Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2020_003
  • Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos
  • Categoria: Manifestações musicais e correlacionadas
  • Denominação: Cantar os Reis em Ovar
  • Outras denominações: Cantar dos Reis de Ovar; Tradição Reiseira de Ovar; Reiseiros de Ovar; Reis de Ovar
  • Contexto tipológico: A prática performativa poético-musical de Cantar os Reis em Ovar é realizada todos os anos em espaços públicos e privados nos dias imediatamente anteriores e posteriores ao dia da festa dos Reis Magos (celebrada a 6 de Janeiro e também designada por Epifânia), em vários locais do concelho de Ovar. Embora partilhe algumas características com outras práticas em Portugal e noutros países da Europa, que ocorrem no mesmo contexto temporal, designadas genericamente por “Cantar os Reis” ou “Cantar as Janeiras”, em Ovar esta prática ao longo dos anos sofreu um processo de codificação artística, social e performativa que é reconhecida e afirmada localmente como diferenciada, uma vez que adquiriu um recorte cultural próprio, sofisticado ao nível da composição musical e poética, e especializado ao nível da performance, que não é encontrado nas outras práticas conhecidas a nível nacional e europeu.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): Comunidade Vareira de Ovar; Comunidade Vareira de Elizabeth, New Jersey; Comunidade Vareira de Vila Pery, Moçambique
  • Contexto territorial:
    Local: Espaços públicos em auditórios ou sedes das colectividades, cafés, restaurantes, instituições - escolas, lares de terceira idade, tribunal, biblioteca, câmara municipal, prisão, hospital, entre outras
    Freguesia: Ovar
    Concelho: Ovar
    Distrito: Aveiro
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Centro \ Baixo Vouga
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Anual
    Data(s): 2 a 6 de Janeiro
  • Caracterização síntese:
    A tradição de Cantar os Reis em Ovar é uma prática poético-musical multi-localizada, performada em colectivo, localmente, em espaços públicos e privados do concelho de Ovar por ocasião da Festa dos Reis Magos (6 de Janeiro), em formato apresentativo. Envolve a performance musical de repertórios polifónicos próprios contendo partes solisticas, de grupos corais e instrumentais (as trupes ou “troupes”) formados por ovarenses, dirigida a indivíduos ou instituições específicas, contendo mensagens cantadas alusivas aos valores de base cristã inspiradas pelos episódios do ciclo de Natal, nomeadamente o da visita dos Reis Magos.

    A performance das Troupes de Reis promove trocas materiais (alimentos, bebidas e dinheiro) e simbólicas (música, poesia, canto, homenagem e reconhecimento pessoal) com os seus destinatários, que contribuem para a afirmação e redefinição permanente dos papéis sociais, sendo a performance musical o principal interface dessa relação dialógica. Esta prática está documentada ininterruptamente desde o século XIX, tendo no seu centro as Troupes de Reis, no âmbito das quais se dão os processos de transmissão e de renovação dos valores e dos conteúdos subjacentes. Um exemplo, entre outros, é o facto de a música incluir uma sequência codificada de três peças, designadas localmente por Saudação, Mensagem e Despedida, estrutura esta apreendida e compreendida no contexto dos ensaios e das apresentações anuais.
  • Caracterização desenvolvida:
    O Cantar os Reis em Ovar é uma prática poético-musical multi-localizada, performada em colectivo, em espaços públicos e privados do concelho de Ovar por ocasião da Festa dos Reis Magos (6 de Janeiro), em formato apresentativo. Envolve a performance musical de repertórios polifónicos próprios, contendo partes solísticas, por grupos corais e instrumentais (designados por trupes ou “troupes”) formados por ovarenses – ou Vareiros - dirigida a indivíduos ou instituições específicas locais, contendo - no presente - mensagens cantadas alusivas aos valores de base cristã inspiradas pelos episódios do ciclo de Natal, nomeadamente o da visita dos Reis Magos.

    As Troupes de Reis

    As Troupes de Reis (ou também escrito apenas “trupes” ou “Troupes Reiseiras”) são grupos formalmente organizados que incluem um coro, cantores solistas e um grupo instrumental de acompanhamento, totalizando entre 30 e 60 pessoas, na esmagadora maioria de naturalidade ou residência em Ovar (designados Vareiros). Muitos dos componentes das troupes mantêm-se ano após ano, mas é também comum a circulação de membros entre diferentes Troupes de Reis ao longo dos anos (Costa 2004). O coro, que pode ser apenas masculino, misto, ou apenas feminino, é formado por um número variável de cantores (entre 15 e 45, aproximadamente). Os solistas são geralmente três, executando cada um deles as partes solísticas de cada uma das três músicas apresentadas, e o grupo de instrumentistas é variável incluindo entre 4 e 15 músicos. Os instrumentos mais comuns usados no acompanhamento são o violão (ou “guitarra clássica”, como também é designada), o violino, o bandolim e a flauta transversal, mas também há Troupes de Reis que incluem o violoncelo, o clarinete, o acordeão, a concertina e, por vezes, alguns instrumentos de percussão como o bombo, a caixa, o triângulo, ou a pandeireta.

    No presente, à falta de uma existência jurídica autónoma, as trupes ou Troupes de Reis (ou ainda “Troupes Reiseiras”) estão institucionalmente afiliadas a escolas ou a colectividades das quais, em muitos casos, retiram a própria designação e é também nas suas instalações que realizam os seus ensaios e encontros (Ex: Troupe de Reis da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ovar; Troupe de Reis da Associação Cultural e Recreativa de Sande, Salgueiral e Cimo de Vila; Troupe de Reis da Casa do Povo de Válega; Troupe de Reis da Associação Cultural e Recreativa da Ribeira; Troupe de Reis da Associação Cultural e Atlética de Guilhovai; Troupe de Reis da Associação Cultural e Recreativa de Valdágua; Troupe de Reis da Associação Desportiva Ovarense (ADO); Troupe de Reis da Associação dos Antigos Alunos da Escola Oliveira Lopes; Troupe de Reis da Sociedade Musical Boa União (Música Nova); Troupe de Reis do Grupo Folclórico "Os Fogueteiros de Arada"; Troupe de Reis do Orfeão de Ovar; Troupe de Reis do Grupo Folclórico "Os Moliceiros de Ovar"; Troupe de Reis Infantil da Escola Básica de Oliveirinha; Troupe de Reis da Escola Básica dos Combatentes; Troupe de Reis Infantil da Escola Básica da Habitovar; Troupe Infantil de Reis do ATL da Ribeira; Troupe de Reis Infantil da Stª Casa da Misericórdia de Ovar; Troupe de Reis infantil da Cercivar). Outras troupes que não têm ligação ou conotação com nenhuma instituição em particular usam instalações emprestadas por associações locais (Exs: Troupe de Reis JOC/LOC; Troupe de Reis da Casa da Amizade; Troupe de Reis Tradição e Juventude).

