatores penalizantes (como fraturas / fissuras, linhas de minerais a que chamam “formiga”, manchas, variações de tons, etc.) para apurar a dimensão e a qualidade dos blocos a desmontar, bem como a melhor ferramenta a utilizar. Para os calceteiros, tão pouco é suficiente apenas manusear capazmente as ferramentas e a matéria-prima, pois é também fulcral que conheçam as condições atmosféricas sazonais de cada região e que alteram o estado em que se encontram as pedras, o tipo de solo que irão usar para pavimentar, as reações de cada tipo de pedra ao clima, consoante as latitudes, ou mesmo saberem fazer medições a olho nu, nomeadamente, das simetrias abordadas por SILVA (2016), com base na referida geometria intuitiva e sem instrumentos auxiliares, além de terem de conhecer “o veio à pedra” para a talhar ou cortar de modo mais perfeito e eficiente, nas dimensões exatas para assentamento, baseando-se apenas na experiência transmitida e acumulada com os anos de prática. Sobretudo, mediante o seu gosto, criatividade e talento artístico, cada calceteiro pode incutir na execução de uma Calçada Portuguesa ou Artística um cunho pessoal. Tal ocorre designadamente nas “brincadeiras” de desenhos (v. anexo 2.4.04) que alguns executam para mostrar a mestria, e que discretamente integram nos motivos pré-definidos para um determinado pavimento ou, por vezes, e não se confundindo com estas, nas subtis e muito pontuais “assinaturas” que realizam, para deixar uma marca de recordação ao rematar o seu trabalho. Deste modo, alguns calceteiros têm circunstancialmente vindo a elaborar, especialmente nas últimas décadas, no final e a um canto da obra, quando esta tem características individuais de execução, sejam pequenas letras, uma folha de trevo ou outro sinal (v. anexo 2.4.05), de modo a mostrar que sabem fazer bem a arte (para serem de novo chamados), porque gostavam, marcando-a para a posteridade, ou mais recentemente, com o advento do setor privado, porque assim deixam também a sua marca empresarial associada àquele pavimento (neste caso há mesmo empresas que deixam uma das pedras com o seu carimbo comercial impresso).

    Por excelência, o território natural ligado à Calçada Portuguesa é o espaço urbano. Embora a Calçada Portuguesa possa ser executada em qualquer tipo de superfície, pelo que, a priori, não existem lugares específicos associados à sua execução e aplicação, é, contudo, uma arte urbana e parte integrante e definidora do património paisagístico dos aglomerados populacionais, no caso de muitas localidades portuguesas, mormente da cidade de Lisboa (v. filmes anexos 2.2.01 a 03). A sua execução não é, porém, aconselhada em planos de inclinação acentuada. Com efeito, o uso do calcetamento em declives demasiado acentuados, a par da má execução ou da falta de manutenção das calçadas existentes, muito contribuiu para a imagem negativa, de barreira a uma fácil mobilidade, por vezes associada à Calçada Portuguesa.



