Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2023_002
  • Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos
  • Categoria: Festividades cíclicas
  • Denominação: Festa dos Tabuleiros
  • Outras denominações: Festa do Divino Espírito Santo
  • Contexto tipológico: A Festa dos Tabuleiros de Tomar insere-se no quadro das festividades em honra do Espírito Santo, que estão difundidas por todo o território continental português, com particular incidência nas regiões estremenhas e beirãs e, ainda, nas ilhas da Madeira e dos Açores. Realiza-se de quatro em quatro anos, em Tomar, e constitui uma manifestação de ampla participação da sua comunidade, desde a soberania da decisão da sua realização às dinâmicas preparatórias que a antecedem nas freguesias do concelho. O culto consiste em cerimónias rituais, tanto de caráter religioso como de expressão festiva, iniciadas com o Cortejo das Coroas e Pendões em Domingo de Páscoa, retomando, no último fim de semana de junho ou o primeiro de julho, um período de dez dias que integra várias atividades complementares como o Cortejo dos Rapazes, os Jogos dos Rapazes, as Ruas Populares Ornamentadas, o Cortejo do Mordomo, Cortejos Parciais e Jogos Populares. O formato das ofertas, os Tabuleiros, que representam o cumprimento de promessas ao Divino é um dos seus aspetos simbólicos centrais e elemento distintivo, que decorre ao domingo. A festa culmina com a distribuição de géneros alimentares, a Pêza, sempre à segunda-feira. Este evento congrega particularidades próprias e únicas onde se evidencia o forte envolvimento comunitário.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): Habitantes e descendentes do concelho de Tomar
    Grupo(s): Comissão Central da Festa dos Tabuleiros
    Indivíduo(s): Tomarenses
  • Contexto territorial:
    Local: Tomar
    Freguesia: Tomar (São João Baptista)
    Concelho: Tomar
    Distrito: Santarém
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Centro \ Médio Tejo
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Quadrienal
    Data(s): Tem início no Domingo de Páscoa com a saída de coroas e pendões, fixando-se a data das celebrações dos diversos cortejos entre o último fim-de-semana de junho e o primeiro fim-de-semana de julho.
  • Caracterização síntese:
    A Festa dos Tabuleiros que se realiza em Tomar de quatro em quatro anos, desde 1987, por decisão tacitamente aceite pelo Povo e pela Câmara Municipal de Tomar face aos gastos e ao trabalho nas dinâmicas de produção e reprodução, consiste num amplo contexto de minuciosas cerimónias rituais, tanto de carácter religioso como de expressão festiva, inseridas no âmbito das festividades em devoção ao Espírito Santo. Singularizada pelo formato das ofertas foi, durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, protagonizada por raparigas e mulheres solteiras da cidade, tendo uma função propiciatória e de passagem. A partir de 1950, a participação no Cortejo foi alargada às raparigas e mulheres das freguesias do concelho. A Festa dos Tabuleiros passou por processos de revitalização, diversificação e diferenciação da composição festiva através da introdução progressiva de segmentos inspirados em modelos rituais locais preexistentes, nomeadamente as Ruas Populares Ornamentadas (1953), os Jogos Populares (1964), o Cortejo do Mordomo (1966) e o Cortejo dos Rapazes (1991). Procurando criar ajustamentos a novas condições materiais e sociais, estas sequências rituais têm uma aptidão de explorar novas potencialidades expressivas de exuberância cenográfica. Com o objetivo de preservar a manifestação e garantir a sua continuidade, é formada a Comissão Central, órgão oficial que gere toda a dinâmica da prática festiva. A liderar esta estrutura formal organizativa está o(a) Mordomo eleito(a) em Assembleia Popular pela comunidade tomarense. Incumbe-lhe formar e coordenar a equipa que a irá coadjuvar nas tarefas de preparação da festa e mobilizar a ampla participação da comunidade concelhia, das Juntas de Freguesia, associações, instituições e agentes que, em regime de cooperação, assumem diversas responsabilidades rituais e organizativas. A partir da eleição do(a) Mordomo em Assembleia Popular, que se realiza com um ano de antecedência da festa, a comunidade concelhia inicia a preparação do ciclo festivo, situação que se verifica desde 1950, apesar de algumas exceções. Hoje também as crianças participam no ritual através do Cortejo dos Rapazes e os Jogos dos Rapazes, segmentos festivos que promovem o diálogo intergeracional e que despoletam mecanismos de transmissão, fortalecendo a sua continuidade. Sendo uma manifestação praticada pela comunidade para a comunidade, as dinâmicas preparatórias que a antecedem promovem a reunião familiar e vicinal, gerando sentimentos de pertença cultural e territorial. Ainda com o objetivo de preservar esta manifestação, o Município de Tomar tem realizado outras ações, como é o exemplo da oferta formativa proporcionada à comunidade através do Programa EDP Tradições, dirigido à transmissão das técnicas e conhecimentos do saber-fazer festivo. A Festa dos Tabuleiros de Tomar inicia-se no Domingo de Páscoa, retomando, no último fim-de-semana de junho ou primeiro de julho, um período de dez dias que integra várias atividades complementares como o Cortejo dos Rapazes, os Jogos dos Rapazes, as Ruas Populares Ornamentadas, o Cortejo do Mordomo, Cortejos Parciais e Jogos Populares. O Cortejo dos Tabuleiros realiza-se no domingo e as festividades encerram à segunda-feira, com a distribuição de géneros alimentares, a Pêza. Ao longo destes dez dias festivos ocorrem vários espetáculos e exposições que exploram a temática da festa, voltadas quer para a comunidade, quer para a receção dos turistas e visitantes. Esta dinâmica global assume a festa como um valioso bem patrimonial para a comunidade assim como uma atração nacional e internacional no âmbito da oferta turística local e regional.
  • Caracterização desenvolvida:
    A Festa dos Tabuleiros em Tomar é uma manifestação religiosa e cultural em Honra do Divino Espírito Santo, consistindo numa celebração coletiva identitária da comunidade concelhia tomarense e, por outro lado, de uma expressão individual de devoção ao culto, materializada nas centenas de ofertas que desfilam no Cortejo dos Tabuleiros. As diversas práticas que a constituem decorrem durante o ano em que se realizam as festas e culminam sempre em princípios de julho. O seu caráter popular expressa-se num sentido comum e de emulação da comunidade concelhia que se revê nesta tradição. Preparação da Festa A Festa dos Tabuleiros começa a ser organizada no dia em que o(a) Presidente do Município convida a população para uma reunião – a reunião do povo – que se realiza no Salão Nobre dos Paços de Concelho, com um ano de antecedência da realização da festa. Esta reunião informal, tem uma dupla finalidade: em primeiro lugar o(a) Presidente da Câmara pergunta se o Povo aceita a realização da Festa e só depois de resposta afirmativa, por norma com aclamação, se passa à eleição do(a) Mordomo Principal. Os candidatos a Mordomo da festa são preferencialmente tomarenses que tenham desempenhado funções na Comissão Central, nomeadamente enquanto Mordomos Sectoriais. A experiência cumulativa dos candidatos, através da sua participação na estrutura organizativa, constitui um elemento central para a análise das suas competências pessoais no desempenho da função, possibilitando ou não, a avalização da sua eleição. O Mordomo tem de ter “estofo”, perseverança, força, determinação, conhecimento. Tem de ser apaziguador e incansável. E nem todos os que anseiam ser Mordomos têm tais qualidades. Humildade e autoanálise são fulcrais na decisão de ser ou não candidato (Trincão, 2019:112). É ainda importante que a pessoa que se propõe a Mordomo tenha a capacidade de mobilização das redes sociais de interconhecimento (famílias, vizinhos, amigos), das associações culturais e desportivas, instituições e agrupamentos escolares, de forma a darem conta das responsabilidades rituais e organizativas associadas a diferentes segmentos estruturantes da festa. Durante este ato de eleição do Mordomo podem surgir vários candidatos, uns com maiores condições de elegibilidade do que outros, em função dos critérios anteriormente explanados. Independentemente das circunstâncias de cada eleição, quer pela apresentação de vários candidatos quer pela maior ou menor participação da população tomarense, certo é que cada cidadão exerce o seu direito de opção. O ato de eleição do Mordomo inicia-se com o(a) Presidente da Câmara Municipal a perguntar aos presentes se todos concordam com a realização da Festa no ano seguinte. Decidida a sua realização, é altura de se escolher o Mordomo. Logo depois o (a) Presidente da Câmara coloca a questão: “alguém se disponibiliza para assumir o cargo de mordomo?”. Várias vozes, idealmente em uníssono, respondem com o nome que propõem. Se assim for, decide-se se essa pessoa é aceite e está escolhido o(a) Mordomo que se dirige para junto do(a) presidente da autarquia, aceitando a missão. A notícia da eleição do(a) Mordomo é dada através do lançamento de três foguetes. Na Assembleia Popular realizada no dia 7 de abril de 2018, foi eleita, pela primeira vez, uma mulher para a função de Mordomo principal da Festa dos Tabuleiros.Eleito(a) o(a) Mordomo há a necessidade de planear, organizar e angariar fundos e subsídios, com muito tempo de antecedência. Paralelamente, o(a) Mordomo inicia os contactos necessários à constituição da Comissão Central onde se encontram os responsáveis pelas várias divisões sectoriais, tal como é descrito no ponto 6.1.2. Compete à Comissão Central promover toda a dinâmica preparatória da festa, articulando e distribuindo responsabilidades com as juntas de freguesia, associações e instituições do concelho. De igual forma, são fornecidos documentos que enquadram os participantes nos diversos cortejos, a composição dos trajes e Tabuleiros e os percursos de cada segmento festivo. A divulgação da festa é feita através de cartazes, desdobráveis e flyers contendo o vasto programa. No final do ano que antecede a festa, as Juntas de Freguesia iniciam o processo de inscrições para participação no Cortejo dos Tabuleiros que, por norma, fecham em poucas horas, tal a concorrência e vontade de participar na festa. Neste período iniciam-se, também, os trabalhos de confeção de milhares de flores em papel nas sedes de Junta, recrutando-se para o efeito algumas pessoas inscritas no Centro de Emprego e Reinserção Social, outras em regime de voluntariado. A coordenar este processo, estão mulheres que normalmente já desempenharam essa função. A rapidez do processo depende da mão-de-obra disponível e da prática das executantes. Nestes “ateliers” armazenam-se milhares de flores, agarradas a hastes de arame, que mais tarde se fixarão às canas do Tabuleiro. Nas dinâmicas preparatórias da festa, ressalvar outras atividades que acontecem nas freguesias do concelho, como a realização de workshops de armação de Tabuleiros, confeção de rodilhas, flores em papel e trajes, ministrados por especialistas nestes “saberes-fazer”. Realizam-se também as eliminatórias dos Jogos Populares nas associações desportivas, recreativas e culturais das freguesias, com o intuito de se apurarem os finalistas que representarão as respetivas juntas na final. Para o efeito é indicado em cada freguesia o local onde se efetuará o respetivo