    Estas colectividades promovem habitualmente outras actividades sociais, variadas, centradas na cultura, no recreio, no desporto, ensino ou na benemerência, por exemplo, sendo o Cantar os Reis uma actividade circunscrita temporalmente e, por isso, marginal no seu quotidiano. Não obstante os membros de cada troupe podem ser, ou não, associados da colectividade e participantes, ou não, de outras actividades aí desenvolvidas. Durante a época de ensaios e apresentações os membros da troupe frequentam as instalações da colectividade onde ensaiam.

    Ao longo do século XX as Troupes de Reis foram sendo criadas e desaparecendo em contextos de sociabilidade por vezes ligados ao associativismo local, mas também por outros critérios como, por exemplo, a vizinhança entre os membros, a existência de laços de amizade e afinidade pessoal e familiar ou outros (exemplos são a Troupe dos Velhos, Troupe dos Novos, Troupe dos Rouxinóis, Troupe da Arruela, Troupe do Comércio e Indústria, Troupe da Ponte Nova, Troupe das Noelistas, entre outras). No presente cada troupe exibe uma indumentária própria que permite identificá-las facilmente. Consiste num cachecol colorido e, quase sempre, uma boina, boné ou gorro da mesma cor que são usados por todos os membros durante todo o período do Cantar os Reis.

    Todos os anos cada troupe tem o seu próprio repertório novo - letras e músicas - para apresentar que consiste em três composições musicais polifónicas, com solos vocais e acompanhamento instrumental. Essa característica exige que todas as troupes antecipadamente solicitem a um compositor e a um letrista novas composições. Uma vez disponibilizado este repertório cada Troupe de Reis designa um responsável musical que ensina as músicas aos coralistas, aos solistas e instrumentistas, e dirige os ensaios antes das apresentações públicas. Este ensaiador pode ter necessidade de realizar arranjos no repertório em função das vozes e dos instrumentistas disponíveis em cada ano para integrar a troupe. Em vários casos também, no presente, o ensaiador pode acumular funções como instrumentista, solista ou cantor e, até, compositor ou letrista.

    As Troupes de Reis têm ainda um ou vários responsáveis pela organização logística e pela representação institucional da troupe. Cabe a estas pessoas o interface da troupe com as instituições (eventualmente até com a própria associação à qual a Troupe de Reis está ligada, no caso de não serem também dirigentes dessa associação); a “encomenda” das letras, das músicas e dos arranjos ao compositor e ao letrista; a designação do ensaiador e eventualmente, em conjunção com este, dos solistas; o convite aos novos e velhos instrumentistas e cantores; a organização do transporte dos membros da troupe para ensaios e actuações; a combinação das actuações com os responsáveis das outras instituições, dos estabelecimentos comerciais (cafés, restaurantes, etc.) e com as famílias das casas particulares; a participação em reuniões com a autarquia; entre outras tarefas. São “vareiros”, geralmente adultos, com forte e duradoura ligação à tradição reiseira e, em alguns casos, com notoriedade pública em Ovar pela sua acção em colectividades e outras instituições locais. Alguns dos responsáveis nas Troupes de Reis desempenham este papel numa lógica de continuação familiar na sequência de mais velhos o terem desempenhado antes e através de quem, na sua juventude, se envolveram na tradição reiseira. Estes responsáveis podem também ser membros performativos das troupes integrados mais frequentemente no grupo dos coralistas mas havendo alguns casos de solistas.

    Maioritariamente os componentes das troupes – solistas, instrumentistas e coralistas - vivem ou são naturais do concelho de Ovar, membros da auto-designada comunidade vareira. Os solistas - que em várias troupes se repetem ano após ano - são reconhecidos entre os seus pares de troupe pelas qualidades vocais e de interpretação musical. Trata-se de homens ou mulheres adultas que não têm necessariamente formação musical específica para cantar a solo, sendo normalmente três em cada Troupe de Reis e ficando a cargo de cada um o solo de um dos números do programa musical, distribuindo assim o esforço e a responsabilidade. Quando não estão a executar solos, os solistas fazem parte do coro. Em função da sua exposição pública no âmbito do Cantar os Reis podem ser personalidades conhecidas no concelho de Ovar.

    Os coralistas frequentemente têm laços de parentesco ou amizade próxima com outros membros das troupes em que estão envolvidos, reconhecendo-se todos na identidade vareira. Tal como foi referido atrás há muitos coralistas que, ao longo dos anos, participam em várias troupes, acumulando experiência e conhecimentos. O espectro etário dos coralistas abrange desde os 13 anos até acima dos 80. Em algumas troupes presentemente activas os coros são apenas masculinos (Troupe de Reis da JOC-LOC, Troupe de Reis do Orfeão de Ovar e Troupe de Reis da ADO), existindo uma troupe cujo coro é apenas feminino (Troupe de Reis da Casa da Amizade) sendo as restantes com um coro misto. Neste caso – coro misto - as vozes dos coralistas são divididas por dois grupos (“masculinas” e “femininas”, ou outras designações) e, raramente, em 4 vozes segundo a tessitura clássica dos coros (“sopranos”, “contraltos”, “tenores” e “baixos”). Nos casos dos coros só masculinos ou femininos as vozes estão divididas em três grupos (designados “primeira voz”, “segunda voz” e “terceira voz”, assim separados pelo papel musical que executam e não correspondendo necessariamente à divisão clássica das vozes segundo a tessitura: tenores, barítonos e baixos para as masculinas, e soprano, mezzo-soprano e contralto para as femininas). Independentemente das vozes que executam, os coralistas não precisam de ter formação musical específica – incluindo a leitura – para participar na troupe. A experiência que vão adquirindo ao longo dos anos e o apoio dos colegas e amigos dentro do coro ajudam a desempenhar com maior segurança o papel correspondente.

    Os preparativos

    No período da preparação do Cantar os Reis, que se inicia alguns meses ou semanas antes do Dia dos Reis (6 de Janeiro) os membros das troupes encontram-se em convívio após os ensaios, aprofundando as relações pessoais e o conhecimento uns dos outros. No caso das troupes cujo coro é exclusivamente formado por homens estes momentos de sociabilidade estabelecem ambientes de confraternização associadas à construção social da masculinidade, envolvendo a frequência de bares ou cafés e marcadas por conversas e histórias em torno de interesses comuns aos homens.