    Conclusão

    A abundância do calcário e do basalto, na região de Lisboa fez com que, depois do terramoto de 1755, se utilizasse esta matéria-prima para pavimentar o chão da capital, cidade então considerada como pouco monumental. Os lisboetas passaram, assim, a ter uma arte singular de revestir as suas ruas e praças, com pedrinhas talhadas em composições artísticas variadas, em modo de tatuagens urbanas (nome de exposição no Museu Histórico Nacional, do Rio de Janeiro, dedicada a esta arte, em 2015), que se tornaram numa marca registada no imaginário da cidade, uma moda que alastrou pelo país e para lá das fronteiras e que passou a definir uma imagem associada a Portugal. O calcário – predominando atualmente na Calçada Portuguesa em Lisboa - pode aparecer numa variada paleta de cores que vai do branco ao preto passando pelos cinzentos e ainda uma série de tons ocres, do amarelado ao avermelhado, provenientes de várias regiões do centro, sobretudo das serras de Aires e Candeeiros, oeste e sul do país. Hoje destacam-se oito núcleos formais de explorações de calcário para calçada (Cantanhede, Zambujal, Cumeeira, Alqueidão da Serra, Alcanede, Alenquer, Albufeira e São Brás de Alportel). Os arrancadores, traçadores e cortadores desta pedra, fornecem a base material do trabalho dos calceteiros, que, na atualidade, recebem os cubos das pedreiras de acordo com os tons ou cores e dimensões desejadas – ou os aparelham à medida, já no local do assentamento. A arte possibilita composições monocromas, jogando apenas com tamanhos e diferentes talhes, ou policromas. No caso dos empedrados de calçada-mosaico, estes tanto permitem composições abstratas e de grafismo geométrico, como, pelo contrário, ser figurativas. Uma arte onde a imaginação é o limite. As pedras podem receber diferentes talhes (cúbicos, sextavados, irregulares, etc.), obtidos no local por marteladas precisas, e serem dispostas de maneiras distintas, ao acaso ou de forma ordenada, com ou sem desenhos. A pedra partida com as dimensões adequadas é obtida graças ao trabalho do cortador ou partidor manual, embora seja o calceteiro-artista (categoria profissional inscrita nos quadros da CML, mas hoje extinta) ou o mestre a dar os toques e recortes necessários ao desenho. Um calcetamento perfeito não deixa praticamente espaço entre pedras, não permitindo entrar na ranhura uma folha de papel sequer. Depois vem o trabalho do batedor de maço, cujo brio e profissionalismo não são de menosprezar -, pois a profissão requer requisitos especiais - e sem o trabalho do qual o resultado final resultaria imperfeito. Nas últimas décadas, o número de calceteiros tem vindo a reduzir drasticamente, embora a calçada artística tenha vindo a adquirir um novo interesse com a conceção de obras singulares. Como exemplo, refira-se o caso dos tapetes de Arraiolos (Bairrada, 1985, p. XXVII), cujo motivo foi não só replicado em calçada artística, na praça central daquela cidade alentejana, como também se têm produzido tapetes de Arraiolos, com motivos da Calçada Portuguesa. Mais, este material natural, garante a necessária permeabilidade dos solos e a manutenção de um determinado grau de humidade. Isto significa que o solo sob a calçada pode continuar o seu ciclo de respiração natural e permanente, enquanto território vivo e fonte de vida. Mais ainda, pela sua maleabilidade, adapta-se à modulação das raízes das árvores, e, quando devidamente executado, é de longa duração (dita de “garantia vitalícia”). Logo é um trabalho mais económico a médio/longo prazo, e facilmente reparável, assim haja profissionais habilitados para o fazerem. Do sector extrativo é o menos intrusivo, dado as pedreiras deste tipo de pedra atuarem ao nível dos estratos mais superficiais que, assim, são mais facilmente renaturalizados. Em tempos de urgência ecológica, este tipo de pavimento é, pois, amigo do ambiente. É também sustentável a nível económico, por depender de recursos naturais e profissionais 100% nacionais. Finalmente, o saber-fazer tradicional da Calçada Portuguesa faz parte integrante de modos de sustento e de vida de muitas gerações de portugueses que a ela se têm dedicado. Mormente ressaltam-se os calceteiros com os seus saberes; a montante destes, os extratores e transformadores de pedra; e a jusante, todos os utilizadores da Calçada Portuguesa. Colocando os calceteiros no centro da valorização desta arte - dando-lhes voz, aprendendo com eles, registando a sua mundividência, divulgando e apoiando a sua atividade como “nossa”, esta arte não se perderá.
  • Manifestações associadas:
    Existe, todavia, uma estreita ligação entre os locais de extração e transformação da pedra calcária que é usada como matéria-prima para a Calçada Portuguesa. Deste modo, os lugares e espaços naturais associados à Calçada Portuguesa, ligados à fase da extração da pedra, são as pedreiras a céu aberto. “A abertura de pedreiras e´ condicionada pelo plano extrativo de cada zona e limita-se a locais bem definidos, sendo que em cada pedreira o avanço da exploração para as zonas limítrofes só poderá ter lugar após a recuperação da área antes explorada.” (HENRIQUES et.al, 2009: 17). Os impactos ambientais da exploração do calcário para Calçada Portuguesa são mínimos, pois esta apenas desce a profundidades de nível de classe 4 e, passados dois anos, o solo está reposto (por contraponto com a extração das rochas ornamentais, que desce ao nível 1). O avanço da exploração, portanto, está condicionado igualmente no tempo (por x anos), tendo os responsáveis por tais explorações de pagar ciclicamente taxas específicas, por conta dos impactos ambientais que são mínimos. Assim, associam-se, num primeiro momento, as centenas de pedreiras existentes no país que se encontram integradas na orografia natural do país. Em Lisboa, os locais extrativos incluíam – entre tantos outros - as já desativadas seis pedreiras de calcário de Monsanto, a “Calceteira”, em Benfica, ou as pedreiras de basalto, em Alcântara, Campolide ou São Sebastião da Pedreira (PINTO, 2005, p.109 e segs.). Incluíam-se também outras pedreiras na sua área metropolitana como as de Cascais, Fanhões (Loures), Mem Martins (famosa pela sua pedra preta de excelente qualidade) e Negrais (Sintra) – estas últimas hoje desativadas, mas de onde se extraia a belíssima pedra amarela - e, na margem sul, as pedreiras de calcários da Serra da Arrábida, em Palmela e Sesimbra (Calhariz, Zambujal, Almoinha), de onde era extraída pedra de várias cores e onde persiste, ainda hoje, alguma atividade das britadeiras. Incluíam-se, finalmente, as pedreiras de outras regiões do país, como no sul, em São Brás de Alportel ou no Vale da Guia e Ataboeira de Albufeira, em Ferreiras, de onde ainda hoje se extrai pedra rosa, ou no Maciço Calcário Estremenho (Serras de Aires e Candeeiros, Leiria e Santarém), destacando-se aqui a área de Porto de Mós, Cantanhede, Zambujal, Cumeeira, Alqueidão da Serra, Alcanede e Alenquer, de onde continua a vir a maioria da pedra calcária branca, preta e cinzenta, utilizada na Calçada Portuguesa. Além da atenção às motivações ambientais, os extratores, tanto quanto os calceteiros, estão atualmente sensibilizados (nomeadamente através da sua formação profissional na Escola de Calceteiros), para o cuidado e conhecimento sobre algum património arqueológico ou paleontológico que encontrem no decurso da sua atividade.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: A aprendizagem tradicional do ofício de calceteiro é feita, sobretudo, de forma mimética e informal. A transmissão de conhecimentos do saber-fazer da Calçada Portuguesa realiza-se com recurso estrito à oralidade e à demonstração para observação, do modo de operar dos calceteiros mais experientes pelos aprendizes, pressupondo que estes se colocam ao lado de alguém que sabe fazer a arte e que por lhe tomarem os modos, um dia irão aprender. Muito frequentemente, sobretudo no passado, a passagem dos saberes do calceteiro era feita dentro da família, de pais para filhos, desde idades muito tenras. No entanto, alguns calceteiros têm recebido instrução formal, frequentando a Escola de Jardinagem e Calceteiros, em funcionamento desde 1986. Assim, os calceteiros que tenham frequentado a referida escola, combinam os saberes aí adquiridos junto dos formadores e mestres com os conhecimentos que vão obtendo durante os anos que trabalham ao lado dos calceteiros mais velhos. No primeiro caso, o acesso à aprendizagem é, à partida, “livre” e esta é feita no local onde irá ser produzido o novo pavimento calcetado, seja ao ar livre, seja em espaços cobertos, no interior de edificações variáveis. Tradicionalmente, porém, a aprendizagem era lenta (podendo levar muitos anos para se “saber o veio da pedra”, por exemplo), gradual e por vezes condicionada, dado que muitos mestres não revelavam todos os segredos da sua perícia, não passando o conhecimento todo, por ser este tido como poderoso. Não raras vezes, os aprendizes esperavam algum momento de afastamento dos mestres, durante o trabalho, para treinarem as técnicas que acabavam de os ver executar, de modo a “calejar a mão”. Ocultavam, por vezes até, onde poderiam estes aprendizes adquirir um martelo para se exercitarem na arte. Alguns mestres em Portugal, que se ajeitavam a executar os seus próprios desenhos e os moldes, chegavam mesmo a enterrá-los por debaixo da obra da calçada, antes de esta estar terminada (SERRANO, 2017, p. 133).