apuramento. A escolha deste local ficará ao critério de cada freguesia, devendo ter-se em conta que este reúna as condições mínimas em termos de espaço adequado para a realização dos jogos. No centro histórico e em várias artérias da cidade reúnem-se amigos, famílias e vizinhos que preparam a decoração das mais de três dezenas de ruas que serão ornamentas por ocasião da festa. Como sinal da vitalidade do envolvimento da população na festa, e das próprias alterações na dinâmica espacial do povoamento, o território de ruas ornamentadas regista uma expansão, não se limitando, portanto, ao centro histórico. Em lojas, garagens ou espaços improvisados, passam-se longos serões com o objetivo de dar o maior colorido e estética à sua rua. É um bairrismo saudável que desencadeia estes mecanismos de solidariedade vicinal, com finalidade de distinguir as respetivas ruas, de dignificar a festa. Participam no processo de confeção das flores em papel para decoração das ruas, os Agrupamentos Escolares, Lares, CIRE (Centro de Integração e Reabilitação de Tomar), Hospital e outras instituições. Por outro lado, a ornamentação dos espaços e percursos da festa, é realizada com bastante tempo de antecedência, envolvendo os serviços municipais. Nas largas Avenidas, são colocados mastros com motivos alusivos ao Espírito Santo, nomeadamente a Pomba representada sob um fundo vermelho adamascado. Nos jardins de infância e escolas do 1º Ciclo, educadores, professores, assistentes operacionais e pais preparam a participação no Cortejo dos Rapazes. Durante o ano letivo escolar são realizadas várias atividades lúdico pedagógicas, como workshops ligados às artes tradicionais, designadamente: confeção de rodilhas, flores em papel, elaboração da coroa (latoaria), armação e ornamentação do Tabuleiro e elaboração de cestos (cestaria), contribuindo para o diálogo e transmissão de conhecimentos e técnicas intergeracionalmente. Os alunos colaboram ainda na execução de projetos para as ruas populares ornamentadas, fazem trabalhos de desenho, pintura e escultura sobre a festa ou segmentos estruturantes específicos, que ficam em exposição durante o ciclo festivo, pelos vários espaços e edifícios públicos. Largos meses antes da festa iniciar, vemos nas ruas de Tomar, raparigas a transportar o Tabuleiro, de dimensões e peso semelhantes ao que transportará na festa, treinando, o equilíbrio. Associada ao transporte do Tabuleiro está uma certa linguagem corporal, pois as raparigas devem colocar uma mão a amparar o Tabuleiro e outra mão nas ancas. As mais experientes conseguem ir com as duas mãos na anca, demonstrando um extraordinário equilíbrio. Algumas Juntas de freguesia organizam dias específicos de treino, para que as portadoras do Tabuleiro, acompanhadas pelos seus pares ou sozinhas, saibam levar os “Altos-cargos”. Treinar o suporte, o andamento com peso e, o equilíbrio, descobrir o centro de gravidade do Tabuleiro e alinhá-lo com o da pessoa, aprender a mantê-lo alinhado em terreno plano ou inclinado, com vento, brisa ou calma absoluta, e proceder ao levantamento do Tabuleiro, com auxílio do par, constituem operações de cariz performático imprescindíveis ao desenrolar harmónico do Cortejo. Paralelamente, ao longo dos meses que antecedem a festa, vão igualmente sendo preparados os Tabuleiros que serão utilizados nos Cortejos dos Rapazes, Parciais e Grande Cortejo. Os Tabuleiros são um elemento simbólico central da festa, por se constituírem como elementos materiais distintivos. Enquanto traço de singular presença, o Tabuleiro, é compósito de diversos “saberes-fazer”, tais como: a cestaria (base do Tabuleiro), a costura (saia que tapa o cesto de vime), o fabrico do pão (alimento padrão no quadro das festividades do Espírito Santo), flores em papel (que servem de ornamentação), e a latoaria (coroas em folha de flandres ou lata que arrematam o Tabuleiro através da utilização da simbólica festiva – pomba ou cruz de cristo). Todo este trabalho é realizado pelos respetivos artesãos nas suas oficinas/ateliers, no caso do fabrico do pão, nas padarias, respeitando as regras emanadas da Comissão Central, designadamente em relação ao material utilizado e às dimensões/formatos permitidos. Embora a produção destes “artefactos” envolvam conhecimentos e técnicas específicas, normalmente aplicados pelos próprios artesãos, é de salientar que a transmissão destas práticas é feita, como anteriormente mencionado, através da realização de workshops. Quanto à confeção dos trajes, os participantes recorrem às costureiras, quer na elaboração integral da indumentária, quer em pequenos arranjos feitos às peças que a compõem. Em alguns casos, o traje da portadora do Tabuleiro é transmitido de geração para geração. O Cortejo das Coroas ou Procissão das Coroas do Espírito Santo Em Tomar, antes da década de 1950, o cortejo das três coroas que ainda se guardam na Santa Casa da Misericórdia saía todos os domingos até à Pascoela e em domingos alternados depois dela, sendo conduzidas por um mordomo e dois festeiros (por vezes também denominados mordomos). A partir do cortejo de 1950, passou a competir ao Provedor da Misericórdia conduzir a coroa do Mordomo, sendo substituído nessa função pelo Vigário Geral após a bênção dos Tabuleiros. Em 1960, as coroas de cada freguesia passaram a ser processionalmente conduzidas (por ordem alfabética), juntamente com o pendão respetivo, atrás do Pendão e das Coroas da cidade (conduzidas por membros da Comissão Central). A festa principia, tal como sucedia no final do século XIX e primeira metade do século XX, no Domingo de Páscoa, com a primeira Saída de Coroas das instalações da Misericórdia, repetindo-se em domingos subsequentes até ao Cortejo de Tabuleiros. Esta Saída de Coroas é o cortejo de todas as coroas e pendões do Espírito Santo. Verifica-se, depois, uma sequência mais ou menos quinzenal de sete saídas com percursos distintos, cobrindo a maioria das ruas e artérias da cidade, mas apenas com coroas e pendões de algumas freguesias. Só a última, na manhã do dia do Grande Cortejo, voltará a ser total. Também em Domingo de Pentecostes saem à rua as alfaias cultuais de todas as freguesias, com exceção para a de Carregueiros que realiza a sua festa nessa data. Durante estes segmentos festivos, os percursos são intercalados com a realização das celebrações litúrgicas nas igrejas de São João Batista e Santa Maria dos Olivais, onde são depositadas junto ao altar as formas de representação da divindade (coroas e pendões). O cortejo ou Saída de Coroas é estruturado de acordo com a seguinte ordem: a antecipar o Cortejo e bem à frente vai o fogueteiro (calça branca, camisa branca, cinta vermelha, barrete verde); em seguida vêm os gaiteiros e tamborileiros (calças pretas, camisa branca, com ou sem jaqueta, gravata encarnada, barrete preto), um pouco adiantados do pendão; a seguir uma banda filarmónica; o pendão da cidade transportado pela(o) Presidente da Câmara, ladeada(o) por dois representantes do executivo camarário; as três coroas da tradição (simbolizando o “mistério da Trindade”), transportadas em salvas de prata com panos vermelho-adamascado, pelo Senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia (no primeiro percurso até à Igreja), o mordomo e/ou ex-mordomo; seguem-se os pendões de todas as freguesias, mais as coroas solenemente transportadas pelos representantes das juntas; os elementos que compõem a Comissão Central e as diferentes comissões sectoriais; finalmente entra a população de Tomar que quer integrar o cortejo e outra banda filarmónica a encerrar o acompanhamento. No decorrer das missas que ocorrem durante as saídas de Coroas e Pendões, o Vigário-geral de Tomar, pede a bênção divina sobre a Mordomo da Festa dos Tabuleiros, ou seja, o(a) Mordomo é investido da proteção divina, através do ato coletivo de recomendação por via da oração. Durante os itinerários percorridos pelas Coroas e Pendões, as ruas e artérias da cidade estão devidamente enfeitadas. Nas janelas e varandas das casas dispõem-se colchas de variadas cores, com particular destaque para o vermelho adamascado, velho costume tomarense de sensibilidade, de respeito, de alegria e de tradição. Colchas ricas e colchas mais modestas – umas de seda outras de chita. Cada um a enfeitar do modo que pode, mas com a mesma largueza de ânimo, a mesma entrega e adesão . Na passagem do cortejo, assiste-se a uma chuva de flores, pétalas e papelinhos de diversas cores, um ato de devoção e amor pela festa. Nas ruas organizam-se comissões informais de moradores para decorar o chão com tapetes florais , que o Cortejo pisará, num gesto de agradecimento pela passagem das alfaias cultuais da festa pela sua rua. Abertura de atividades de fruição cultural No sábado que antecede o Cortejo dos Rapazes, normalmente no último fim de semana de junho ou o primeiro de julho, são inauguradas as várias atividades de fruição cultural, iniciando-se, dessa forma, um ciclo festivo de dez dias, situação que se verifica desde 1995. Durante o dia de abertura do vasto programa complementar dos festejos, os gaiteiros e tamborileiros seguem na frente da comitiva, composta pelo executivo do Município e os membros da Comissão Central, de entre os quais é presença obrigatória o(a) Mordomo. O acompanhamento percorre os espaços e edifícios públicos , onde estão patentes diversas exposições, tais como: exposições fotográficas, exposições de trabalhos manuais realizados pelos alunos dos agrupamentos escolares do concelho, exposições de pintura e de escultura. São realizadas mostras de sabores regionais (mel, azeite e vinho) e de artesanato, no edifício da Moagem. Na Várzea Pequena e no Parque do Mouchão, têm lugar os espetáculos musicais e os festivais nacionais de folclore, com a participação de grupos locais e nacionais. Na realização destas atividades é fundamental a participação e envolvência das associações culturais, recreativas e desportivas do concelho na programação complementar dos festejos. Cortejo dos Rapazes No Domingo que antecede o Cortejo dos Tabuleiros, da parte da manhã, realiza-se o Cortejo dos Rapazes com a participação das crianças dos jardins de infância (4-6 anos de idade) e Escolas do 1º Ciclo do concelho de Tomar (6-10 anos de idade), segmento festivo que, além da vertente integradora de inegável importância, constitui-se como uma importante salvaguarda para o futuro da festa. Este Cortejo, possui uma estrutura semelhante à do Cortejo dos Tabuleiros, mas tendo como protagonistas as crianças que transportam o Tabuleiro e envergam o denominado traje da tradição. O Tabuleiro é armado e ornamentado de acordo com as regras tradicionais, mas para o efeito, redimensionado à medida das suas portadoras, tendo aproximadamente 80 cm de altura. O cesto possui como diâmetro da boca 21 cm, diâmetro de base 18 cm e altura 11 cm. A Coroa apresenta um diâmetro de base de 20 cm, altura de 30 cm (incluindo a Pomba ou Cruz da Ordem de Cristo); 5 ou 6 canas com cerca de 60 cm cada e os 30 pães que devem ser alongados, roliços e com cintura, com cerca de 8 cm. As meninas vão vestidas de branco (com tecido de pano, admitindo-se a sua ornamentação com rendas e bordados terminais a branco). O traje é constituído por duas peças: a blusa cingida ao corpo, deve sobrepor-se ao cós da saia, “caindo livre e airosamente sobre a anca” (Ferreira, 1978:36), as mangas são compridas, fechando no pulso com pequenos punhos e a gola é fechada; a saia é rodada, com um