    Os instrumentistas que constituem os grupos de acompanhamento das troupes, tal como os coralistas, são Vareiros, de várias idades, mas com predominância de jovens e jovens adultos (entre os 12 e os 20 anos). Quase todos têm formação musical específica no seu instrumento e são capazes de ler música, o que facilita muito a sua participação nas performances da troupe. O nível técnico em que os instrumentistas se encontram no conhecimento do instrumento não é impeditivo para participarem. Nos casos em que os instrumentistas não têm ainda muito conhecimento, ou mesmo nos casos em que não lêem música escrita – sobretudo no violão (guitarra) – são realizados arranjos simplificados para que estes possam tocar e são-lhes dadas indicações pelo ensaiador e pelos colegas. No caso dos instrumentistas com maior desenvolvimento técnico são-lhes ser confiados pequenos solos do repertório que implicam algum virtuosismo. Uma parte dos instrumentos toca acompanhamentos rítmico-melódicos – casos do violão, do acordeão e do cavaquinho – ao passo que outros contribuem melodicamente para a textura polifónica (violinos, violoncelo, bandolins, flautas, clarinete, o acordeão e a concertina), sendo que os instrumentos de percussão, sublinham a dimensão rítmica das peças do repertório. Nos anos de 2015 e 2016 foram identificados nas troupes activas muito poucos casos de instrumentistas que vêm das freguesias limítrofes de Ovar. No contexto do Cantar os Reis em Ovar os instrumentistas que acompanham a troupe têm um estatuto especial no que respeita à sua participação. Não é considerado o seu género no caso das troupes cujo coro é apenas de um género (ou seja, nas troupes cujo coro é apenas masculino, no grupo instrumental, além de homens são admitidas mulheres, e vice-versa), no caso de serem adolescentes (menos de 16 anos) a sua classe etária também não é importante para a participação no grupo instrumental da troupe independentemente da média etária dos membros do coro e, finalmente, a sua proveniência geográfica, no caso de não serem “Vareiros” também não é decisiva para a sua admissão numa Troupe de Reis. Aparentemente a importância que representam para as troupes e para a tradição reiseira admite estas excepções em relação aos coralistas ou aos solistas.

    O ingresso numa Troupe de Reis é feito por convite do ensaiador ou dos dirigentes responsáveis ou ainda por proposta de um membro já pertencente ou mesmo por iniciativa do interessado junto dos responsáveis. A aprendizagem dos repertórios faz-se nos ensaios colectivos, quer por imitação e repetição com o ensaiador, quer por leitura musical.

    Há uma grande predominância de membros das mesmas famílias ou de grupos de amigos ou vizinhos, Trata-se de pessoas com fortes ligações a Ovar e com um profundo sentimento de pertença à comunidade vareira. Muitas pessoas participam nesta tradição durante dezenas de anos, eventualmente sempre na mesma troupe e, do mesmo modo, as pessoas e famílias que recebem as troupes em suas casas ao longo dos tempos, são também conhecedoras da tradição reiseira e fazem-no sempre por combinação prévia. Também as algumas famílias recebem durante décadas em suas casas as mesmas troupes ano, após ano. De resto este é um traço central da história e da permanência da tradição reiseira.

    Os ensaiadores, compositores e letristas são frequentemente indivíduos locais, ainda que vivendo fora de Ovar. É muito importante o conhecimento desta tradição e as suas especificidades para dar resposta competente às demandas de cada uma destas funções. É muito importante conhecer a estrutura musical e poética do Cantar os Reis em Ovar, bem como os seus modos de performance. As características estilísticas do ponto de vista musical são reconhecidas pelos intervenientes na tradição reiseira (quer performando, quer ouvindo) e, por essa razão, devem ir ao encontro de determinados traços composicionais, ainda que variados de troupe para troupe. Mas na verdade ao longo dos anos cada troupe acaba por definir uma identidade própria que se manifesta na performance, na linguagem e estilo musical, nas mensagens contidas nas letras, na instrumentação do acompanhamento e até, do ponto de vista visual, através do cachecol e boina ou chapéu colorido que todos os membros das troupes usam. A condição Vareira é, assim, nestes casos, muito valorizada ainda que nem sempre se consiga encontrar em Ovar todos os responsáveis pela composição musical. Por norma a contribuição de ensaiadores, compositores, (eventualmente arranjadores) e letristas para com as troupes é inteiramente graciosa.

    As troupes infantis seguem, genericamente os mesmos princípios apesar terem uma estrutura mais simplificada, uma vez que apenas têm coralistas. Os solos são realizados por duos ou trios que se destacam do coro. Trata-se sempre de alunos das escolas do primeiro ciclo do ensino básico de Ovar orientados musicalmente por um professor de música da própria escola ou convidado para esse efeito. A parte de organização logística fica a cargo dos professores da escola, sendo que as letras podem ser compostas por professores, outras pessoas convidadas ou até escritas colectivamente pelas crianças. As composições musicais são solicitadas aos professores de música ou outras pessoas conhecidas no âmbito da escola e os acompanhamentos musicais, da responsabilidade dos ensaiadores, são realizados com gravações previamente feitas, reproduzidas em simultâneo com a performance do coro e dos solistas.

    Os preparativos do Cantar os Reis podem-se iniciar alguns meses antes da performance propriamente dita, com a composição das letras e das músicas que serão apresentadas na próxima época. Cada troupe tem os seus colaboradores próprios que elaboram as letras e as músicas, geralmente a 2 ou 3 vozes diferentes, que depois serão ensaiadas pacientemente, ao longo de várias semanas, em grupo.

    A composição das músicas e letras é de enorme importância para Cantar os Reis porque a originalidade é, neste contexto, indispensável. De resto, a originalidade parece ser o valor central e mais importante na identificação e legitimação social das Troupes de Reis no presente, mais importante até do que o estilo musical que cada troupe adopta. Num certo sentido a “originalidade” das composições configura-se com maior evidência como um tropo de distinção na tradição reiseira do que o “estilo musical” próprio dos Reis. Daí a importância dada aos compositores e aos letristas que, em muitos casos, ano após ano, se repetem na produção das composições originais que alimentam a tradição.

    Os últimos dias do mês de Dezembro, em plena época de Natal, marcam os preparativos finais de cada Troupe Reiseira antes da estreia pública dos cânticos de cada ano. Os ensaios adensam-se e as expectativas e perspectivas tomam lugar na vida de cada um e da troupe colectivamente assumida. São realizados contactos com entidades públicas (Câmara Municipal, Escolas, Lar da Terceira Idade da Santa Casa da Misericórdia, Cadeia, Biblioteca Municipal, Tribunal, entre outras), as colectividades, os proprietários de estabelecimentos comerciais, cafés, restaurantes, bares, e as casas particulares para o agendamento das apresentações.

    A performance do Cantar os Reis

    O dia 2 de Janeiro marca a primeira apresentação das troupes em público que, em grande número, comparecem nas instalações da Santa Casa da Misericórdia de Ovar e no salão do Orfeão de Ovar actuando por ordem de chegada.

    Na Santa Casa da Misericórdia de Ovar a actuação de cada troupe tem lugar numa sala ampla com cadeiras e sofás dispostos em formato de plateia onde se sentam os utentes do Lar de Terceira Idade, os técnicos e dirigentes da instituição, alguns familiares dos utentes e eventualmente de membros das outras troupes que entretanto já se encontrem no local para as suas próprias actuações. A troupe actua num dos extremos da sala, junto a um balcão de bar, perante a sua assistência. A tomada dos lugares da troupe é feita informalmente, à vista de todos. Na parte da frente colocam-se os instrumentistas, sentados em cadeiras em semi-círculo (ou em pé no caso dos violinos, flautas e clarinete) eventualmente com estantes onde colocam as partituras. Por trás destes colocam-se os membros do coro em duas ou três filas paralelas, juntando-se por vozes da esquerda para a direita. Os solistas ficam também integrados no coro, normalmente na zona central, na fila da frente. Este tipo de disposição - instrumentistas à frente, coralistas atrás, solistas no centro - mantém-se em todas as outras actuações. Por vezes, dada a exiguidade dos espaços nas casas particulares, pode haver necessidade de outros arranjos na posição, mas é importante o contacto visual entre o elemento (normalmente o ensaiador ou um instrumentista) que “dá a entrada” (ou seja o sinal para o início sincronizado da música entre todos) e o resto do grupo.