    A passagem de uma categoria profissional – desde o servente ao ajudante de calceteiro, deste a calceteiro de 3ª; de 2ª ou de 1ª, até alguém ser considerado um calceteiro artista ou mestre calceteiro, implicava um concurso com uma prova de domínio de determinadas técnicas na execução de assentamento de calçada ou de um desenho. Estes concursos tinham júris, que incluem sempre calceteiros superiores (da categoria acima à dos candidatos), geralmente um mestre ou encarregado e um responsável do departamento da tutela. Nestes testes, que eram geralmente realizados na via pública, além do número de calos observados nas mãos do candidato, era solicitado que realizassem, por exemplo, uma estrela em malhete, sem falhas, caso contrário, o pretendente era encaminhado para continuar como “calceteiro da linha branca” e a fazer “pano branco a metro” ou ir para “arrumador de pedra”. De há uns anos a esta parte, os concursos de admissão de calceteiros têm também júris, constituídos habitualmente por um arquiteto ou engenheiro e um técnico dos recursos humanos da autarquia, bem como um técnico superior de alguma instituição externa credenciado.

    Algumas “praxes” iniciáticas eram recorrentes na aprendizagem informal, pelo que, há uns anos atrás, havia alguns mestres, nomeadamente, que diziam aos aprendizes para irem às barracas (ou ao depósito) buscar “a pedra de afiar martelos”. Com a devida antecedência, os mestres haviam enfiado um lancil ou “faixa” de pedra pesada, dento de uma sarapilheira, que o aprendiz teria de carregar pela rua acima. Outras vezes, faziam a partida aos batedores de maço, pondo rolhas de cortiça debaixo da calçada, que produzem um efeito de mola e que faziam com que a calçada saltasse toda ao amassar, não permitindo que esta assentasse e agarrasse devidamente. Outras vezes ainda quando, de inverno, os calceteiros se queixavam de a pedra estar demasiado fria, então os encarregados aqueciam-nas (sem serem notados) dentro de uma lata sobre uma pequena fogueira e davam-nas aos calceteiros que assim desprevenidos escaldavam as mãos. Outra partida era pregada quando os aprendizes estavam a fazer meia-esquadria de calçada portuguesa (e há que cortar bem os cantos, para a fiada sair certa), por vezes, os mestres cortavam mal os cantos de propósito, de modo que os mais novos, não dando por isso, faziam a calçada toda torta dali para a frente. Ficando mal, eram obrigados a desfazer e a fazer de novo. Eram formas de pedagogia espontânea que obrigavam os aprendizes - por vezes demasiado jovens - a estarem atentos e aprenderem com os próprios descuidos.

    A formação profissional reverte-se no oposto da modalidade tradicional, já que se baseia na maximização de transmissão de conteúdos formativos e profissionalizantes, de modo intensivo, mediante a frequência de um conjunto de módulos ou UFCD (Unidade de Formação de Curta Duração), num total de 1910 horas teórico-práticas, conforme constam oficialmente no Catálogo Nacional de Qualificações, relativamente ao “Referencial de Calceteiro” (v. anexos 2.3.20 e 21). Este curso inclui as matérias fundamentais que têm de ser aprendidas para alguém ser calceteiro, o que corresponde ao referencial de formação. Além disto, há um conjunto de saberes relativos ao que é suposto um calceteiro ter de saber fazer depois da formação e que correspondem ao referencial da profissão, sendo possível obter um curso de dupla certificação, que confere, em simultâneo, uma certificação escolar e uma qualificação profissional. Quer a formação inicial, tenha sido assimilada por via de um referencial formativo, quer tenha sido obtida como aprendiz ou como amador autodidata, o calceteiro pode requerer um reconhecimento, uma validação e certificação da competência profissional, por meio de validação própria, na Escola de Calceteiros de Lisboa e do Centro Qualifica da CML. O requerente poderá já saber fazer calçada portuguesa e necessitar apenas de algumas UFCD específicas para obter tal reconhecimento, conjugando-se assim a transmissão dos saberes por via da aprendizagem informal com a formação formal.

    Quando a aprendizagem se realiza integralmente na Escola de Jardinagem e Calceteiros da CML, essa tem geralmente a duração de 1 ano, findo o qual os alunos são sujeitos a avaliação por meio de um exame prático final. Esta formação envolve uma Componente Base de 900 horas, que inclui 200h de TIC; 200h de Matemática para a Vida; 200h de Cidadania e Empregabilidade; 200h de Linguagem e Comunicação; 100h de Língua Estrangeira. Além desta formação de base, são adicionadas 40h sobre Aprender com Autonomia; 850h de Componente Tecnológica e ainda 120h de uma componente de Prática em Contexto de Trabalho. Em mais de três décadas de atividade, a Escola de Calceteiros já formou 254 profissionais, com uma média de 20 graduados por curso, com picos ocorridos entre os anos de 2013 e 2017, em que chegou a atingir os 36 formandos por turma, embora esse valor venha a diminuir para 5, nos anos mais recentes. Todavia, há que referir que a maior parte destes formandos acaba por não seguir a profissão. Além destas formações intensivas, a Escola de Calceteiros tem também vindo a promover diversos workshops, conferências (integrando académicos, como por ex. investigadores da Geometria e Matemática) e Cursos Livres de Calçada Portuguesa, bem como diversas iniciativas de sensibilização, tais como as “Visitas Guiadas”, os “Peddy-Papers” e as “Oficinas pela Calçada” (com “ateliers de cubos” de madeira para crianças, por ex.), ações que, desde 2012, envolveram já centenas de participantes. De resto, a referida escola tem procurado promover a arte, tendo nomeadamente criado um Grupo de Valorização da Calçada, em 2015, e tem apoiado e cede, sempre que pedido, documentação e recursos didáticos para vários trabalhos de execução de calçada feitos em Portugal e em países Europeus ou de língua oficial portuguesa.