ou dois folhos, devendo “cair” até ao tornozelo, mas deixando ver as meias brancas, geralmente rendadas. Os botões e enfeites do traje são sempre brancos. O calçado é de carneira ou de cor branca. A completar o traje, a rapariga leva ainda uma rodilha (ou “sogra”) para suportar o Tabuleiro, uma fita colorida (de preferência com o mesmo tom do Tabuleiro) que é colocada a tiracolo, dando a volta na cintura e rematando com um laço do lado esquerdo/direito (sempre para o lado exterior do cortejo). Os rapazes vão trajados com calças pretas ou azuis escuras (excluindo ganga), camisa branca de mangas arregaçadas, cinta preta, gravata de cor igual à fita do seu par, barrete preto ao ombro e sapatos pretos. A organização estrutural do Cortejo é a seguinte: o fogueteiro, gaiteiros e tamborileiros bem à frente; segue-se a banda de música, depois os mordomos (representados por crianças que são escolhidas pelos professores dos respetivos agrupamentos escolares) a transportar as Coroas e o Pendão do Espírito Santo; as raparigas transportando o Tabuleiro à cabeça, organizadas em duas filas e acompanhadas pelos seus pares. As crianças em idade pré-escolar levam cestinhas com flores, em detrimento dos Tabuleiros; na retaguarda vêm as padiolas (que substituem os Carros triunfais que transportam a carne, o pão e o vinho), levadas cada uma por 4 rapazes e os aguadeiros (1 por cada 20 pares) distribuídos ao longo do Cortejo. O trajeto é iniciado na Mata dos Sete Montes em direção à praça da república onde irá decorrer o ato de consagração dos Tabuleiros, na placa central. As raparigas colocam os Tabuleiros no chão, de frente para a Igreja de S. João Baptista, para se proceder à bênção. Depois de abençoados, os Tabuleiros são colocados de novo na cabeça, ao toque do sino: 1º toque – estar com atenção, 2º toque – segurar o cesto, 3º toque – levantar e pôr à cabeça. No fim da cerimónia o Cortejo segue pela Rua Infantaria 15, em direção à Mata dos Sete Montes, onde termina. Jogos dos Rapazes Na Festa dos Tabuleiros de 2019 organizaram-se pela primeira vez os Jogos dos Rapazes. Esta atividade realizou-se no domingo, no período da tarde, no Parque do Mouchão, após o Cortejo dos Rapazes. Estes jogos, têm um carácter participativo, mas com uma vertente competitiva, destinando-se às crianças do pré-escolar e 1ª ciclo. É constituída por 11 jogos, com 11 estações perfeitamente delimitadas a serem cumpridas em regime de equipas representadas pelas onze freguesias do concelho. Cada equipa é composta por 4 elementos do sexo feminino e 4 do sexo masculino, tendo na sua constituição, obrigatoriamente, uma criança do pré-escolar. Os jogos que se realizaram foram os seguintes: jogo das latas, jogo da Compostela, jogo do enrola, malha de madeira, corrida de sacos, corrida da colher, corrida de Skis, corrida de carros de rolamentos, Gincana de Canas, corrida dos pés atados, jogo das argolas e jogo de tração à corda. Abertura das Ruas Populares Ornamentadas Depois do Cortejo dos Rapazes, iniciam-se as montagens das decorações nas ruas do centro histórico e em outras artérias da cidade. A cerimónia de abertura sucede na quinta-feira antecedente ao Cortejo dos Tabuleiros. Na noite que antecede a cerimónia de abertura das ruas, os moradores reunidos em grande azáfama, demonstram a extraordinária adesão da população à Festa dos Tabuleiros e a importância do seu esforço coletivo. A noção de “populares” advém do facto, na quase total maioria, serem ruas do núcleo histórico às quais surge obrigatoriamente aliado ao epíteto de popular devido às gentes que habitam, ao “bairrismo” que ali se respira. Assim, centenas de pessoas despendem milhares de horas de trabalho durante mais de seis meses, a confecionar flores de papel com que vão ornamentar as suas ruas. A decoração é da sua autoria e responsabilidade e o segredo é sempre mantido até à noite que antecede a abertura oficial das ruas. O talento e o trabalho dos “decoradores” são premiados e avaliados pela Comissão que atribui placas comemorativas ou diplomas que premeiam por exemplo a “Cor”, a “Harmonia”, a “Tradição” sendo contempladas todas as ruas concorrentes. Desde que este evento foi introduzido na festa em 1953, tem vindo a crescer o número de ruas aderentes. Assim, e como exemplo do crescimento e da participação popular, vale a pena registar que em 1991 se contabilizavam 9 ruas e, em 2019 foram ornamentadas mais de 3 dezenas. Em algumas ruas formam-se comissões de ornamentação independentes, como no caso da Alameda. O trabalho das ruas resulta da cooperação mútua entre moradores e instituições, como são o caso das escolas, o CIRE, Associação de Saúde Mental ou da Universidade Sénior de Tomar. A abertura das Ruas Populares Ornamentadas é um dos momentos centrais no calendário festivo, com o trajeto iniciado na sede da Comissão Central, a casa Vieira Guimarães. A marcar o compasso segue o gaiteiro, os tamborileiros e a uma Banda Filarmónica, seguindo-se os representantes da Comissão Central e respetivo executivo camarário. Apesar das ruas serem bastante diferentes, quer na sua extensão, quer na sua estrutura, cada rua pensou num tema e colocou-o em prática, sendo que as flores de papel acabam por ser o denominador comum da imaginação dos tomarenses. Um dos aspetos mais relevantes neste segmento festivo é o fato de as decorações resultarem de projetos e temáticas de índole diversa. Os temas escolhidos para a decoração das ruas conjugam tanto a forma das comunidades recuperam temas relacionados com a história – nomeadamente com um enfoque local – e outros da atualidade. Além de se constituírem núcleos formais de moradores para a elaboração das decorações, encontramos nas fachadas das casas, dos comerciantes, das instituições, monumentais tapetes de flores feitas em papel ou faixas gigantescas com fotografias da Festa dos Tabuleiros. A ornamentação das ruas e da cidade de Tomar utiliza os elementos iconográficos das festas, com particular destaque para as flores, elementos essenciais dos Tabuleiros e ainda a pomba e a Cruz de Cristo. O Cortejo do Mordomo Um dia depois da abertura das Ruas Populares Ornamentadas realiza-se o Cortejo do Mordomo, normalmente à sexta-feira, simbolizando a entrada do Mordomo na cidade com os Bois que outrora eram destinados às reses sacrificiais. Reminiscência do cortejo dos “Bois do Espírito Santo”, foi introduzido na festa de 1966. Atualmente com forte carga simbólica e exuberância cenográfica, uma vez que a carne que é distribuída na Pêza é proveniente dos talhos locais, ainda se segue o costume dos bois serem enfeitados com colares e brincos no Padrão que se encontra à entrada da cidade. O Cortejo, percorrendo um trajeto pré-definido, é antecedido pelo fogueteiro, bem à frente, precedido do gaiteiro e tamborileiros, acompanhados por dois membros da Comissão Central. Depois segue-se uma Banda Filarmónica, a Comissão Central, a comissão do bodo, as juntas de bois que transportam os carros triunfais durante a Pêza, carruagens e cavaleiros a fechar o Cortejo. No imponente cortejo de carruagens e cavaleiros são transportados os membros do executivo municipal e os elementos da Comissão Central da Festa, com a mordomo principal a ladear a Presidente da Câmara, seguindo-se o Provedor da Misericórdia, o Vigário, o Presidente da Assembleia Municipal e restante vereação. Num total de mais de duas dezenas de carruagens (umas puxadas por quatro cavalos, outras por dois ou um), precedem-se mais de uma centena cavaleiros – de diferentes faixas etárias e tanto homens como mulheres – montados em seus garbosos ginetes. A participação neste cortejo de caraterísticas nobilitantes é feita através de uma inscrição prévia de várias famílias de todo o território nacional, com especial enfoque para regiões onde existem coudelarias. Existem algumas regras relativas ao traje dos cavaleiros e às charretes que se incorporam no desfile. A indumentária do cavaleiro, convencionalmente designada de “traje à portuguesa”, é composta pelos seguintes adereços: chapéu de aba larga com a copa “metida para dentro”, desenhando um rebordo a que alguns chamam o “tachinho”; o colete sobre o qual assenta a jaqueta cortada a direito nas costas, por cima da linha de cintura; a jaqueta fecha com botões de osso, prata ou outros metais; as calças são de cós alto, segura com suspensórios e na altura bem ajustada e com as franjas à esquerda; as calças descem a direito até à bota (que pode ir até ao joelho), terminando sem dobra e um pouco acima do tornozelo; a camisa é branca, sem gravata ou laço, de colarinho com as pontas redondas viradas para o peito; botas, botim ou bota de abotoar à frente ou elástico lateral com uma polaina por cima (que se fecha com atacadores de couro corridos no lado externo da polaina). A diferença principal entre o traje masculino e o feminino é a saia: esta é cortada a meio, abrindo uma racha à frente de forma a que a mulher possa montar escarranchada. A saia é comprida até ao tornozelo. É justa nas ancas, aperta de lado com botões e é fendida à frente e atrás, de modo a abrir sobre a sela. Esta saia é confecionada de um modo particular, de modo a que as duas metades se perpassem quando a cavaleira se apeia e a saia feche, evitando a indiscrição das fendas. Para reforçar a costura no ponto onde se inicia a fenda da saia, cose-se de um a três botões, que também servem de enfeite. O chapéu da mulher difere do homem por ter “pompons”. O traje é todo confecionado em fazenda, que pode ser mais ou menos grossa em função das peças. As cores mais populares são o preto, o conza, o castanho, e o azul escuro. No entanto alguns cavaleiros (sobretudo as mulheres) utilizam também o bordeaux e o bege. Quanto aos cavalos, devem incluir a sela à portuguesa, arreio, xairel, rabicheira, peitoral, cabeçada e freio (que pode ter dois pares de rédeas). As charretes podem ser de vários modelos, como o “Milord”, “Vitória”, “Breck” clássico. Cortejos Parciais Introduzidos em 1950 por João dos Santos Simões, os Cortejos Parciais, consistem no desfile dos grupos de Tabuleiros oriundos das freguesias, em separado, em direção à Mata dos Sete Montes. No sábado, véspera do grande Cortejo, vão chegando, pela manhã, os Tabuleiros de fora da cidade em camionetas, com os respetivos pares e demais responsáveis, concentrando-se junto ao Hotel dos Templários. Os Tabuleiros da União de Freguesias de São João Batista e Santa Maria dos Olivais, reúnem junto às respetivas sedes. Os responsáveis por cada freguesia vão fazendo a vistoria, procurando perceber se todos elementos seguem à risca os preceitos recomendados (traje e Tabuleiro). A horas definidas e em percursos devidamente delineados e cronometrados para que não existam hiatos, vão saindo as diferentes representações das freguesias. O alinhamento do Cortejo é o seguinte: à frente vai a Banda Filarmónica, depois o Pendão, a Coroa, uma tabuleta identificativa da freguesia e depois seguem os pares com os Tabuleiros, intermediados pela presença dos aguadeiros, trajando calça branca, camisa branca, com ou sem jaqueta, gravata encarnada e barrete preto. Para não quebrar a harmonia do cortejo, as diferentes delegações saem de forma espaçada. Atravessando parte da cidade, as diferentes formações que constituem os Cortejos Parciais, passam pelos Paços do Concelho onde a Presidente de Câmara e a Vereação os saúdam, dirigindo-se para a Mata dos Sete Montes, onde confluem, ficando os Tabuleiros em exposição até ao dia seguinte. A