    Enquanto os membros da troupe se posicionam no local onde vão actuar, dois ou três elementos distribuem pela assistência um folheto que contém informações sobre a actuação que se seguirá: a identificação da troupe, as letras cantadas, os nomes do compositor, do letrista e do ensaiador e, eventualmente, de todos os elementos da troupe, quer do coro, quer do grupo instrumental. Estes folhetos, feitos às centenas, são distribuídos em todas as actuações das troupes e constituem objectos práticos, informativos sobre o momento, sendo também coleccionáveis. Além do conteúdo informativo escrito podem conter fotografias, ilustrações, dados de contacto da troupe e logótipos de empresas e instituições locais patrocinadoras.

    A actuação quase sempre é feita sem apresentações faladas e escutada em silêncio. As músicas “Saudação”, “Mensagem” e “Agradecimento ou despedida” podem ter introduções e interlúdios apenas instrumentais e têm sempre partes vocais solisticas, muitas vezes em diálogo musical com o coro. O grupo instrumental acompanha permanentemente o coro e os solistas (a interrupção do acompanhamento instrumental é, por vezes, aproveitada em pequenas partes das músicas com um propósito musical de intensificação dramática, permitindo centrar a atenção dos ouvintes na voz dos cantores e no texto cantado). O andamento e o estilo ritmico-melódico das músicas são muito variados, mas o terceiro número é frequentemente num estilo festivo, com o ritmo bastante marcado (que permite muitas vezes o acompanhamento do público com palmas a acentuar a marcação do tempo). Este repertório de três composições é executado sequencialmente, havendo aplausos entre as músicas e, no final do terceiro número um dos responsáveis da instituição que recebe a troupe, neste caso da Santa Casa da Misericórdia, oferece uma lembrança ao responsável máximo da troupe. Entretanto, num balcão dentro da própria sala, ou num espaço ao lado, está disponível bolo rei e vinho do Porto para os membros da troupe se servirem livremente. Deste local cada troupe parte para outras actuações em locais previamente combinados.

    Num esquema próximo daquele aqui descrito, entre os dias 2 e 6 de Janeiro de cada ano as troupes apresentam-se dezenas de vezes em outros espaços públicos ou privados, na cidade de Ovar e nas freguesias do concelho, repetindo o seu repertório perante os ouvintes sempre com a mesma forma, seriedade e cuidado, independentemente do local em que o fazem. Em locais públicos, com regularidade, as troupes são recompensadas com dinheiro, alimentos e bebidas - geralmente vinho do Porto e Bolo Rei. Em algumas casas particulares, além da recompensa em dinheiro, as troupes são convidadas a fazer uma ceia partilhada com os donos das casas, podendo prolongando-se esse convívio durante algum tempo. Várias troupes utilizam o dinheiro assim angariado para pagar pequenas despesas de deslocação, ou outras, oferecendo a maior parte do montante para instituições de solidariedade social ou ainda utilizando esse dinheiro para actividades das colectividades às quais se encontram ligadas. Após a época das apresentações das Troupes de Reis é organizado um momento de convívio entre os membros das troupes, geralmente um almoço ou jantar.

    A performance musical, organizada em três momentos ou números, atrás mencionados - também designados por “Saudação”, “Mensagem” e “Despedida ou Agradecimento” - estrutura-se sobre características rítmicas, melódicas, (eventualmente harmónicas), vocais e instrumentais diferenciadas. Também as letras encerram mensagens que correspondem a três momentos psicológicos diferenciados, tal como a sua designação propõe. A “Saudação” refere-se ao momento de encontro e de interpelação aos ouvintes; a “Mensagem” centra-se no anúncio e celebração do complexo de eventos que envolvem a descrição bíblica do nascimento de Jesus Cristo, do seu significado teológico como mistério da Encarnação, e da visita dos Reis Magos como registo simbólico da Adoração dos homens de todas as condições; o “Agradecimento ou Despedida” exprime o agradecimento pela atenção prestada e os votos de bons augúrios para o futuro. Deve notar-se, porém, que as letras que foram localizadas e identificadas das décadas de 1920 e 1930 (Arquivo Municipal de Ovar - partitura: Os Reis 1922, letra de Eugénio Ribeiro, música de Francisco Matos; - folheto dactilografado Reis 1924 “música ó ai chegadinho”; - folheto dactilografado Reis 1925 Canção [música A filha do Regimento, ópera de Donizetti]; folhetos de 1927, 1928, 1929, 1930, 1933 entre outras) não apresentam estas temáticas, centrando-se em referências exclusivamente dedicadas à bebida e assumidamente à boémia. Apenas a partir da década de 1930 (Arquivo Municipal de Ovar - folhetos dactilografados Reis 1933, 1934; ADO 1935, entre outros) as letras começam a referir-se levemente à temática religiosa, mas mantendo um forte ênfase na dimensão poética de certas imagens típicas da lírica estudantil, como a noite, a saudade, o luar ou o frio.