    Há ainda a considerar que, apesar de nos mapas de pessoal da CML estarem contemplados 17 calceteiros, verifica-se que, efetivamente apenas 10 desemprenham na prática a atividade, estando os demais adstritos a outras tarefas. Encontrando-se a transmissão intergeracional tradicional deste saber-fazer ativa e em continuidade desde a primeira metade do séc. XIX, embora em declínio e com risco de desaparecimento a curto-médio prazo (dada a idade avançada dos mestres e o desinteresse dos jovens seus descendentes) e sendo escassa a procura de formação e profissionalização por motivação e vocação individual dos jovens em geral, através da Escola de Calceteiros, levam a que a retenção e transmissão do conhecimento e do talento às gerações seguintes - de modo a que se reforcem e renovem os profissionais efetivos no trabalho da Calçada Portuguesa - estejam verdadeiramente comprometidas, e daí a necessidade do carácter urgente das medidas de salvaguarda.
    Data: 2020/11/10
    Modo de transmissão oral e escrita
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Mestres Calceteiros; Professores da Escola de Calceteiros
  • Origem / Historial:
    Do ponto de vista técnico, os caminhos pavimentados com pedras remontam à Antiguidade, e Portugal herdou muitas estradas revestidas a pedra no período romano, herança a que os árabes deram continuidade utilizando pedras mais pequenas, organizadas de forma estruturada, de acordo com as suas funções. Tais pavimentos calcetados terão sido, durante grande parte da Idade Média, os únicos que Lisboa conheceu, até que, no século XV, e sobretudo na centúria seguinte, as obras públicas se voltam para a necessidade de calcetar as vias, para efeitos de comodidade na circulação e higiene, a começar pela prestigiada Rua Nova dos Mercadores, com granito oriundo do norte do país.

    A essa técnica não está subjacente, na maioria dos casos, qualquer dimensão decorativa, mas apenas utilitária, pelo que, em português, ao conjunto das pedras assim colocadas, justapostas, e às ruas assim empedradas generalizou-se designar por calçada. A técnica de assentamento deste tipo de calçada funcional aproxima-se da utilizada na calçada artística portuguesa à qual se juntou a decoração herdada do mosaico.

    Os mosaicos ornamentais de pedra recortada (opus sectile) nos mais diversos formatos e tamanhos, que vinham dos egípcios, os de seixos rolados (opus lapilli) dos gregos, e os de tesselas (opus tesselatum) dos romanos, a par dos embrechados (incrustações de conchas, fragmentos de loiça e de vidro, pedras, etc.) surgidos em Itália, no final do Renascimento, para ornamentar paredes, tetos e muros de jardins, casas de fresco, grutas e mesmo cascatas, podem ser considerados, do ponto de vista artístico, os antepassados da calçada portuguesa como hoje a conhecemos.

    A utilização de seixos, pretos e brancos, terá a sua génese na Grécia, berço da Civilização Ocidental, onde o mosaico confecionado com seixos já era utilizado no século IV a. C., caso do mosaico de Pella, na região da Macedónia. Este tipo de pavimento, de pequenos calhaus rolados, formando composições a duas cores, de forte efeito plástico, continua ainda hoje a ser utilizado para revestir ruas e outros espaços públicos, em várias regiões mediterrânicas - veja-se, a título de exemplo, Lindos, na ilha grega de Rodes, mas também em Itália, em França ou em Espanha, o caso do célebre empedrado granadino, na cidade de Granada que lhe deu o nome, surgindo ainda noutras povoações espanholas, e mesmo na lusa ilha da Madeira.

    Também é possível ainda encontrar em Lisboa pavimentos de seixos rolados associados, particularmente, a construções, tanto pré-terramoto de 1755 como posteriores, onde nos surgem a pavimentar átrios e pátios de edifícios nobres, e em prédios de rendimento para classes mais abastadas, sobretudo onde havia entrada de veículos e cavalgaduras. Maioritariamente, nestes casos, o calcetamento dos pavimentos era feito com recurso a seixos de maiores dimensões. Tinha o inconveniente das superfícies curvas dificultarem o pisoteio, sendo escorregadias, logo propícias a entorses, e na sua aplicação correta utilizava-se uma argamassa de areia e cal dado que a sua configuração arredondada fazia com que se soltassem com facilidade.

    Todavia, na Lisboa da primeira metade do século XIX, que se mantem uma cidade-estaleiro, com os escombros de muitos edifícios destruídos pelo terramoto de 1755 a pontuar ainda a paisagem urbana, vai surgir uma outra solução artística e técnica de pavimentação.

    É um período em que as obras da reconstrução da Baixa e áreas limítrofes, de acordo com o plano pombalino em curso, mas já com alguns desvios no desenho inicialmente previsto, encontrava-se, finalmente, a dar os últimos passos. O Rossio consolidava-se com a construção, entre 1837 e 1845, dos quarteirões a poente e com a edificação, na frente norte, do Teatro Nacional D. Maria II, inaugurado em 1846.