partir do momento em que todos os Tabuleiros estão reunidos, abrem-se os portões da Mata dos Sete Montes, para quem os quiser visitar. Jogos Populares Na tarde de sábado, após a realização dos Cortejos Parciais, têm lugar as finais dos Jogos Populares, segmento introduzido na festa de 1964. Inspirados nas fainas rurais e em divertimentos e jogos “populares”, disputam-se as seguintes modalidades que animam todo o concelho: luta de tração, chinquilho, subida ao Mastro, corrida de pipas, corte de tronco a serrote, corrida de cântaros, carregamento de cestos e corrida de sacos. Cada freguesia tem um representante por jogo, à exceção do chinquilho, da luta de tração e do corte de troncos a serrote. No dia da final, as 11 freguesias do concelho, partem da Várzea Grande, passando pela Travessa da Misericórdia, Avenida Cândido Madureira, Rua Everard, culminando no Parque do Mouchão, onde se perfilam as equipas com a respetiva tabuleta identificativa da freguesia que representam, sempre acompanhadas pela música a marcar o compasso (gaiteiro, tamborileiros e banda filarmónica). A nível organizativo, as provas foram montadas de modo a não haver tempos mortos, procurando manter-se a sequência e ritmo dos mesmos. Várias provas realizam-se simultaneamente ocupando distintos setores do perímetro de jogos delineado no Parque do Mouchão. Desde 1987 que o CALMA (Clube de Atividades de Lazer e Manutenção), tem colaborado nesta iniciativa, nomeadamente na recolha de informações sobre os Jogos Tradicionais e na elaboração da orgânica dos mesmos. Cortejo dos Tabuleiros Desde 1950, o Cortejo de Tabuleiros (também denominado de Cortejo Grande e Procissão de Tabuleiros) ocorreu (com apenas duas exceções) na 7ª dominga, sendo constituído pelo desfile dos Tabuleiros de todo o concelho. Nem sempre foi assim, no período entre 1879 e 1934 (salvo algumas exceções) o Cortejo Grande sempre se realizou numa 6ª feira. Neste período, participavam apenas as raparigas solteiras com idades compreendidas entre os 15 e 30 anos, vindas dos arredores da cidade. O pagamento de promessas ao Divino constituía o seu aspeto simbólico-religioso principal, com os Tabuleiros a designarem-se de “Altos-Cargos”. A ornamentação e armação do Tabuleiro, foi fixada em 1950, fazendo parte da sua composição diferentes “saberes-fazer”, como: a ornamentação de flores em papel, a latoaria para elaboração da coroa em lata ou folha de flandres, além dos cestos em vime, cobertos de um pano de branco, e os pães, elementos que estiveram sempre presentes. Atualmente, o Cortejo dos Tabuleiros, realiza-se no domingo, da parte da tarde, constituindo um dos momentos mais aguardados pela população e pelos milhares de visitantes que enchem as ruas e artérias da cidade. Após a fanfarra de bombos, gaitas e foguetes, o Cortejo sai da Mata dos Sete Montes, perfilando-se na Avenida Cândido Madureira com a seguinte ordem: na frente vai o fogueteiro, seguido dos gaiteiros e tamborileiros e, depois, uma Banda Filarmónica; segue-se o Pendão do Espírito Santo da cidade e as três coroas transportadas por elementos diretivos da Santa Casa da Misericórdia ou membros da Comissão Central, que se vão revezando entre si no decurso do cortejo; atrás todas as alfaias cultuais das 16 freguesias, empunhadas pelos respetivos representantes; seguem-se os Tabuleiros, transportados por mulheres, fazendo-se acompanhar pelos seus pares, que vão saindo espaçadamente da Mata dos Sete Montes em direção à Praça da República. O Tabuleiro deve ter a altura da rapariga que o carrega, sendo sempre constituído por 30 pães, enfiados em 6 canas com 5 pães cada ou em 5 canas com 6 pães, consoante se pretende mais ou menos alto. As fiadas de canas partem de um cesto de verga ou vime (feito pelo cesteiro), e são rematadas no alto de uma coroa (feita pelo latoeiro), a cujo rebordo inferior são solidamente atadas. Os pães são de formato especial - alongados e roliços, com cintura – pesando cerca de 400 gramas cada um. Uma vez armado o Tabuleiro é ornamentado com flores de papel, elementos vegetais e, por vezes, espigas de trigo. O cesto de verga, que suporta o conjunto, é envolvido numa toalha, com rendas ou bordados, feita pelas costureiras. A encimar o Tabuleiro coloca-se sobre a coroa, uma pomba branca, simbolizando o Espírito Santo ou a Cruz de Cristo. Ao longo do Cortejo são incorporadas as restantes bandas filarmónicas (no meio e no fim), os Aguadeiros, responsáveis pelo transporte da água a fornecer aos participantes através do cântaro ou infusa, produzida pelo Oleiro; o remate do Cortejo é assinalado por três carros triunfais (onde vão três crianças vestidas de “anjinhos”), puxados por outras tantas juntas de bois, conduzidas pelos Boieiros (calças e cinta preta, camisa branca, com ou sem jaqueta, gravata encarnada, barrete preto). Relativamente ao tradicional traje das raparigas é branco, admitindo-se a sua ornamentação com rendas ou bordados terminais, a branco, uma fita colorida a cruzar o peito e uma rodilha (ou “sogra”) para ajudar a suportar o peso do Tabuleiro. Quanto aos rapazes, usam uma camisa branca de manga arregaçada, calças escuras, barrete ao ombro e gravata da cor da fita da rapariga. A função do elemento masculino é coadjuvar no equilíbrio do Tabuleiro e assegurar o seu transporte (carregando a oferta ao Divino pelos ombros) sempre que o seu par claudicar. O Cortejo segue pela Avenida Cândido Madureira, Praceta Alves Redol, Rua Everard, Rua Serpa Pinto, sobe a Corredoura, desembocando na Praça da República, onde se colocam os Tabuleiros em locais previamente designados. O processo de “enrolamento”, termo utilizado para designar a chegada dos pares e respetiva colocação dos Tabuleiros na placa central, é uma parte delicada que envolve um planeamento e coordenação predefinidos. Num palanque improvisado à frente da Igreja, encontram-se os representantes religiosos devidamente paramentados, o Bispo de Santarém e o Vigário-Geral de Tomar, que após breve alocução, percorrem, juntamente com o(a) Mordomo, brandindo repetidamente o hissope, aspergindo pessoas, flores e pão. Terminada a volta da bênção, os pares esperam silenciosos pelo toque das três badaladas da torre sineira da igreja de São João Batista. Com a Praça rodeada de centenas de pessoas a assistir, faz-se silêncio. É particularmente interessante constatar a coordenação e o esforço coletivo nesta parte do segmento festivo. Ao 1º toque do sino da igreja, preparam-se os rapazes e raparigas; ao 2º toque, lançam-se as mãos aos cestos e Tabuleiros, momento de os erguer; finalmente, ao 3º toque, todos os Tabuleiros são levantados em simultâneo e colocados à cabeça das raparigas e mulheres que os carregam. É um momento de singular beleza, durante o qual, “ouve-se um restolhar imenso de vestidos; saltam as palmas presas nas mãos; gritam as vozes contidas nas gargantas; jorram as lágrimas há quatro anos represadas; a Praça rescende os incensos de todas as almas que gritam emoções” (Trincão, 2019:129). No texto escrito por José Saramago, para o livro Celebrations of the Mediterranean Sea, o prémio Nobel da Literatura, descreve da seguinte forma o levantar dos Tabuleiros: “Então os tabuleiros são levantados num só impulso, num só arranque de braços, equilibram-se e firmam-se outra vez na cabeça das raparigas, e o arrebatamento, a comoção, o entusiasmo varrem a Praça, agitam os espíritos, como se de um novo Pentecostes se tratasse, um Pentecostes ao contrário, com as pombas a subirem do chão em vez de descerem do céu” (Saramago, 2001:14). Além da forte carga simbólica que acarreta – ritual e espiritual-, este epítome festivo, representa o esforço coletivo, união de vontades e integração de uma maioria significativa da comunidade concelhia tomarense. O Cortejo segue novamente pelas ruas da cidade, sendo visível o cansaço das portadoras, que levam à sua cabeça cerca de 15 kg, num percurso de 5 km, com apenas uma paragem para retemperar forças. Percorridas algumas ruas da cidade, o Cortejo acaba na Avenida General Bernardo Faria. Distribuição da Pêza Em Tomar, a distribuição de géneros alimentares na Festa dos Tabuleiros, ocorre no último dia da festa, na segunda-feira posterior ao Cortejo dos Tabuleiros, adquirindo a designação de Pêza que é o nome que se dá ao quinhão ou parte do bodo que cabe a cada comensal. Os imperativos de crescimento demográfico acarretaram a supressão de formas alargadas de distribuição de alimentos. A Pêza era originalmente constituída por um pão e um quinhão de cerca de dois quilos de carne. Os bois que eram destinados a fornecerem a carne para a Pêza eram adquiridos pelos Mordomos na feira de Santa Cita. O vinho que hoje também a integra resulta de uma inovação introduzida em 1950. Atualmente, e no que à natureza dos bens distribuídos diz respeito, a Pêza, inclui o pão, carne e vinho, como alimentos/padrão cerimoniais. Atualmente, a Pêza – ou seja a distribuição de pão, carne e vinho – é oferecida às pessoas mais carenciadas do concelho, sendo necessária uma inscrição prévia. As Juntas de Freguesia e organizações de solidariedade social têm um papel fundamental na triagem das famílias necessitadas. Os bens alimentares distribuídos são oferecidos por várias instituições concelhias ligadas à produção e comercialização dos mesmos (padarias, talhos e adegas). Em função do número de inscrições, a Comissão Sectorial do Bodo, trata de arranjar o fundo cerimonial alimentar necessário para o efeito. O Cortejo do Bodo tem como ponto de partida a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, junto à Várzea Grande. Ao longo do percurso, são feitas quatro paragens: Ponte Nova, Praceta Raul Lopes, Capela de S. Gregório e Praça da República. Tal como nos outros cortejos, também este tem uma ordem de entrada dos seus intervenientes. A iniciar o cortejo encontramos o fogueteiro, ladeado por dois membros da Comissão Central; de seguida, os gaiteiros e tamborileiros; depois os membros da Comissão Sectorial do Bodo. Verifica-se seguidamente a entrada dos três carros triunfais puxados pelas juntas de bois, transportando os bens alimentares a distribuir (pão, carne e vinho), supervisionadas pelos Boieiros que coordenam o andamento da junta através de um cajado. O cortejo fecha com a restante comitiva da Comissão Central. A função de redistribuição, é da incumbência dos membros da Comissão Sectorial. As mulheres, vestidas com saia preta até ao joelho, sapato preto, camisa branca e lacinho vermelho, e os homens, com calças e calçado preto, camisa branca (de mangas arregaçadas), gravata vermelha, e barrete preto. Além do pão “fresco”, é distribuído o pão de alguns dos Tabuleiros, desmontados no dia anterior para o efeito. Apesar deste pão não ser para consumo, ele é guardado em casa como um talismã, pois são-lhe atribuídas qualidades profiláticas. Esta distribuição de pão benzido confere amplitude da circulação de alimentos (pão) a membros fora da comunidade, constituindo uma oferta ritual com uma forte carga simbólica associada. Atualmente os bois que desfilam nos Cortejos do Mordomo e dos Tabuleiros representam simbolicamente as rezes que se distribuem pelos mais necessitados. Apesar da distribuição da Pêza não constituir o atrativo turístico de outros segmentos rituais da Festa dos Tabuleiros, este pode ser considerado como o mais importante, dado que representa em si todo o Espírito da festa e nas palavras do Mordomo Sectorial, “O sentido de querer e bem fazer aos mais necessitados”.