    De acordo com Sá (2013: 10) as peças musicais que servem cada um destes momentos aparecem em partituras antigas referidas como “Tango, Valsa e Marcha”, numa alusão ao andamento marcado de cada uma delas que, do ponto de vista musical, contribuiriam para o sublinhar das atmosferas temáticas das letras. Todavia os discursos e as práticas do presente apresentam-se discordantes com uma concepção rígida, havendo referências - no carácter e andamento das composições musicais - à “balada”, à “música napolitana”, ao “bolero”, ao “tango”, ao “slow-rock”, entre vários outros, ao lado da concepção baseada nos compassos 4/4; ¾ e 2/4 para cada uma das composições sucessivas. Assim, nos repertórios recentes é perceptível um andamento moderado na “Saudação”, um andamento mais lento e meditativo na “Mensagem” e um andamento rápido e festivo na “Despedida ou Agradecimento”, apesar das diferenças estilísticas e de conteúdo musical que as várias troupes propõem.
  • Manifestações associadas:
    Podem considerar-se duas manifestações associadas ao Cantar os Reis em Ovar e directamente conectadas com este: a prática de Cantar os Reis por troupes organizadas segundo os mesmos moldes de Ovar, em Moçambique (Vila Pery) e nos Estados Unidos (Elizabeth, New Jersey), que não está activa no presente; e a prática de Cantar os Reis por troupes infantis, num circuito e moldes próprios, no concelho de Ovar. O Cantar os Reis em comunidades de vareiros em Moçambique e nos Estados Unidos teve lugar, respectivamente entre 1965 e 1974 e entre 1948 e 1965, realizado por troupes organizadas e dinamizadas localmente por vareiros emigrados. No caso das troupes de Elizabeth há a notícia da gravação de dois discos em 1949 e em 1952. As troupes infantis iniciaram-se na década de 1980 no contexto das escolas do primeiro ciclo, organizadas por professoras com a ajuda de músicos reiseiros. O objectivo era dar a conhecer e experimentar às crianças esta tradição do concelho de Ovar, numa lógica de enculturação. Assim, por vezes, são os próprios alunos que concebem as letras cantadas dos seus repertórios também originais. Desde então esta prática alargou-se a várias escolas do concelho que desenvolveram um circuito próprio pelas instituições públicas de Ovar (Biblioteca, Tribunal, Câmara Municipal, Escolas, Lares de Terceira Idade, Museu, Esquadra da PSP, Bancos e alguns estabelecimentos comerciais, entre outros) de que tem lugar, na sua maior parte, durante o dia entre os dias 4 e 10. As troupes infantis são constituídas por cerca de 30 crianças, com a participação de professores e auxiliares, apresentam a sua própria indumentária e um repertório original cantado com acompanhamento musical gravado. Embora não estejam directamente conectadas com o Cantar os Reis em Ovar, há duas outras importantes manifestações locais - em tempos sucessivos ao Cantar os Reis - que em discursos locais são apontadas como fazendo parte de um “ciclo cultural social anual” de Ovar. Trata-se do Carnaval de Ovar e das Procissões Quaresmais que mobilizam uma parte considerável da população da cidade, alteram a sua vida colectiva e apresentam uma importante dimensão turística, atraindo visitantes. O Carnaval de Ovar envolve centenas de pessoas organizadas em grupos carnavalescos que desenvolvem actividades colectivas formais e informais tendo o seu ponto mais alto nos bailes e desfiles de rua na semana do Carnaval, com carácter competitivo, organizados desde 1952 pela Junta de Turismo; as cinco Procissões Quaresmais - conhecidas localmente por Terceiros, Passos, Ecce-Homo, Via-sacra e Enterro do Senhor - decorrem ao segundo um calendário específico e que, de acordo com os organizadores remontam ao séc. XVIII.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: As dimensões centrais do Cantar os Reis em Ovar - composição musical e literária, performance e audição - têm mecanismos de transmissão diferentes, formais e informais, orais e escritos, complementados, obviamente, pela observação da prática. É importante referir a existência de vários textos de opinião publicados na imprensa periódica sobre diferentes vertentes do Cantar os Reis que contribuem para a definição de princípios teóricos sobre assuntos tão variados como a estrutura musical e performativa, o conteúdo das letras, a constituição da Troupe de Reis, a instrumentação a usar, o tipo de vozes, os géneros e estilos musicais indicados, o comportamento dos elementos da troupe, entre outros assuntos. Estes textos expressam um conjunto de ideias e princípios genericamente conhecidos e aceites em Ovar.

    Desde a década de 1980 têm sido organizadas troupes infantis (a primeira apareceu em 1977) nas escolas de Ensino Básico do primeiro ciclo de Ovar que se apresentam formalmente em vários contextos, reproduzindo o modelo das Troupes Reiseiras formadas por adultos. Estas troupes infantis, com um importantíssimo enquadramento escolar e educativo, funcionam como poderosos mecanismos de enculturação da “tradição reiseira” entre a população local, que contribui para a transmissão de valores estruturantes do Cantar os Reis.

    As vertentes criativas (música e letras) não têm métodos específicos formais para a sua transmissão, excepto no que diz respeito à compreensão dos pressupostos estéticos (estilo musical), formais (três “números”) e performativos (solistas, coro e instrumentos) que devem estar adequados. A este propósito circulam oralmente ideias e mesmo textos “doutrinários” (Sá 2013) sobre características musicais (instrumentos, vozes e ritmos a usar em cada “número”) que com frequência se encontram na prática das várias troupes.

    A vertente performativa é transmitida através da prática propriamente dita, da observação da actuação das troupes e da troca de informação inter pares. Mas é antecedida por ensaios colectivos, formais, dirigidos por um responsável que ensina o repertório aos coralistas das troupes por mimese oral. Já os instrumentistas na sua maior parte utilizam partituras contactando com o repertório através de fontes escritas.

    Finalmente a vertente de audição - de grande importância já que inclui, além da escuta musical em atitude silenciosa, outros ingredientes de apreciação e de troca - transmite-se informalmente por observação da prática e pela experiência dos comportamentos associados à audição das troupes.
    Data: 2016/02/01
    Modo de transmissão oral e escrita
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Elementos das troupes reiseiras (solistas, coralistas e instrumentistas), compositores e letristas, ensaiadores, dirigentes associativos, professores, eruditos locais e população do concelho de Ovar.
  • Origem / Historial:
    Os Cantares de Reis estão disseminados um pouco por todo o país e em muitas outras regiões da Europa, apresentando um conjunto de ingredientes que podem ou não estar presentes nas várias tradições: visitas colectivas, cortejos ou procissões, cânticos, ofertas materiais ou simbólicas em troca da visita e, em algumas tradições, a encenação ou representação com uma componente textual e a marcação ou inscrição de grafitos simbólicos nas casas. A origem destas tradições, de acordo com alguns autores, pode-se associar primeiramente à evocação do episódio bíblico da visita dos Magos ao presépio, no contexto dos dramas litúrgicos medievais e renascentistas de cariz catequético e, posteriormente, à acção expansiva e popularizante da religião cristã promovida no contexto da Contra-Reforma, a partir do século XVI. É nessa perspectiva que se podem entender as referências do final do séc. XVI ao Cantar os Reis em duas peças do dramaturgo português António Prestes no Auto do Procurador e no Auto dos Dous Irmãos:

    Primo se forem bem pagos / de terreiro aqui diremos / cantaremos, bailaremos / bem cantados uns Reis Magos.

    Vilão, i-vos, estai lá / cantai-lhe os Reis se cumprir. (Lopes 1587)

    Em todo o caso esta tradição registada historicamente em diversas fontes de proveniências diversas a nível europeu, manteve-se até ao presente também em diferentes contextos e configurações, apresentando, todavia, de alguma forma, todos ou alguns dos aspectos acima identificados: representação, visitas, cânticos, ofertas, marcação e textualização.

    No caso português, o Cantar os Reis, aparentemente, constituiu-se como prática cultural comunitária ao longo de séculos, marcada pela espacialidade e pela temporalidade. Centra-se na interpretação colectiva de cânticos – geralmente conhecidos a nível local da tradição oral e repetidos todos os anos - dirigidos a famílias e membros da comunidade que tem lugar no exterior (e também no interior) das suas casas, ocorrendo nos primeiros dias de Janeiro nas datas em torno da celebração da festa religiosa dos Reis Magos (6 de Janeiro).

    Várias notícias nos jornais locais da década de 1880 constituem as fontes mais antigas localizadas referentes ao “Cantar os Reis” em Ovar (O Povo de Ovar 1887, 1888, 1891; Ovarense 1891, 1893, 1895, 1897; Folha d’Ovar 1893, entre outros). Identificam “bandos” e “grupos de rapazes e raparigas” que “seguindo as velhas praxes (...) passaram muitas horas da noite cantando os Santos Reis de porta em porta, esperando remuneração dos seus tão inocentes e voluntários cânticos, em honra do Menino Deus (...)” (Folha d’Ovar, 1893). Um dos comentários lamenta que “A civilização materialista, egoista, vai acabando os antigos usos e costumes” (Povo d’Ovar, 1888), esclarecendo que esta tradição era já antiga em Ovar, tal como em muitos outros pontos do país.