    A noção de praça, da cidade burguesa renascida, impunha-se também por contraponto ao tradicional largo, e nela passava agora a nova vivência social, de uma sociedade que timidamente abandonava hábitos ancestrais de reclusão feminina, para permitir que as famílias de bens vissem e se dessem a ver. O rei-consorte, D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, foi o responsável pela alteração de costumes, ao introduzir o gosto pela promenade no Passeio Público e uma nova sensibilidade foi-se consolidando. A fisionomia de Lisboa, durante esta primeira metade de Oitocentos, vai conhecer o início de uma transformação de tal maneira profunda que a cidade não voltaria a ser a mesma.

    O espaço público passava a reclamar estatuto de continuação da esfera privada, com a proliferação, quase em simultâneo, de dois novos elementos decorativos muito têxteis que saiam dos interiores domésticos burgueses trazendo para a rua o conforto dos interiores da nova classe em ascensão – damascos e tapeçarias revestindo paredes, naperons cobrindo móveis e tapetes e passadeiras suavizando o chão – que no exterior se revestiam de uma outra natureza: o azulejo saía dos interiores religiosos e palacianos e assumia-se democraticamente e sem pudor nas fachadas dos prédios de rendimento, e a calçada-mosaico passa a atapetar passeios e praças. Complementava-os o mobiliário urbano, que deixava de ter uma função utilitária apenas para ganhar estatuto de decoração, candeeiros e bancos de ferro fundido e bebedouros para pessoas e animais, como complemento da estatuária e das fontes que, quais bibelots, repousavam sobre naperons de pedra.

    Encenava-se o espaço público para propiciar o passeio e o flanar, da sociedade romântica oitocentista, embelezava-se e humanizava-se zonas nobres com tapetes pétreos para receber transeuntes e viajantes. O gosto pegou e alastrou século XX dentro. A versatilidade do material permitia reproduzir graficamente o que se quisesse. A imaginação ganhou foros de alforria e a criatividade, de artesãos, artistas anónimos a par de talentos reconhecidos, contribuiu para tornar mais belo e rico o quotidiano. Ao enfeite lumínico e colorido das fachadas azulejadas, que começam a pontuar a cidade, vai corresponder, no chão que se pisa, a luminosidade dos tapetes fantasistas, a preto e branco, das calçadas artísticas.

    Na cidade são estes dois elementos decorativos que se destacam, constituindo uma marca identitária de forte intensidade. Lisboa engalanou-se assim, compensando a falta de monumentalidade. Sem eles deixaria de ser o que é.

    Tal como o azulejo, para além de decorativa, a calçada-mosaico cumpre também uma função publicitária quando aposta no pavimento em frente de estabelecimentos institucionais, comerciais e de restauração ou serve também para indicar, no pavimento, o número de polícia.

    Lisboa e seus arredores forneciam as matérias-primas em qualidade e abundância. O calcário branco e o basalto preto encontravam-se disponíveis dentro do território concelhio, e os materiais são sempre o que define e marca a identidade ou a alma de um lugar. Os basaltos e, sobretudo, os calcários são utilizados nas arquiteturas lisboetas. Todavia, é no chão que pisamos que se destacam.

    Passou-se a diferenciar a calçada funcional, numa primeira fase exclusivamente de basalto negro irregular, proveniente maioritariamente de Monsanto, (mais tarde substituído pelo granito de outras paragens), que pavimentava as superfícies das estradas onde transitavam veículos e bestas, dos passeios, que tinham surgido na sequência do projeto de reconstrução pombalino, e de outros espaços pedonais como praças e largos, onde se contrapunha a brancura do calcário (também vindo das pedreiras de Monsanto, mas igualmente de Campolide e da Fonte Santa e mesmo de Odivelas) rendilhado a preto com pedra basáltica ou, posteriormente, com calcário dessa mesma cor (proveniente de Mem Martins). Porque difícil de trabalhar e por se tornar mais escorregadio com o tempo, o basalto foi sendo gradualmente abandonado. A maioria dos empedrados artísticos que hoje se fazem em Lisboa resume-se à utilização de uma única rocha: o calcário de várias cores, embora dominem as composições a preto e branco.

    O sistema das calçadas-mosaico foi concebido pelo governador de armas do Castelo de S. Jorge, tenente-general Eusébio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado (1777-1861), que é considerado o seu inventor. (BAIRRADA, 1985, p. 86). O gosto por este tipo de calçada lavrada, aplicado na via pública, ter-se-á iniciado quando, no início da década de 1840, o referido governador, mandou executar o calcetamento da parada militar existente no castelo, utilizando como mão-de-obra prisioneiros, conhecidos por grilhetas, dada a corrente atada ao tornozelo (TEIXEIRA, 2010, p. 71) (v. anexos 2.1.124 e 125). Seguiu-se-lhe a pavimentação da rua de Santa Cruz do Castelo, primeiro ensaio do que haveria de ser o motivo das ondas do Rossio. (BAIRRADA, 1986, p. XXXVII) Foi tal o sucesso que, em Maio de 1844, o município providenciou meios para a obra se estender à calçada do marquês de Tancos (LISBOA, 1845, p. 12). O Teatro Nacional D. Maria II foi inaugurado em 1846. No Rossio, no ano anterior, havia sido imposta a interdição à circulação de veículos e cavalgaduras na placa central, condicionadas a circular na via em seu torno. Na sequência desta renovação, a Câmara deliberou o seu calcetamento em Abril de 1848. O mesmo tenente-general Eugénio Furtado propôs «à Câmara um risco original e vistoso [de ondas pretas e brancas, o Mar largo], que podia ser executado pelos grilhetas do castelo de S. Jorge», pelo que, «em Julho de 1848 resolveu a vereação oficiar-lhe aprovando o projeto, e rogando-lhe mandasse fazer as fôrmas [moldes] de madeira, e requisitasse do cofre municipal os meios necessários.» (CASTILHO, 1937, p. 111). A obra, uma superfície de 8712 metros quadrados, iniciada em 17 de Agosto de 1848, viria a terminar em 31 de Dezembro de 1849, com calceteiros do Município dado ter havido alguma diminuição no número de grilhetas (CASTILHO, 1937, p. 111) (v. anexos 2.1.126).