  • Manifestações associadas:
    A Festa dos Tabuleiros em Tomar está associada ao Culto em Honra do Divino Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade e figura nuclear da teologia cristã. O culto, nas suas diferentes vertentes, tem uma importante base popular e, pese embora manifestações similares noutros contextos, pode ser entendida como sendo “(…) em grande medida um traço específico da cultura popular portuguesa” (Leal, 1994:15). O êxito alcançado pelas festividades em louvor do Divino Paracleto mede-se pela rapidez de difusão do culto por todo o país. Nesse sentido, o folclorista Luís Chaves, considera que estas festividades, instituídas pelos seus “impérios”, e singularizadas pelo bodo aos pobres e ao povo, às autoridades e, à corte, generalizaram-se por todo o território: “A Festa dos Imperadores generalizou-se. Encontramo-la em Portalegre, Marvão, Nisa, no Nordeste Alentejano; em Santiago do Cacém, em Sintra, nas Mercês, e no lugar do Penedo, próximo de Colares (Sintra), em Alcabideche (Cascais), cerca de Lisboa; em Marmelete (Monchique), Alte (Loulé), Aljezur, Bordeira e Odeceixe (Aljezur), Bensafrim e Barão de São João (Lagos), no Algarve; em Eiras (Coimbra), onde hoje desapareceu, e apenas alguns vestígios locais nos restam; na Trofa (Bougado - Santo Tirso), Guimarães, Paúl (Covilhã), Monsanto (Idanha-a- Nova), e principalmente em Tomar, nos Açores e na Madeira.” (Chaves, 1945:103). Acompanhando os diferentes ciclos de vagas migratórias, estas festas difundiram-se, entre o século XVII e o século XX, para o Brasil, e a partir de finais do século XIX e durante o século XX, dos Açores para a América do Norte, nomeadamente para os EUA e Canadá. Num levantamento sumário efetuado em 1987, relativamente a localidades do continente onde ainda se celebravam as festas populares em honra do Espírito Santo, dos 80 casos identificados, cerca de 68% se localizavam nas bacias hidrográficas do Tejo e do Mondego, em zonas em que era dominante a implementação das Ordens do Templo e de Cristo (Veloso, 2003:128). O concelho de Tomar constitui um modelo paradigmático relativamente à expansão do culto, sendo que encontramos referências documentais sobre a festa em várias localidades. O mais antigo testemunho do concelho de Tomar relativo aos Impérios do Espírito Santo é a Coroa da Asseiceira datada de 1544, com motivos renascentistas, que se encontra na Igreja matriz de Nossa Senhora da Purificação (Asseiceira). Por outro lado, grande parte da Iconografia do Espírito Santo existente no concelho de Tomar remonta ao período quinhentista, nomeadamente através da representação da “Trindade Vertical”, (Tronos de Graça) e pinturas sobre madeira ou azulejos, alusivos à simbologia paraclética. A importância do culto ao Espírito Santo foi tal durante este período que D. Sebastião (1554-1578) concedeu o Alvará, datado de 16 de abril de 1562, autorizando a realização do Bodo no Domingo de Pentecostes, na localidade de Madalena, a 5 km de Tomar (Gandra, 2015:70). Posteriormente, existem referências documentais da realização da Festa em Honra do Espírito Santo na Junceira, como comprovam os livros da Irmandade do Espírito Santo da paróquia de São Mateus, cuja atividade se acha documentada nos anos compreendidos entre 1744 e 1867. Na freguesia de Alviobeira, a irmandade do Divino ainda se mantinha ativa no ano de 1874. Em 1841 o regedor determinava que qualquer pessoa que falecesse e fosse sepultada pela irmandade pagasse 2$400 réis (Gandra, 2000:61). No final do século XIX, a Festa dos Tabuleiros na freguesia de Casais era composta por um número de ofertas considerável, como se refere na imprensa nabantina: “Realizou-se no passado domingo com grande pompa e o costumado enthusiasmo a festa dos tabuleiros na freguesia de Casaes, deste concelho. Os taboleiros que figuraram na procissão eram em número de 247. Depois da Festa houve reunião em casa do digno prior José Delgado da Silva, dançando-se animadamente até de madrugada” (A Verdade, 28 de maio de 1893). No Boletim da Junta de Província do Ribatejo (1940), aparecem descritas mais duas festas em diferentes localidades: Poço Redondo e Paialvo. A propósito da segunda festa Francisco Câncio menciona que era organizada por comissões de festeiros, e caraterizada por “uma grande concorrência de povo não só da freguesia, mas também de outras localidades vizinhas, para assistir ao desfilar de tabuleiros com as oferendas que segundo a tradição, deveriam ser distribuídas pelos pobres” (Câncio, 1956:284). Fernando Ferreira, baseado nos relatos dos paialvenses Alfredo Bilreiro e Domingos Perfeito, informa que a coroação “tinha lugar no ato da missa”, proferindo os mordomos no decurso da cerimónia uma oração em louvor do Divino Espírito Santo, após o que a coroa era conduzida para casa do mordomo novo que a recebia em sala ornamentada (Ferreira, 1978:19). No Boletim Cultural e Informativo da Câmara Municipal de Tomar Nº 6, António Cerejo, explicita a organização da Festa da Coroa nas Curvaceiras, o quarto ramo encarregado de organizar os festejos em Paialvo (Cerejo, 1983.45). Na localidade de Poço Redondo (união de freguesias Serra/Junceira), onde existe uma ermida dedicada ao Paracleto, as festividades eram organizadas pelo pároco. O Boletim faz a seguinte descrição do Cortejo de oferendas: “Na procissão incorporam-se fogaças oferecidas, em cumprimento de promessas feitas, por particulares, as quais são leiloadas depois de terminada a parte religiosa da festa. Estas são levadas à cabeça por raparigas, trajadas vistosamente e ostentando, por vezes largas faixas de seda cruzadas ao peito. Ao lado de cada uma, costumava seguir um rapaz, que era, geralmente, o namorado, o pai por vezes e, por outras, um irmão dela, que a ajudava, amparando a fogaça quando o vento era mais forte” (Silva, 1940:597). Atualmente, realiza-se anualmente a festa em Honra do Espírito Santo em Carregueiros, localidade a 5 km da cidade de Tomar. O investigador Manuel Gandra descreve-a no livro O Império do Espírito Santo na região de Tomar e dos Templários (Gandra, 2000:63-66), onde dá conta do início da festividade na sexta-feira que antecede o Pentecostes, partindo a procissão dos tabuleiros da porta do juiz e dirigindo-se à igreja de S. Miguel, onde o pão é benzido. Os tabuleiros, normalmente destinados ao cumprimento de promessas, são ornamentados com flores naturais, os trajes das raparigas são de cor branca (seguindo a estandardização do Cortejo de Tomar a partir de 1950), e dos rapazes acompanhantes eram habitualmente domingueiros (atualmente seguem o padrão do Cortejo dos Tabuleiros em Tomar). Na sexta-feira à tarde, e no sábado, o pão bento, transportado num carro de bois que percorre toda a freguesia ao som da gaita de foles, é distribuído pelo povo e confrades, sendo ciosamente guardado como profilático. No domingo, a festa inicia-se na igreja onde, após a missa, tem lugar uma primeira cerimónia de coroação. Na segunda-feira de Pentecostes tem lugar a cerimónia da entrega da Coroa, juntamente com todas as restantes alfaias religiosas pertencentes à função.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: A realização da Festa dos Tabuleiros é assegurada atualmente pela Comissão Central que assume a organização formal e pelos naturais, residentes e descendentes do concelho que nela participam livremente. Os requisitos para a participação na festa estão vinculados aos laços familiares e afetivos dos naturais, residentes e descendentes do concelho. Embora a abertura à participação da comunidade concelhia em diferentes fases da dinâmica preparatória da festa seja notória, o desempenho de funções específicas no Cortejo dos Rapazes e dos Tabuleiros obedece aos seguintes requisitos: no primeiro caso, é necessário frequentar o ensino pré-escolar e o ensino primário nos agrupamentos escolares do concelho, com idades compreendidas entre os 4 e os 10 anos; no segundo caso, um dos elementos que forma o par que transporta o Tabuleiro, tem de estar recenseado nas freguesias do concelho. A transmissão das práticas associadas ao culto é feita por toda a comunidade, sem exclusão de grupo social, faixa etária, género ou estado civil. No contexto de transmissão de conhecimentos é importante o papel da comunidade pedagógica, nomeadamente dos educadores, professores do 1º Ciclo e, ainda, os pais, que preparam a participação das crianças no Cortejo dos Rapazes. Este facto tem sido fundamental porque desde que se realiza este Cortejo que o número de participantes a levar tabuleiro aumentou significativamente. Num contexto vicinal, e em núcleos de trabalho nas freguesias do concelho, partilham-se os conhecimentos acerca de algumas artes tradicionais relacionadas com a festa, nomeadamente a arte de fazer as flores em papel. Por outro lado, existem agentes de transmissão de saberes especializados, como a armação do tabuleiro, com as gerações mais velhas a passar o seu conhecimento às gerações mais novas, a cestaria, olaria e a latoaria. O estudo e documentação da festa, a partir da década de 50, por investigadores das ciências sociais, historiadores e notáveis do quadro local e, em particular, o registo fotográfico e audiovisual produzido nos séculos XIX e XX, têm-se constituído como importantes acervos e fontes de transmissão da prática festiva. Estas fontes documentais permitiram nas últimas décadas a recuperação e introdução de vários segmentos rituais locais preexistentes. De uma forma geral, a transmissão da manifestação é aberta a qualquer membro da comunidade concelhia que mostre interesse na sua aprendizagem, quer através de participação direta nos diferentes segmentos da festa, quer através das dinâmicas preparatórias da mesma.