    Não obstante existir certamente uma maior antiguidade nas práticas associadas ao Canto dos Reis em Ovar, os discursos locais (Fonseca e Oliveira 1994, Zagalo dos Santos 1962:27, Zagalo dos Santos 2001:91, Lamy 2001v2, Lamy 2005:167; Lamy 2009v3:208) tomam como momento inaugural da tradição reiseira o ano de 1893 pela razão de estar documentada nesse ano (ou no anterior, segundo Zagalo dos Santos 2001:91) a organização de um grupo de Reis em moldes que se considera apresentarem semelhanças com as práticas presentes. As descrições apontam para um organização de um grupo de homens jovens adultos usando acompanhamento instrumental, que saíram para cantar em coro às portas de casas de pessoas suas conhecidas. Os promotores deste grupo - de acordo com as fontes disponíveis e com a reiteração da história em sucessivas publicações - foram o músico amador João Alves Cerqueira e o seu companheiro, o poeta António Dias Simões, responsáveis, respectivamente, pelas músicas e pelas letras cantadas por essa “troupe”.

    Sabemos que esta iniciativa surgiu num contexto de forte intensidade criativa no âmbito das actividades amadoras teatrais e musicais locais, protagonizadas por elementos masculinos da sociedade civil, envolvendo lado a lado comerciantes, proprietários, médicos, funcionários e operários, entre outros, e igualmente os estudantes universitários de Coimbra em todas as suas dimensões boémia, empreendedora e beneficente. Decerto que a organização de uma Tuna Musical por volta de 1888 (O Ovarense, 6/01/1889, pg. 2), bem como a regular apresentação de récitas por “troupes” teatrais locais e a organização de saraus poético-musicais, integrados por artistas de Ovar, são bons exemplos da dinâmica cultural que enquadrava a emergência da prática sofisticada de Cantar os Reis na última década do séc. XIX.

    Aparentemente Cantar os Reis por grupos masculinos com uma elaboração musical complexa (alternância entre canto solista e canto coral a várias vozes com acompanhamento instrumental) tornou-se rapidamente numa prática local, repetida anualmente. A imprensa local, em 1898, faz um retrato animado e vivo do ambiente que se vivia nas ruas de Ovar nas noites de 5 e 6 de Janeiro: “Foram-se as noites de Reis. Que entusiasmo em a noite de ontem: luarenta como a de ante-ontem, um quase nada de menos brumosa e um pouco de mais fria. Cruzavam-se, entrechocacam-se e por vezes amalgavam-se os grupos que iam cantando os SS. Reis. Que ruído de vozes, de cantos e de música! Era a alegria, essa filha da excentricidade que se expandia e que estoirava. Por aqui um grupo de rapazes com rabecas, bandolins e pandeiretas; um outro de rapazes da Filarmónica Boa-União com diversos instrumentos; muitos outros de rapazes que, sem instrumentos de espécie alguma, faziam elevar as vozes num tom clássico e tradicional, gritando numa furia imensa, e por fim o grupo dos rapazes que formam a humanitária Corporação dos Bombeiros desta vila que cantaram num tom ainda não conhecido aqui e com versos suaves e encantadores pela originalidade e extravangância. Além dos grupos das raparigas furtando os rostos aos curiosos e cantando em vários tons, mais ou menso clássicos, mais ou menos conhecidos. Muita destas são encantadoras(...)” (O Ovarense, 9/01/1898, pg. 2).

    O Cantar os Reis encontra ainda vários testemunhos nas notícias da imprensa sistematicamente a partir da década de 1890. A designação “Troupes” para referir os grupos é encontrada em 1899, no jornal A discussão, em 1899 passando a ser utilizada sistematicamente a partir de então. Por esta altura as troupes são organizadas por indivíduos concretos, em círculos masculinos de convivência ou parentesco e realizam as actuações às portas das casas particulares com a assistência de populares que seguiam os membros do grupo para os poderem ouvir. Em algumas casas os membros das troupes eram convidados a entrar para receberem ofertas e, eventualmente, comidas e bebidas. Em 1903 A Discussão caracteriza os participantes do Cantar os Reis como “a mocidade chic da terra, em que predominava o elemento académico” (A Discussão). Em 1907 o Jornal d’Ovar identifica a “Troupe Estrela Polar” e a “Troupe da Philarmonica Ovarense” e, no ano seguintes, refere-se a uma “Troupe de Quarentões”.

    Já em 1910 o Regenerador Liberal, numa longa Crónica sobre os Reis em Ovar, identifica António Dias Simões e João Alves Cerqueira como autores do repertório cantado por uma “troupe”, dirigida por Manoel Rosas e formada por 18 jovens. A crónica descreve as visitas feitas a casas de amigos, pertencentes tal como os membros da troupe à elite local, referindo-se às bebidas e comidas que lhes foram servidas. Contudo esclarece também a diferença com que é vista, ao nível da elite masculina, esta prática, relativamente às práticas populares.

    E na verdade muitas [garrafas] durante essas noites, à luz do acetileno cairam… nas cestas com que se munem os grupos de reis e nas alvíssimas toahas de mesa das confortáveis salas de jantar, onde a amizade atrai sempre a roda das velhas relações que entre descantes e harpejos ali vem deixar boas festas. (...) Uma das troupes musicais - pois como sempre, ranchos de crianças e raparigas or aí cantaram… a seco, com todo gosto - que mais entusiasmo despertou e que mais saciou a sua própria sede de boémia de gente moça, foi a dirigida por Manoel Rosas. Trazia uma cauda de curiosos de se lhe tirar o chapéu. Nem admira. Sabia-se que a letra que ela cantava saira da talentosa pena do Sr. Dias Simões e a música da inspiração do Sr. João Alves Cerqueira (...) (Regenerador Liberal 13/01/1919. pg. 1).

    O interesse da população local pela prática de Cantar os Reis é grande e compreende-se por isso que as troupes de Reis comecem a proliferar, eventualmente ligadas a personalidades ou a instituições locais. Por exemplo em 1914 é referida a Troupe de Sócios da Música Ovarense, referente certamente aos sócios da Banda Filarmónica Ovarense, “que se apresentou bem ensaiada com canto e letra muito lindos. Deve ter feito boa colheita de garrafas...” (João Semana, 15-01-1914, pg. 4).