    O Mar largo haveria de desaparecer em 1919. Todavia, em sessão de 25 de Junho de 1979, a edilidade aprovou por unanimidade a sua reposição, embora de menores dimensões dada as exigências atuais de tráfego (BAIRRADA, 1986, p. XLIX). Porém, só a partir de 1995 voltaria a marcar presença na reabilitação do Rossio, obra inaugurada em 2001.

    No mês de Dezembro de 1849, deliberou a Câmara proceder ao calcetamento da praça dos Remolares (por edital de 28/12/1889 Praça Duque da Terceira) logo que terminasse o do Rossio (v. anexo 2.1.127). A obra começou «em Janeiro de 1850; e logo em Maio oficiou a vereação ao governador do Castelo, pedindo-lhe que completasse o número dos grilhetas que trabalhavam nessa calçada. A obra «com um desenho tão belo e elegante» (CASTILHO, 1981, pp. 86-87) envolvia um relógio de sol sobre pedestal - a Meridiana dos Remolares - apeado em 1872, substituído pelo monumento ao Duque da Terceira, inaugurado em 1877, e que implicou a renovação da praça, recebendo a placa do monumento e passeios envolventes, na mesma data, nova pavimentação, designada “Tapete Branco”. (BAIRRADA, 1985, p. 232). O empedrado com irradiantes da Praça de São Paulo será também dessa altura, pois o chafariz foi inaugurado em 1850 (v. anexos 2.1.128 e 129).

    Também a abertura da Avenida da Liberdade, em 1879, permitiu expandir esta arte de forma notável, recebendo o primeiro troço, dos Restauradores à Rua das Pretas, um conjunto de motivos decorativos datados de 1889, e o restante, até à rotunda do Marquês de Pombal, de 1900 a 1908, outro conjunto. (BAIRRADA, 1985, p. XLIX) (v. anexos 2.1.114-115).

    Largo do Carmo (1863), Praça Luís de Camões (1867) (v. anexo 2.1.130), Jardim do Príncipe Real (1870), Praça do Município e Largo de S. Julião (1876) (v. anexos 2.1.131 e 132), Largo do Chiado (1886), Rua Garrett (1888) (v. anexos 2.1.133 e 134), Rua António Maria Cardoso (1893), Jardim de S. Pedro de Alcântara (1894) e cercadura da Praça do Comércio (1907) (v. anexos 2.1.135 e 136), foram outros espaços onde a calçada-mosaico muito contribuiu para dar uma a imagem progressiva de Lisboa «sob a égide do Fontismo» (BAIRRADA, 1985, p. 232), uma cidade geralmente considerada, por falta de monumentalidade, pouco digna enquanto capital, e que, desde logo atraiu a atenção dos estrangeiros que muito reproduziram nas suas imagens, representações de calçada decorativa.

    Algumas destas calçadas desapareceram, outras foram substituídas ou alteradas, como a Praça Luís de Camões, com nova composição em 1947, ou a Praça do Município, em 1997, com projeto de Eduardo Nery, por exemplo (v. anexos 2.1.137 a 141). O sucesso deste tipo de calcetamento foi tal que, em 1895, a Câmara Municipal de Lisboa tornou obrigatória a utilização de Calçada Portuguesa para uniformizar passeios e praças da cidade. Claro que nem toda tinha características decorativas, sendo maioritariamente a comum calcada portuguesa branca sem desenhos. Sob a presidência do engenheiro Duarte Pacheco, a Câmara Municipal de Lisboa, em 1938, contratou o arquiteto-urbanista Étienne de Gröer que, conjuntamente com os serviços técnicos municipais, definiu o Plano Diretor Municipal, que, concluído dez anos depois, em 1948, e aprovado pela edilidade, nunca obteve aprovação governamental. A propósito deste plano de urbanização e ampliação da capital, Duarte Pacheco, que, entretanto, acumula funções também com ministro das Obras Públicas e Comunicações, reforça a deliberação anterior ao decidir a aplicação sistemática deste tipo de pavimento em toda a cidade.

    Os “refúgios”, “ilhas onde o peão podia aguardar a sua passagem entre os trânsitos dum espaço largo”, nas palavras de Bairrada (1985, p. XLIX), calcetados de forma artística, pontuavam algumas das artérias, marcando a fisionomia de uma cidade que começava a ter cada vez mais trânsito (v. anexos 2.1.001 a 005).

    O motivo Mar largo do Rossio, que transitou, em 1900, para Manaus e, em 1906, para o Rio de Janeiro (o célebre calçadão foi reformulado, com alteração de escala, em 1969 pelo arq. Roberto Burle Marx), chegou a ser pensado para a placa central da Praça do Comércio, preenchendo o vazio entre a cercadura com golfinhos (v. anexos 2.1.135 e 136). A visão do Mar da Palha assim o parecia exigir. Todavia, nunca chegou a concretizar-se tal desígnio, que acabou, anos mais tarde, por ir para a frente ribeirinha de Belém, enquadrando o Padrão dos Descobrimentos com a grande nave de pedra a deixar um sulco ou esteira nas ondas. O monumento, projeto de Cottinelli Telmo e escultura de Leopoldo de Almeida, de estafe aquando da Exposição do Mundo Português de 1940, foi reinaugurado em versão de pedra, em Agosto de 1960, no âmbito das Comemorações Henriquinas, por ocasião dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique. O Mar largo envolve uma grande Rosa dos Ventos, oferecida pela União Sul-Africana (República da África do Sul desde 1961), e desenhada no atelier do arquiteto Luís Cristino da Silva, responsável pela envolvente do monumento. Na ondulação do preto e branco da calçada artística que ornamenta o terreiro que o antecede, destaca-se o medalhão circular policromo. Pisamos, quase sem nos apercebermos, uma monumental composição com 50 metros de diâmetro. A Rosa dos Ventos, envolvendo um mapa-múndi com as rotas dos descobrimentos portugueses, desenhada a calcário-lioz branco, preto e vermelho, em lajeado e embutidos, só pode ser totalmente apreendida quando vista do topo do Padrão dos Descobrimentos (Padrão dos Descobrimentos, s.d.) (V. anexos 2.1.142 a 144).