    Data: 2019/07/07
    Modo de transmissão oral e escrita
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Todos os residentes e seus descendentes, detentores de conhecimento sobre a Festa dos Tabuleiros de Tomar, podem ser considerados como agentes transmissores da manifestação.
  • Origem / Historial:
    A Festa dos Tabuleiros tem uma longa história, pese embora alguma indefinição quanto às suas origens. Ao longo do tempo, podemos identificar diferentes ciclos na vida da festa que, apesar disso, manteve as suas características únicas e distintivas. De realçar três conjunturas particularmente importantes. Em primeiro lugar, com o fim da periodicidade anual da festa no final do século XIX. Em segundo lugar, com a revitalização festiva, nos anos 50 do século XX, com a inclusão da comunidade concelhia no Cortejo dos Tabuleiros e nas dinâmicas preparatórias que a antecedem, fixando muito do que é essencial na festa através da uniformização de trajes e Tabuleiros. Por último, a incorporação, a partir de 1953, de várias atividades complementares do evento festivo, tendo por base a realização de rituais locais pré-existentes de grande exuberância cenográfica. Segundo a literatura histórica, etnográfica e antropológica a sua origem, alegadamente, situa-se no século XIV, ainda que alguns investigadores apontem para as reminiscências das antigas festas pagãs à Deusa Ceres (Simões, 1950; Rosa, 1953; Guilherme,1968; Ferreira, 1978; Ponte, 2003). Crê-se que a sua ligação está associada às narrativas de origem das festas em Honra do Espírito Santo. Uma delas situa essa origem em Alenquer e defende que a sua criação resulta da iniciativa da rainha Santa Isabel (1271-1336), esposa do rei D. Dinis, que veio a ser beatificada em 1516 e canonizada em 1742 (Leal, 2017:26). Essa narrativa – a que o antropólogo João Leal designa de “Isabelina” -, apresenta várias versões, que diferem tanto em relação aos motivos que levaram a rainha a instituir o culto como em relação ao conteúdo ritual das primeiras festas (Leal, 2017:26). As versões mais antigas remontam a um conjunto de narrativas eclesiásticas seiscentistas. Em Tomar, sede das Ordens do Templo (1160) e Ordem de Cristo (1319), a primeira referência ao Divino Paracleto vem na Regra Primitiva da Ordem do Templo, onde os elementos presentes no Concílio de Troyes (1128) chegaram a esta localidade graças ao Espírito Santo (Jana, 2003:29). Os Templários, defensores do desprendimento dos bens terrenos, sendo castos e obedientes aos ensinamentos de Jesus, seguiram a doutrina ascética dos franciscanos e mormente a de Joaquim di Fiore (1132-1202). Na continuidade do espírito templário, mas renovando-se com a influência decisiva de D. Dinis, não podendo esquecer-se que durante 11 anos de dormência da Ordem do Templo em Portugal (1308-1319) o Rei e a Rainha Santa Isabel lançaram e desenvolveram o Culto e as festas aristocráticas e populares do Espírito Santo (Cf. Quadros, 1987). Em 1420 quando o Infante D. Henrique é nomeado o Governador da Ordem de Cristo, determinou, “que cada semana, ao sábado, por sempre em minha vida e depois da minha morte, dizer uma missa de Santa Maria e a comemoração seja do Espírito Santo” (Borges, 2003:135). Considerado como um homem profundamente convicto e ciente da sua fé, o Infante D. Henrique teve ainda um papel fundamental nos “Descobrimentos”, de tal forma que Amorim Rosa considera a sua ação crucial na difusão do culto ao Espírito Santo.De ressalvar que a influência da Ordem de Cristo na Festa dos Tabuleiros tem permanecido até aos dias de hoje, pois as Coroas que encimam as ofertas conservam dois símbolos alusivos à ordem: a Cruz de Cristo e a esfera armilar (instrumento de navegação que o rei D. Manuel transformou em símbolo real, mantida, aliás, na bandeira nacional cunhada no período republicano) e que é colocada no espaço que intermeia o topo da coroa e a colocação da Pomba ou Cruz de Cristo a rematar a oferta. De igual forma, alguns investigadores apontam para as influências do estilo artístico manuelino, na fixação do formato de ofertas ao Espírito Santo. Apesar de alguma indefinição quanto às origens da Festa dos Tabuleiros de Tomar, o concelho constitui um modelo paradigmático relativamente à expansão do culto, sendo possível encontrar referências documentais sobre estas festividades em várias localidades. O mais antigo testemunho do concelho de Tomar relativo aos Impérios do Espírito Santo é a Coroa da Asseiceira, datada de 1544, com motivos renascentistas. Por outro lado, grande parte da Iconografia do Espírito Santo existente no concelho de Tomar remonta ao período quinhentista, nomeadamente através da representação da “Trindade Vertical” (Tronos de Graça) e pinturas sobre madeira ou azulejos alusivos à simbologia paraclética. A importância do culto ao Espírito Santo foi tal que, durante este período, D. Sebastião (1554-1578) concedeu o Alvará, datado de 16 de abril de 1562, autorizando a realização do Bodo no Domingo de Pentecostes, na localidade de Madalena, a 5 km de Tomar (Gandra, 2015:70). Posteriormente, existem referências documentais da realização da Festa em Honra do Espírito Santo na Junceira, como comprovam os livros da Irmandade do Espírito Santo da paróquia de São Mateus, cuja atividade se acha documentada nos anos compreendidos entre 1744 e 1867. Na freguesia de Alviobeira, a irmandade do Divino ainda se mantinha ativa no ano de 1874. Em 1841 o regedor determinava que qualquer pessoa que falecesse e fosse sepultada pela irmandade pagasse 2$400 réis (Gandra, 2000:61). No final do século XIX, a Festa dos Tabuleiros na freguesia de Casais era composta por um número de ofertas considerável. No Boletim da Junta de Província do Ribatejo (1940), aparecem descritas mais duas festas em diferentes localidades: Poço Redondo e Paialvo. A propósito da segunda festa Francisco Câncio menciona que era organizada por comissões de festeiros, e caraterizada por “uma grande concorrência de povo não só da freguesia, mas também de outras localidades vizinhas, para assistir ao desfilar de tabuleiros com as oferendas que segundo a tradição, deveriam ser distribuídas pelos pobres” (Câncio, 1956:284). A primeira referência escrita sobre os festejos na cidade de Tomar remonta ao ano de 1844 e 1846. No livro de Actas e Contabilidade da Academia Philarmónica Tomarense, já desparecida, pode saber-se o dinheiro gasto em papel de pauta musical por causa da Festa e Missa do Espírito Santo. A 2 de junho de 1878, Augusto de César Prista requereu verbalmente que lhe fosse concedida licença para poder construir, por ocasião dos festejos do Espírito Santo desse ano, uma escada que tinha por fim dar serventia a um Restaurante (Rosa, 1967:141). Notícias posteriores, surgem com a publicação dos primeiros semanários tomarenses, nomeadamente A Emancipação (1879) e A Verdade (1880), onde se descrevem com exatidão os segmentos rituais estruturantes assim como as dinâmicas culturais que ocorreram naquele período. Tradicionalmente, as celebrações iniciavam-se no Domingo de Páscoa, dia em que ocorria (e ainda ocorre), o Cortejo ou Procissão das Coroas do Espírito Santo. O Cortejo saía, crê-se, de casa do Mordomo principal, em cuja janela era exposto o pendão do Espírito Santo. A formação era a seguinte: Gaiteiro e Tamborileiros adiantados, a que se seguia o pendão do Espírito Santo da cidade, as três coroas cerimoniais transportadas por um mordomo e dois festeiros e, depois, os restantes festeiros e o povo. Dirigiam-se à igreja, depositando aí as coroas na banqueta do altar onde ficavam durante o ofício religioso. Após este, o cortejo regressava cerimonialmente ao local de partida. Só posteriormente, quando a Santa Casa da Misericórdia se tornou fiel depositária do pendão e das coroas da cidade, a instituição se havia tornar o ponto de partida e de chegada da função (Gandra, 2000:72). O préstito repetia-se nos Domingos subsequentes até ao Pentecostes, tendo como função o reforço do peditório de esmolas e de Tabuleiros, como se refere num artigo publicado na revista Occidente: “O mesmo se pratica nos domingos immediatos até ao dia da Festa; nesses mesmos domingos de tarde, vãe a commissão de porta em porta, sempre acompanhada de música, fazer o peditório de esmolas e de tabuleiros” (Occidente, 1887:147). A festa, iniciava-se em finais do mês de junho, e tinha a duração de 3 dias. No primeiro dia, geralmente à sexta-feira (antes do Pentecostes), realizava-se o Cortejo de Tabuleiros que era composto por uma ou duas centenas de raparigas. Nas publicações relativas a esta época, os “Altos-cargos”, terminologia utilizada para designar os Tabuleiros, eram descritos da seguinte forma: “O tabuleiro é um açafate de verga, em cujas bordas são espetadas canas de altura de 1,50 m a 2 m, guarnecidas de pão e de flores, formando uma espécie de pirâmide encimada por uma coroa ou bandeiras de diferentes cores alegres” (A Verdade de 30 de junho de 1886). Na mesma publicação, faz-se referência ao local da bênção dos Tabuleiros e a restituição das dádivas às suas portadoras. No dia seguinte (geralmente ao sábado), realizava-se a distribuição da Pêza (constituída por um pão e um quinhão de cerca de dois quilogramas de carne), nos Carros Triunfais, “(...) por todos os fogos da cidade, segundo o uso antigo” (A Verdade, 16 de maio de 1880). No mesmo semanário refere-se que a Comissão promotora dos festejos de 1881 ofereceu “com as sobras da mesma festa um jantar aos presos da cadeia civil desta cidade” (A Verdade, 7 de agosto de 1881). Ao pão e à carne benzidas eram associadas propriedades profiláticas e quase mágicas, havendo quem recusasse o pão que não estivesse furado pelas canas das armações do Tabuleiro, como relatou o tomarense Fernando Dias da Costa a Fernando Ferreira: “Ninguém aceitava pão que não estivesse furado pelas canas das armações. Só esse era pão da Festa. Pão que arrecadado na arca, de Festa para Festa, trazia fartura. Pão que se substituía de Festa para Festa. O Povo, ricos e pobres, acreditava no talismã e rejeitava qualquer pão que não estivesse furado” (Ferreira, 1978:41-42). Os bois destinados a fornecerem a carne para a Pêza eram adquiridos pelos Mordomos na feira de Santa Cita, sendo conduzidos até ao padrão existente na entrada de Tomar onde eram devidamente enfeitados e depois percorriam as principais ruas da cidade, costume localmente designado de “Bois do Espírito Santo”. O desfile dos bois enfeitados e adornados de fitas é descrito da seguinte forma: “(...) bois do Espírito Santo andaram percorrendo as ruas da cidade (…) bois destinados a serem sacrificados para fornecerem a carne que há-de ser distribuída ao público na Festa dos Tabuleiros. Os bois eram corpulentos e bem tratados e eram acompanhados pelos membros da Comissão montados em garbosos ginetes” (A Verdade, 30 de junho de 1895). No terceiro dia (Domingo), tinha lugar a Procissão das Coroas que terminava na Igreja de São João Baptista onde se realizava uma missa e grande vocal e instrumental, assim como um sermão pregado por um dos melhores oradores sagrados do País. Ou