    As fontes referentes à década de 1920 incluem algumas letras cantadas e mostram inequivocamente que o Cantar os Reis se estruturava em três momentos musicais (Arquivo Municipal de Ovar, folhetos intitulados Reis de 1924, 1925, 1927, 1928). Conhecem-se os títulos de algumas músicas que eram então utilizadas num processo de “contrafacta” - apondo novas letras às músicas popularizadas já existentes - no Cantar os Reis (Exs: 1924 - “Música de Ó ai chegadinho”, provavelmente de uma Revista; “Valsa” e “com música da Aleluia” e uma versão alternativa “Com música do fox-trot Chic-chic”; segundo número dos Reis de 1928 música “Funny Charleston”; Reis 1929 primeiro e segundo números “Última Valsa”, terceiro número “Ora vejam só”). Nesta época a maioria das letras conhecidas não se baseia na evocação de aspectos religiosos associados ao episódio dos Reis Magos, mas sim à boémia, à bebida e aos tópicos da lírica académica como a saudade, a noite e o luar, denotando a dimensão masculina que a marcava. Emergem em 1921 duas instituições que terão uma centralidade importantíssima no Cantar os Reis até ao presente: a Associação Desportiva Ovarense (conhecida por A.D.O.) e o Orfeão Ovarense (que teve várias interrupções na sua existência, tendo sido refundado sob a designação de Orfeão de Ovar em 1956). Parece ser com a Troupe da ADO - a mais antiga em actividade - que se inicia, por volta de 1924, a distribuição de folhetos com as letras cantadas aos ouvintes, antes de cada actuação.

    Em 1933 a Troupe da ADO era constituída por 14 elementos, dos quais 5 instrumentistas: bandolim, bandola, violino e violões (foto no Ideal Vareiro, 15-01-1933, pg. 6 e folheto dactilografado “Reis A.D.O. 1933” do Arquivo Municipal de Ovar). Logo a seguir, no ano de 1936, estão documentadas as actividades desta troupe, mas também de uma Troupe dos Bombeiros Voluntários de Ovar e outra da Banda Filarmónica Ovarense (Banda Velha), que ao longo das décadas foram tendo existência irregular (folhetos da coleção privada de João Costa). Também nesta década de 1930 se começa a verificar um envolvimento das troupes na acção benemérita em favor de pessoas e instituições locais. Nesse sentido as temáticas das letras destas troupes começam a inclinar-se gradualmente para a história bíblica, sem abandonar o recorte lírico associado à noite, ao luar, à saudade e aos outros tropos da poesia estudantil clássica dessa época.

    Dentro de uma sociologia relacional convencional sustentada pelas elites, que reflectia o próprio clima ideológico que o país atravessava, ao longo das décadas de 1930 e 1940, a tradição sedimenta-se numa lógica de afastamento gradual da boémia masculina e de afirmação da dimensão religiosa da festa dos Reis Magos. Por outro lado verificam-se também alargamentos quer na faixa etária, quer no recorte social dos participantes e na popularidade entre os seus ouvintes. De resto, em 1938 surge uma troupe na zona popular da Ribeira de Ovar e em 1942, a “Troupe dos Rouxinóis” faz saber que, além das casas particulares, actuará nas escadarias da Câmara Municipal para que todos os interessados pudessem ouvir.

    No ano de 1945, já com repertórios musicais frequentemente classificados como “tango”, “valsa” e “marcha” e letras centradas nos “Santos Reis” (já longe dos pedidos de bebidas e garrafas) apresentaram-se a “Troupe dos Ribeirinhos”, a “Troupe da ADO”, a chamada “Troupe dos Rouxinóis” (activa entre 1935 e 1953, reaparecendo em 1956), e ainda a “Troupe do Comércio e Indústria” (activa entre 1940 e 1958) (folhetos da coleção privada de João Costa). Estas duas últimas troupes eram substancialmente apreciadas do ponto de vista musical e a sua actividade teve continuidade - de algum modo - em duas troupes extremamente influentes que permanecem em actividade até aos dias de hoje: respectivamente a Troupe do Orfeão de Ovar (1957) e a Troupe JOC-LOC (1959).

    Em 1950 a imprensa referia-se à ausência da “Troupe dos Bombeiros” e noticiava a actividade das troupes da Ovarense (ADO), “Rouxinóis”; "Júlio Dinis", "Comércio e Indústria", "Música Velha" e ainda a "Troupe da Saudade" formada por pessoas mais velhas que tinham feito parte da Ovarense anos antes. O período que atravessa as décadas de 1950 e 1960 marca, na prática do Cantar os Reis, o aprofundamento da masculinidade e da prerrogativa das colectividades no enquadramento institucional das troupes sobre a primazia que tinham representado as iniciativas individuais no passado. Mas é também a época em que têm lugar redefinições e actualizações de vários aspectos de ordem estética, de conteúdo poético, de performance artística excelente, de novos contextos públicos de exibição e de renovação da postura dos componentes das troupes nas visitas às casas. Num certo sentido a tradição reiseira adaptou-se às novas sociabilidades proporcionadas pelos espaços públicos dos cafés, durante a década de 1950, que se tornaram espaços privilegiados para apresentação das troupes, mas também a dimensão benemerente tornou-se mais importante. Várias troupes - que já não eram exclusivamente compostas por rapazes adultos, solteiros, mas incluiam homens mais velhos, habituados à tradição reiseira - juntavam as ofertas que recebiam durante Cantar os Reis, para depois as entregarem a instituições de assistência social. “Recebiam para dar”, de acordo com a voz de alguns destes reiseiros, como também tinham a preocupação sistemática de visitar e cantar para as populações prisioneiras, asiladas ou hospitalizadas.

    Nestes processos teve um papel determinante e modelar a compositora, arranjadora, letrista e ensaiadora Maria Amélia Dias Simões (1900-1980), até perto do seu desaparecimento. Esta professora, com formação musical formal - filha do poeta António Dias Simões (falecido em 1922) que já havia sido um protagonista da criação literária para o Cantar os Reis - foi responsável artística pelo Orfeão de Ovar, entre a década de 1950 e a década de 1970, além de escrever letras e adaptar músicas para as troupes da ADO, dos Bombeiros Voluntários, do Orfeão e da JOC-LOC, também as ensaiava. A partir dos seus últimos anos de vida todos os seus trabalhos vieram a ser naturalmente partilhados com a filha Edwiges Helena Gondim da Fonseca Pacheco (1929-2012) que lhes deu continuidade e até expandiu, não só adaptando músicas, mas também compondo ocasionalmente para outras troupes de Reis (Ribeira, Sande Salgueiral e Cimo de Vila, Casa do Povo de Válega) desde a década de 1980 até perto da sua própria morte. Estas duas personalidades - ainda que fossem mulheres num universo marcado pela masculinidade, não estavam envolvidas na actividade pública de Cantar os Reis - tiveram uma enorme influência na consolidação de um determinado estilo musical e literário, de pendor clássico. Usaram música de carácter tonal, da esfera estética da “canção napolitana”, imagens poéticas baseadas na natureza, nas relações humanas e nos valores cristãos, além de imprimirem uma grande exigência musical na performance a várias vozes e nos arranjos instrumentais que tiravam partido das capacidades dos elementos disponíveis. A intensidade artística das performances que as troupes apresentavam acabaram por definir um modelo estilístico que se mantém, em várias troupes, até ao presente.