    O jardim fronteiro, na Praça do Império, mantém o empedrado artístico do tempo da Exposição do Mundo Português, com decorações estilizadas art déco alusivas à epopeia marítima (v. anexos 2.1.121 e 2.3.17). Próximo, na praça reentrante que prolonga o topónimo “do Império”, em frente Planetário Calouste Gulbenkian, deparamo-nos com um tapete formado por uma rica composição de losangos a quatro cores, que antecede um segundo tapete que joga com a tridimensionalidade visual da mesma figura geométrica, mas apenas a preto e branco. O espaço antecede e enquadra o Pavilhão das Galeotas, inaugurado em finais dos anos 50, e o planetário, inaugurado em 1965, ambos projetos do arquiteto Frederico George e anexos do contíguo Museu de Marinha (v. anexo 2.1.145).

    Se a zona de Belém, a partir do fim dos anos 30 do século XX, se constituiu como cenário privilegiado de novas propostas artísticas para a calçada portuguesa, no final da centúria uma outra grande exposição viria a permitir renovar esta tradição. De facto, a Expo 98 criou as condições ideais para uma nova geração de artistas repensar a calçada-mosaico, dotando-a de uma outra plasticidade. Novos nomes ornamentaram o chão que ali pisamos com propostas plenas de criatividade. Pedro Proença, no Cais dos Argonautas, aposta em composições figurativas que recriam o imaginário de monstros marinhos que povoava os cartulários náuticos; Fernando Conduto, no Rossio dos Olivais, reinterpreta e desconstrói motivos tradicionais da própria arte da calçada, como o recorrente Mar largo; Xana, no Cais Português, opta pela geometria dos círculos e por uma técnica mista; Pedro Calapez, na praça da Porta Sul, desenha uma composição abstrata onde esquemas gráficos a branco riscam o fundo a preto; Rigo, na Alameda dos Oceanos, joga com composições gráficas intercaladas de motivos fito e zoomórficos (a título de exemplo ver anexos 2.1.146 e 147, respetivamente os trabalhos de Pedro Proença e Fernando Conduto). Não se pretendendo referir todos os exemplos notáveis de calçada artística existente só em Lisboa (na listagem, ainda provisória, que a Associação da Calçada Portuguesa está a realizar, encontra-se calçada artística em 423 locais – espaços públicos, incluindo publicidade comercial e outra e números de polícia, e espaços privados de uso não público, não estando ainda incluídas estações de metropolitano e centros comerciais), apontam-se apenas mais alguns casos associados a edifícios e conjuntos arquitetónicos. É o caso exemplar da quadrícula com triangulações e divisas art déco, de cerca de 1927-1934, concebido pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro para a esplanada frente ao edifício principal do Instituto Superior Técnico, ou o caso dos motivos do vizinho edifício-sede do Instituto Nacional de Estatística, do mesmo autor, de 1931, erguido entre 1932 e 1935. É também o caso do átrio lateral do edifício da antiga Companhia de Seguros Victoria, de inícios da década de 1970, cujos desenhos da calçada remetem para os motivos dos azulejos das fachadas. E ainda o exemplo, sem paralelo, de calçada integrada na própria arquitetura no edifício de gaveto da Avenida Duque de Ávila, nº 56-56A, com a avenida Cinco de Outubro, projeto do eng. Edgar Sampaio Ferreira Fontes (Bairradas, 1985, p. LXXI, nota 18), cujas guardas das varandas são revestidas a calçada artística, com motivo de flores de quatro pétalas, a preto sobre fundo branco, substituindo o mais comum revestimento cerâmico.

    As potencialidades da calçada portuguesa são de tal maneira múltiplas que, na Rua Garrett, ao Chiado, entre o estabelecimento Paris em Lisboa e a Livraria Sá da Costa, em 2012, foi colocado um QR Code no empedrado. Trata-se da abreviatura de Quick Response Code (Código de Resposta Rápida), espécie de código de barras quadrados desenvolvidos no Japão em 1994, legíveis através da câmara de um smartphone. Retoma-se, assim, de forma contemporânea a função publicitária que a calçada portuguesa cedo adquiriu. A iniciativa partiu da Associação de Valorização do Chiado com o objetivo de promover a zona. «O QR Code remete para uma experiência de som em que se ouvem os calceteiros, ao mesmo tempo que se ouve a frase “Acabou de ler o primeiro código QR do mundo feito em calçada portuguesa”». Numa segunda fase permite ainda obter «informações turísticas daquela zona de Lisboa, bem como dados comerciais e de oferta cultural, gastronómica, hoteleira e de comércio do Chiado» (DURÃES, 2012). Logo ali, frente ao café mais célebre de Lisboa pode ler-se de forma convencional num tapete de pedra «A Brasileira» acrescido dos números de polícia 120 e 122.