seja, os festeiros, pese embora o carácter profano de partes da festa, não se esqueciam que esta era religiosa e dedicada à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, colocando todo o empenho de modo que a celebração tivesse toda a pompa possível. Quanto à coroação do mordomo, que geralmente ocorria depois da missa, a única fonte a reportar este acontecimento é a do tomarense João Duarte Coimbra que a descreve a Fernando Ferreira. Realizava-se na “Casa da Coroa” que para o efeito era forrada de branco e onde tinha lugar a entronização do Mordomo. Dada a interdição de raiz tradicionalista da participação de crianças no Cortejo dos Tabuleiros (com exceção feita aos “anjinhos” dos Carros Triunfais), uma vez que as portadoras das ofertas tinham então idades compreendidas entre os 15 e os 30 anos, realizou-se em duas ocasiões no final do século XIX (1892 e 1899), o “Espírito Santo dos Rapazes”. A festa consistia numa mimetização da Festa dos Tabuleiros, como se documenta na imprensa: “(...) realizou-se a Procissão dos Rapazes, que se compunha de razoável número de tabuleiros, conduzidos por petizas vestidas a capricho: algumas bem galantinas. A Festa teve também o seu bazar, iluminação à noite, música e bodo” (Rosa, 1967:386). De assinalar que as descrições do Cortejo dos Tabuleiros neste período enfatizam o papel e a importância das portadoras dos “altos e formosos cargos” que vinham da cidade e dos seus arredores, fazendo-se acompanhar por um galhardo mancebo, geralmente seu “conversado”. Ao transporte do Tabuleiro, estava associada a componente religiosa (ex-voto), bem como uma certa elegância e beleza das suas portadoras. Como afirma Martins Velho: “Levar um tabuleiro é um grande desejo das raparigas de classe popular; são preferidas as mais graciosas e elegantes, que o seu traje especial, que vestem neste dia, faz realçar a sua singeleza e os seus modelados contornos” (Velho, 1891:143-144). A organização festiva era então levada a cabo por uma Comissão Executiva, coadjuvada por uma Comissão auxiliar. Quem fazia a festa era o povo tomarense, não só os que nasceram em terras do Nabão, mas também os que nela se radicaram. Além da estrutura ritual dos festejos em Honra do Divino Espírito Santo, realizavam-se várias atividades complementares com particular enfoque para os arraiais com quermesse, música e “bailarico”, importantes momentos de sociabilidade e divertimento que ocorriam, tal como atualmente decorrem espetáculos diversos, na Várzea Pequena. Num total de 16 festas que se realizaram no final do século XIX, 13 tiveram lugar numa sexta-feira (1879, 1880, 1881, 1882, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888, 1889, 1892, 1893), uma ao sábado (1895) e duas ao domingo (1890, 1891). A festa viria a perder a sua periodicidade a partir de 1895. Na primeira metade do século XX a festa realizou-se por 10 ocasiões, com o Cortejo dos Tabuleiros a ter lugar, predominantemente, na sexta-feira (1901, 1903, 1905, 1908, 1910, 1922, 1922, 1934), e duas vezes ao domingo (1914 e 1940). Importa mencionar algumas dinâmicas e práticas culturais festivas no período em apreço. A armação e ornamentação do Tabuleiro esteve muitas vezes sujeita à criatividade dos tomarenses, havendo desvios às regras tradicionais. Para o efeito, foram construídos Tabuleiros monumentais conduzidos em andores, outros a imitarem as rodas do Nabão com os pães a servirem de alcatruzes ou inspirados em moinhos de vento, bem como “tabuleiros embarcados”, isto é, armados em cima de um pequeno barco, substituto do cesto. Relativamente à participação da comunidade na festa, é-nos retratada no semanário A Acção, dirigido pelo afamado compositor Fernando Lopes-Graça: “A preparação desta festa não é qualquer coisa que se pareça com uma festa vulgar, que meia dúzia de indivíduos leva a efeito; é preciso o concurso de todos os habitantes e este concurso aparece espontâneo; por isso a festa mostra-se colorida e bela, cheia de animação, pela chama intima que a impulsiona e a agita. Acarinhada por todos, ela representa alguma coisa mais que o seu aspecto festivo e colorido, o modelo esbatido das suas decorações a fisionomia alegre e acolhedora, a original ostentação das suas bandeiras e colgoduras. Ela representa o esforço de todos os habitantes de Thomar, a sua disciplina social, a sua prosperidade mental o génio da sua raça, do seu trato generoso para os seus hospedes e também um pouco do seu legítimo orgulho” (A Acção, 25 de maio de 1929). Neste período, o poder de atração turística da festa é retratado pela imprensa local: “O reclame tem sido sabiamente orientado, e hoje de norte a sul de Portugal já chegou o eco de que aqui nesta bela terra tudo se prepara para que a expectativa do forasteiro ávido de emoções que deslumbrem, seja perfeitamente justificada. E tudo leva a crer que nesses dias festivos, à cidade do Nabão acorram muitos milhares de pessoas no anseio, que muito honra os thomarenses, de conhecer de perto o que são as tão faladas Festas dos Taboleiros. As mais lindas raparigas desta privilegiada região – e tantas há – com os trajes pitorescos que a tradição impõe, conduzirão os Taboleiros com sua graça natural e darão a esta formosíssima terra, a nota mais pitoresca e inédita” (A Acção, 19 de maio de 1929). Em 1940 a Festa dos Tabuleiros é enquadrada no Programa Nacional das Comemorações Centenárias da Fundação (1140) e Restauração da Independência (1640). Nesse ano, participaram alguns pares de Tabuleiros nas mencionadas paradas monumentais organizadas pelo Secretariado de Propaganda Nacional, nomeadamente na “Exposição do Mundo Português” (Lisboa) e “Parada Folclórica e Cortejo do Trabalho do Ribatejo” (Santarém). Os festejos que se realizaram em Tomar nos dias 9 e 10 de julho, iniciaram com Missa solene do Espírito Santo na Igreja de São João Baptista, precedida do Cortejo dos Tabuleiros. A organização do Cortejo esteve ao encargo de João dos Santos Simões, personalidade marcante para a história da festa. Após um período de suspensão da prática festiva (1941-1949), João dos Santos Simões, administrador e diretor da Fábrica de Fiação de Tomar, teria papel preponderante na revitalização da Festa dos Tabuleiros com a incorporação de todas as freguesias do concelho, iniciando-se dessa forma um novo ciclo festivo (Ferreira, 1978:43) que contou com o apoio da Câmara Municipal e da Comissão de Iniciativa e Turismo. Como forma de estruturar toda a orgânica festiva, foi publicado um suplemento no jornal Cidade de Tomar, o boletim Tabuleiros: Órgão noticioso das Comissões Organizadoras da Festa de 1950, no qual constavam informações relevantes para a organização dos segmentos festivos. A participação das freguesias no Cortejo viria a introduzir um novo segmento festivo, os Cortejos Parciais que, por sua vez, aumentaram significativamente o número de Tabuleiros no Cortejo de Oferendas e possibilitaram o alargamento do programa tradicional para quatro dias. Os festejos passariam, dessa forma, a contar com a participação de toda a comunidade concelhia, reunindo o “entusiasmo coletivo, – autêntica psicose da multidão – que um afervorado bairrismo e uma inconcebível generosidade encontraram perfeita materialização” (Tabuleiros: Órgão Noticioso das Comissões Organizadoras da Festa de 1950, nº13, 9 de julho, pp.1). Mantendo a saída das Coroas em Domingo de Páscoa, repetindo-se o préstito por mais 6 vezes, houve algumas reestruturações na ordem do Cortejo. O Fogueteiro e o ajudante (adiantados), Gaiteiros e Tamborileiros (também um pouco á frente), Banda de Música, Pendão da Cidade levado pelo Presidente da Câmara, as três coroas de sempre transportadas por 3 membros da Comissão organizadora (Mordomos), atrás todos os Pendões das freguesias (também levados pelos seus representantes), depois os “Tabuleiros” do concelho, onde vinham intercaladas uma ou duas bandas de música (dada a extensão do Cortejo), logo quatro juntas de bois devidamente enfeitadas (símbolo de sacrifício de outrora) e os três Carros Triunfais ornamentados (carne, pão e vinho); fechava o cortejo outra banda (Ferreira, 1978:44). Do conjunto de alterações vale a pena fazer referência à uniformização dos trajes dos participantes, nomeadamente o das raparigas: fato totalmente branco, com a novidade de uma faixa da mesma cor que as flores do Tabuleiro. O Cortejo dos Tabuleiros passaria a realizar-se ao domingo do segundo fim de semana de julho, saindo da Mata Nacional dos Sete Montes e não da Misericórdia como habitualmente se fazia até 1934. Nas festividades de 1950 o número total de Tabuleiros ascendeu às seis centenas (o dobro de ofertas nas festas da primeira metade do século XX), grande parte deles oriundos das indústrias tomarenses, nomeadamente a Fábrica de Fiação, Fábrica de Papel da Marianaia, Porto de Cavaleiros, Matrena e Prado. As participantes nos Cortejos dos Tabuleiros eram, grande parte, operárias oriundas das fábricas concelhias, fazendo-se representar pelas freguesias onde se localizavam as indústrias anteriormente referidas. Alguns homens que acompanhavam as raparigas da Fábrica de Fiação eram oriundos do Regime de Infantaria 15. O ciclo festivo iniciado em 1950 viria a congregar os artesãos na dinâmica festiva através dos diferentes “saberes-fazer” associados à construção do Tabuleiro, sobretudo com a ornamentação de flores de papel, em detrimento das flores da época como papoilas, espigas, malmequeres, rosas e bandeiras, como acontecia no passado. Os cesteiros que laboravam no centro histórico da cidade e localidades limítrofes aproveitavam o vime proveniente das margens do Nabão para fazer as bases das ofertas. Os latoeiros faziam as coroas em lata ou latão e, mais tarde, passou-se a utilizar o latão ou folha de flandres. A preparação da festa obedeceu a uma convocatória para Assembleia Popular que, desta forma, se instituiu na estrutura de organização, com exceção para as edições de 1964, 1966, 1968, 1970, 1973 e 1978, em que a Câmara e a Comissão Municipal de Turismo indigitavam o Mordomo, sem consulta prévia da Assembleia Popular. Em 1973, o investigador nabantino Fernando Ferreira, salienta que a Festa é feita pelo povo e para o povo, nunca podendo dispensar uma reunião magna e prévia da comunidade tomarense: “Sem isso, sem o sancionamento da comunidade, concedido por muitos ou por poucos (por tantos e quantos respondam à convocação pública!), nenhum tomarense que tenha respeito pela sua Festa — e sobretudo se conhecer bem a lei dos Tabuleiros (Festa do Povo e para o Povo — pela vontade do Povo) — poderá, em consciência, colaborar ou aderir a festas fechadas, onde se marginalizam opiniões e ensinamentos passados e, até, as próprias raízes, a verdade (inclusive etnográfica) da nossa Festa” (Ferreira, 1973:1-12). No entanto, desde 1981, por decisão da Câmara de Tomar e do Povo tomarense, ocorrem (ininterruptamente) as Assembleias Populares para o povo decidir se quer ou não realizar a festa, cabendo à comunidade concelhia tomarense expressar a sua vontade, quer na realização dos festejos, quer na eleição do Mordomo. Durante o arco temporal compreendido entre 1953 e 1966, foram introduzidos os seguintes segmentos festivos fundamentados historicamente pela existência de manifestações similares que ocorreram no passado, tais como: as Ruas Populares Ornamentadas (1953); Jogos Populares (1964); e o Cortejo do Mordomo (1966). O modelo configurativo da estrutura ritual manteve-se praticamente inalterável até 1987. No primeiro dia, à sexta-feira realizava-se o Cortejo do Mordomo e Concurso das Ruas Populares Ornamentadas; no sábado os Cortejos Parciais e Jogos Populares; no domingo o Cortejo dos Tabuleiros; e segunda-feira a distribuição da Pêza. Relativamente à periodicidade festiva ficou estabelecido o modelo de realização de 3 em 3 anos (1950, 1953, 1956). Em 1960 a festa foi incorporada nas comemorações do 8º centenário de Fundação da cidade (1160) e V Centenário da morte do Infante D. Henrique, que por ocasião da visita do então Presidente da República Américo Thomaz ocorreram nos dias 14 e 15 de agosto. Os Cortejos Parciais desse ano ocorreram no mesmo dia que o Grande Cortejo. Na década de 60 a festa realizou-se de dois em dois anos, com exceção para 1962 (1964, 1966, 1968, 1970). A monitorização da organização festiva por parte da Comissão Municipal de Turismo coincidiu, nesta fase, com a quebra de número de participantes no cortejo, cifrando-se nas 4 centenas de ofertas. Durante o período de transição democrática (1974-1976), a Festa dos Tabuleiros não se realizou, sendo até instrumentalizada para debates de índole ideológica. A organização da festa seria equacionada em reunião convocada pela Comissão Municipal de Turismo, em maio de 1977: “A comissão Municipal de Turismo convocou, no passado sábado, uma reunião com os presidentes das Juntas de Freguesia para se ver as possibilidades de realização das Festas dos Tabuleiros em 1978” (Cidade de Tomar, 27 de maio de 1977). A formalização da realização da festa chegaria em janeiro de 1978, depois de nova reunião da Comissão Municipal de Turismo e os presidentes das juntas de freguesia do concelho. O Mordomo António Carvalho (indigitado pela Comissão Municipal de Turismo), salientou que na fase pós 25 de Abril, “A política foi ultrapassada pelo amor de Tomar de toda a gente. Esquecemos as quezílias, e toda a gente funcionou cooperante com a realização da Festa dos Tabuleiros de 1978”. Depois de 5 anos de interregno festivo, muitos artefactos tinham simplesmente desaparecido – “não havia coroas, fatos, cestos, partiu-se praticamente do zero”, referiu o então Mordomo a propósito das dificuldades encontradas para organizar a festa. A partir de 1987, foi tacitamente aceite pelo povo e pela Câmara Municipal de Tomar, a definição da periodicidade quadrienal (1987, 1991, 1995, 1999, 2003, 2007, 2011, 2015, 2019), face aos gastos inerentes à produção e reprodução da festa. Em 1991 foi introduzido outro segmento, o Cortejo dos Rapazes, iniciativa proposta por algumas educadoras de infância através do projeto “A Festa dos Tabuleiros vivida pelas crianças”, em colaboração com os Encarregados de Educação, Comissão Central e Município. A ideia, consubstanciada em 1991 com o apoio do então Mordomo Manuel Bonet e validada pelo historiador nabantino Fernando Ferreira tinha como objetivo recuperar o "Espírito Santo dos Rapazes" que havia sido realizado no final do século XIX. O sucesso e evidentes benefícios para o futuro da Festa dos Tabuleiros fez com que nos anos subsequentes a dinâmica se tenha tornado incontornável, aconselhando a realização do Cortejo em dia mais apropriado, antecipando-o para o domingo anterior ao do Grande Cortejo. Em 2019, reforçou-se a presença das crianças na dinâmica da prática festiva com a introdução dos Jogos dos Rapazes. Desde então, tem-se registado um aumento da participação das crianças na festa. Na reprodução festiva, designadamente no Cortejo dos Rapazes e Jogos dos Rapazes estão diretamente envolvidas cerca de duas mil crianças. Acrescente-se o papel de cerca de 4000 mil pessoas nas dinâmicas preparatórias, como os Professores, Educadores de Infância, Assistentes operacionais, Encarregados de Educação e alunos das cerca de três dezenas de Estabelecimentos de Ensino. Deste modo verifica-se, desde 1995, um alargamento substancial do período festivo para 10 dias, o que decorre fundamentalmente de dois importantes fatores: por um lado, a opção pelo “reforço” do programa tradicional da festa com um significativo conjunto de atividades culturais paralelas ou de animação sociocultural; por outro lado, o fato de se ter retomado com renovadas causas e objetivos o Cortejo dos Rapazes. Apesar de se registarem algumas alterações à composição festiva, o culto do Divino em Tomar tornou-se numa tecnologia ritual essencial para a produção de contextos de interação e sociabilidade (Cf. Leal, 2015), no seio da comunidade concelhia nabantina. A realização da festa começa a ser preparada vários meses antes (10-14 meses de antecedência), a partir do momento em que a comunidade tomarense é chamada para uma Assembleia Popular nos Paços do Concelho. Em teoria, esta reunião informal, pode ter uma participação mais ou menos significativa, dependendo de diversas circunstâncias de natureza flutuante (vontade em participar, disponibilidade para ajudar, etc.). É neste momento que o povo tomarense decide da sua realização e da eleição do Mordomo , cabendo a cada um dos presentes exercer o seu direito de voto. Independentemente da disponibilidade da Câmara Municipal em prestar apoios logísticos e financeiros, indispensáveis para obter os fundos cerimoniais necessários, cabe à comunidade concelhia a soberania de decidir se a festa se realiza ou não no próximo ano. A eleição do(a) Mordomo, que resulta da votação dos presentes nesta reunião, recai sobre o candidato que apresentar as características mais consentâneas com o desempenho da sua função. Feita a escolha pelo povo, o(a) Mordomo tem como primeira missão escolher a equipa que irá compor a Comissão Central (cerca de 250 pessoas), estrutura organizativa responsável pela realização da festa. A Comissão é constituída por vários Mordomos Sectoriais cuja função é de coordenar as tarefas necessárias ao desempenho das suas responsabilidades, além de coadjuvarem o(a) Mordomo principal noutras tarefas. Estando a Comissão Central constituída, iniciam-se as primeiras reuniões sectoriais e os primeiros contactos com as Juntas de freguesia, escolas e ruas. Escolhe-se o cartaz e elabora-se o programa. Nas 11 freguesias do concelho inicia-se o período de inscrições para levar Tabuleiros no Cortejo que, normalmente, encerram no próprio dia, momento que atesta a vitalidade da festa na comunidade. Também decorrem a elaboração de flores de papel para os Tabuleiros das respetivas localidades e as eliminatórias dos Jogos Populares, participando nestas dinâmicas preparatórias pelo concelho cerca de 1000 pessoas. A participação na reprodução da festa envolve, em média, 8000 pessoas, cerca de 3000 para o Cortejo dos Tabuleiros e dos Rapazes. Além da estrutura organizativa formal (já referida no Anexo I, ponto 6.1.2), há a salientar o envolvimento da comunidade neste processo de preparação do culto, o que atesta a profunda relação da população de Tomar com a “sua” festa. O período preparatório da festa gera um conjunto de dinâmicas comunitárias, expressas na participação de uma maioria significativa de tomarenses, de agentes culturais, associações, agrupamentos escolares e instituições particulares de solidariedade social. Nas Juntas de Freguesia, centros comunitários ou associações organizam-se núcleos de trabalho que elaboram as flores de papel para ornamentação dos Tabuleiros e ruas do centro histórico e outros espaços da cidade, atividade que principia com vários meses de antecedência. Em alguns casos, como por exemplo na união de freguesias urbanas (São João Baptista e Santa Maria dos Olivais), estes trabalhos iniciam-se em setembro e acabam em junho (10 meses). As Instituições Particulares de Solidariedade Social, como o CIRE (Centro de Integração e Reabilitação de Tomar), ou a Associação de Saúde Mental do Médio Tejo, participam nos projetos de ornamentação de algumas ruas. Nos estabelecimentos de ensino concelhio, preparam-se, ao longo do ano letivo, várias atividades lúdicas e pedagógicas, que visam reforçar o envolvimento e participação ativa da comunidade escolar, através da transmissão intergeracional de conhecimentos da prática festiva. Em suma, a realização da Festa dos Tabuleiros envolve a participação de vários grupos e classes sociais, de instituições e associações culturais, desportivas e recreativas, que coadjuvam nas tarefas de organização da festa, um momento ímpar da vida concelhia que promove um sentido comunitário por parte dos locais e seus descendentes através de várias formas de participação na festa e nas suas dinâmicas preparatórias durante largos meses. Por outro lado, o processo conducente à realização da festa estimula a cooperação entre a comunidade, os agentes e instituições, fortalecendo as relações sociais e afetivas entre os grupos e indivíduos nela envolvidos. Podemos afirmar que uma maioria muito significativa de cidadãos sentem a festa como sua e de alguma forma nela intervirá: ou colaborando na organização, participando nas competições dos Jogos Populares, na decoração das ruas ou na simples devoção em Domingo de Cortejo, na Missa solene, ou nas ruas vendo passar os Tabuleiros, revelando um sentimento identitário que encontra expressão no esforço coletivo. É ainda importante salientar a redistribuição de géneros alimentares pelos mais carenciados, durante o último dia da Festa – a Pêza – atestando que estes mecanismos de solidariedade social, num momento de festa em comum, edificam a comunidade como um todo, procurando reforçar a sua coesão interna, a par da ligação ao evento festivo.
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direito privadoSão detentores dos direitos de caráter privado os crentes que indubitavelmente praticam a sua devoção, respeitando o direito público e liberdades individuais.
    Direito canónico Os direitos de caráter canónico pertencem à igreja católica e presidem à dimensão litúrgica do culto através dos membros do clero (Vigário e Bispo de Santarém), conforme a respetiva lei eclesiástica. Igreja Católica
    Direito consuetudinário localÉ detentora dos direitos coletivos de caráter consuetudinário a comunidade do concelho de Tomar, competindo-lhe os modos específicos em que se praticam as tradições coletivas relativas ao culto.
    Direito de autorA Câmara Municipal de Tomar, para a celebração da Festa de 1999, criou a marca nacional registada "Festa dos Tabuleiros" (Nº 338079), na categoria de ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS DE CARACTER CULTURAL E EDUCATIVO. Câmara Municipal de Tomar
  • Responsável pela documentação :
    Nome: André Camponês
    Função: Investigador Bolseio (Instituto de História Contemporânea)
    Data: 2019/12/16
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
Logo Por Lisboa Logo QREN Logo FEDER