    A partir de uma ideia do realizador de cinema Ruben Alves, o artista urbano Vhils (Alexandre Farto), concebeu uma efígie de Amália Rodrigues a três cores, executada pelos calceteiros municipais e inaugurada em 2 de Julho de 2015, na Rua de S. Tomé, às Portas do Sol (FROTA, 2015). Partindo do nível do solo, a calçada ergue-se e esbate-se no muro pré-existente. A inclinação permite um artifício poético, pois o rosto da fadista cobre-se de lágrimas, como quando em vida a própria cantava o fado (MENDONÇA, 2015). Vhils trouxe para a calçada portuguesa a street art, embora a mesma transpareça em muito do que anteriormente foi feito com estes materiais (v. anexo 2.1.148).

    É essa versatilidade da calçada artística portuguesa que, tal como o azulejo, permite brincar e, sobretudo, jogar com o olhar. Tanto pode ser linear e bidimensional, como profuso e tridimensional. De facto, as sensações óticas que determinados padrões nos proporcionam, consoante o ponto de vista, remetem por vezes para a Op Art, caso do paradigmático Mar Largo do Rossio, o mais cinético dos padrões (v. anexo 2.1.149 a 157). Tanto pode ser usado numa superfície horizontal como vertical ou inclinado, num plano liso ou curvo, e acompanha todos os movimentos ou tendências artísticas (para além dos vários exemplos ilustrados referidos ver ainda anexos 2.1.158 a 168). Permite ser explícito na mensagem, ao possibilitar todo o tipo de informação caligráfica e numérica (v. anexos 2.1.169 a 171), mas também ideográfica (v. anexos 2.1.172 a 174). E, tal como a pequena placa cerâmica, também este se renova e reinventa constituindo fonte de inspiração para outros campos da criatividade artística que ultrapassa o simples chão que pisamos.

    Todavia, há que ter em consideração que a calçada artística portuguesa, embora com génese em Lisboa, há muito que deixou de ser exclusiva desta cidade, encontrando-se um pouco por todo o Portugal continental e insular, mas também noutros países, sobretudo nas ex-colónias portuguesas. O Brasil será mesmo o território não português onde este tipo de pavimentação ganhou mais consistência. Ao período dos anónimos técnicos municipais criadores de obras públicas, no século XX, passa-se a um período em que são convidados artistas plásticos para conceber novos tapetes pétreos, que acompanha a explosão que a calçada artística portuguesa vai conhecer, um pouco por todo o país, durante as primeiras seis décadas de Novecentos. Mesmo a profissão de calceteiro foi ganhando relevância na segunda metade do século XIX, como atesta a redação dos estatutos para a criação da Associação de Classe dos Calceteiros de Lisboa, em 1891, com redação final aprovada por alvará de 18 de Maio de 1893 e publicados em Diário do governo a 27 de Setembro desse mesmo ano (v. anexo 2.3.22). Esta Associação terá tido algum peso junto das instituições oficiais como atestam os diplomas de prémios atribuídos em função de obras de calcetamento artístico (v. anexos 2.3.23 e 24). Todavia, a classe parece não ter conseguido manter-se unida, por razões que ainda não apurámos, pelo que a sua associação terá sido dissolvida entre 1950 e 1960. Depois sucede-se o lento declínio da própria arte, a partir da década de 1970, com as alterações políticas e socioeconómicas do país, com o aumento do custo de vida e a exigência de melhores salários. A profissão é dura, mal remunerada e de fraco reconhecimento social pelo que não cativa as novas gerações. “Em Novembro 1986 a Câmara Municipal de Lisboa preocupada com a perspetiva de perder a arte de saber calcetar decide criar a Escola de Calceteiros de Lisboa.” (CASTELA & DORNELLAS, 2006, p. 4). Esta Escola começou por funcionar, nesse mesmo ano, no Colégio Dona Maria Pia, em Xabregas, que cedeu salas e um terreiro apropriado para este ensino especializado, tendo como seu primeiro diretor o engº Veríssimo Batista, sucedido no ano seguinte pelo arqº Luís Rivera e, alguns anos depois, pela engª Luísa Dornellas, que tem assegurado, até ao presente, a tutela desta Escola que, entretanto, mudou de instalações para a Quinta do Conde dos Arcos, nos Olivais, em 1991-1992. O objetivo é cativar novos ourives do chão, prestigiando os artífices e a sua obra. A filigrana desenhada no pavimento que resulta do seu trabalho, como tatuagens urbanas inscritas na pele da cidade, extasia o nosso olhar e propicia as mais variadas experiências sensoriais, sendo a visual a mais marcante de todas. Assim, desde a viragem do milénio, de que a Expo 98 foi exemplo, a calçada artística tem vindo a adquirir um novo interesse com a conceção de obras singulares. Em 2006, é inaugurado o monumento ao Calceteiro, na Rua da Vitória, frente à Igreja S. Nicolau. Entretanto retirado e, depois de restaurado, foi recolocado nos Restauradores onde, em 2017, é inaugurado com novo enquadramento, acrescido de um pavimento de calçada artística, com a barca de São Vicente, símbolo de Lisboa, cidade que assim presta a justa homenagem aos profissionais que moldaram a sua fisionomia (v. filme 2.2.04).
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direitos de tipo consuetudinário.Os direitos relativos à prática da produção da Calçada Portuguesa e de transmissão deste saber-fazer são de natureza coletiva e do tipo consuetudinário ou tradicional, embora passíveis de ser reconhecidos, validados e certificados por entidades competentes, como seja a Escola de Calceteiros e o Centro Qualifica, de acordo com o referencial de formação e o referencial profissional correspondente. Estes direitos são de uso imemorial, cuja existência é atribuída, de acordo com a memória dos seus detentores atuais, remonta há mais de quatro gerações. Compete aos responsáveis das empreitadas de pavimentação assegurarem o respeito pelos direitos de autor quanto à utilização de desenhos que possam ser da propriedade de artistas determinados.
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Marina Pignatelli
    Função: Investigadora Integrada no Centro em Rede de Investigação em Antropologia e Professora Associada da Universidade de Lisboa (ISCSP)
    Data: 2021/03/15
    Declaração de compromisso
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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