    Em 1962, por exemplo, estavam activas a Troupe do Grupo Académico Vareiro, a Troupe do Orfeão de Ovar, a Troupe da Associação Desportiva Ovarense, a Troupe da Juventude Operária Católica (JOC) que foi ensaiada e cantou letras de Maria Amélia Dias Simões, uma delas sobre a música napolitana “Torna a Sorriento”, e a Troupe da Juventude Operária Católica de Válega que, inclusivé, apresentava quatro músicas em lugar das 3 convencionais, (músicas da autoria de Honório Resende e letras do mesmo e de Carlos Rodrigues).

    Nas décadas de 1950 e 1960 são referenciadas em artigos de imprensa outras troupes que eventualmente desapareceram mas que sistematicamente se apresentavam publicamente na escadaria dos Paços do Concelho e nos cafés. O número de troupes variava de ano para ano, entre 4 e 6 (sendo que o “núcleo duro” da Troupe da ADO, da JOC-LOC, do Orfeão de Ovar e dos Bombeiros Voluntários aparece quase sempre). A actividade expande-se para fora da vila de Ovar como, por exemplo, em 1957, em que a troupe ADO se deslocou a Palhal, Albergaria-a-Nova, para tocar numa casa particular. A dimensão das troupes alarga-se e consolida-se e, por exemplo, em 1969, a Troupe da JOC-LOC inclui 11 instrumentistas (6 violões, 3 banjolins, 2 violinos), 3 solistas e 26 homens membros do coro.

    Na década de 1970 são gravados discos comerciais (1970 - Troupe do Orfeão de Ovar; 1973 - Troupe da JOC; 1978 - Troupes de Reis do Orfeão de Ovar, JOC-LOC, ADO, Arruela e Poverello - Ordem Terceira de S. Francisco; 1980 - Troupes de Reis do Orfeão de Ovar, Pop-6, JOC-LOC e Associação Desportiva do Torrão do Lameiro) contendo os números musicais daqueles anos. Em 1978 a Rádio Renascença fez a transmissão em directo do repertório das cinco Troupes de Reis que nesse ano se apresentaram. A partir de 1973 José Ferreira Soares (localmente conhecido por Zé da Vesga (n. 1940)) passa a apresentar músicas originais nas troupes da Ponte Nova e da JOC-LOC, ao invés de adaptar canções conhecidas às letras originais, tal como era hábito. Esta iniciativa, embora não fosse pioneira na tradição reiseira - já outros autores, como Maria Amélia Dias Simões e António Manuel Redes Cruz desde a década de 1950 o tivessem feito ocasionalmente - colheu interesse na opinião local e a partir desse ano a Troupe da JOC-LOC passou a apresentar sempre músicas originais, sendo seguida nesse aspecto pela Troupe da Arruela (músicas e letras de Manuel Ferreira) e, gradualmente, pelas outras troupes que nessa década estavam activas.

    Em 1978 a imprensa lançava a discussão sobre a originalidade das músicas e letras e, em 1979, a Junta de Turismo toma a responsabilidade de promover uma maior valorização do Cantar os Reis, propondo que todas as troupes apresentassem letras e músicas originais todos os anos, o que se veio a consolidar. Foram figuras importantes nos primeiros anos deste processo, além dos já mencionados compositores Zé da Vesga e Manuel Ferreira, Edwiges Helena Pacheco, António Manuel Redes Cruz, Diamantino dos Santos, Acácio Cunha, João Arada e Costa, Manuel Reis e Honório Resende, entre outros, e os letristas Manuel Ferreira, Edwiges Helena, Maria Luísa Resende, João Arada e Costa, Manuel Pires Bastos, entre outros. Cada um à sua maneira deu o seu contributo criativo para que, desde o final da década de 1970, a tradição reiseira se renovasse anualmente nos conteúdos musicais e poéticos apresentados por todas as Troupes de Reis. Por outro lado a mesma Junta de Turismo passou a promover apresentações de todas as troupes em frente à Câmara Municipal ou, em alguns anos, noutros locais, como o Cine-Teatro ou o Centro de Arte de Ovar.

    No início da década de 1980 surgiram as troupes de Reis infantis e o número de troupes formadas por adultos aumentou, passando a incluir-se, em 1981, na tradição reiseira, troupes oriundas das freguesias e lugares periféricos do concelho, nomeadamente Válega, Guilhovai, S. João e Arada, sempre ligadas a grupos corais, associações culturais, desportivas, recreativas e folclóricas. Ao longo dessa década as Troupes Reiseiras que se apresentaram anualmente em público totalizavam cerca de 10, havendo interrupções na participação de várias delas. Localmente o assunto do Cantar os Reis é objecto de reflexão e de crítica, dando origem na imprensa (Notícias de Ovar 1981, 1982, 1983, várias datas) artigos opinativos e normatizadores sobre diferentes aspectos da tradição, desde a originalidade das letras e das músicas, os instrumentos e a sua adequação, os ensaios, as gravações, as apresentações ao ar livre, entre outros, deixando de fora, significativamente, o género dos componentes das troupes.

    O paradigma da exclusividade masculinidade nos coros das troupes que vinha desde o final do século XIX, foi quebrado pela primeira vez em 1977, pela Troupe de Reis do Poverello (Ordem Terceira de S. Francisco), envolvendo homens e mulheres, que esteve activa com interrupções até 1984. Essa silenciosa ruptura de paradigma, todavia, fica marcada novamente a partir de 1981, pelo aparecimento das Troupes de Reis nos ranchos folclóricos, nas associações locais e coros das freguesias e lugares de Guilhovai, Válega, Arada, Torrão do Lameiro, Cimo de Vila e, em 1988, na Ribeira, envolvendo homens e mulheres. Esta última no âmbito das actividades do Rancho Folclórico da Ribeira de Ovar, como evocação da “Troupe dos Ribeirinhos”, activa ininterruptamente entre as décadas de 1930 e 1950.

    Em 1993, altura das comemorações do centenário do Cantar os Reis em Ovar, realizou-se uma Exposição, organizada por João Costa e na Celebração do Centenário no Cine-Teatro foi prestada homenagem aos reiseiros pioneiros. Nesse ano estavam activas as nove troupes de adultos (Associação Desportiva Ovarense, Orfeão de Ovar, JOC-LOC, Ribeira, Associação Cultural e Recreativa de Valdágua, Associação Cultural de Sande Salgueiral e Cimo de Vila, Grupo Desportivo e Cultural de Guilhovai, Associação dos Antigos Alunos da Escola Oliveira Lopes, Rancho Folclórico dos Fogueteiros de Arada) uma troupe que envolve adultos e jovens, da Escola Preparatória de Ovar e duas troupes infantis: Escola Primária de Oliveirinha e Escola Primária da Ponte Nova de Ovar.

    Durante as décadas de 1990, 2000 e 2010, o número de troupes tem crescido sistematicamente, havendo um envolvimento gradual da autarquia nesta actividade, através de apoios logísticos e financeiros às troupes.
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direito ConsuetudinárioOs direitos coletivos relativos a` pra´tica Cantar dos Reis de Ovar sa~o de tipo consuetudina´rio. Compete às trupes a definição do modo especi´fico como cada uma realiza a sua apresentação dentro do evento no concelho de Ovar. Neste contexto compete também às trupes assegurar o respeito pelos direitos de autor, nomeadamente das letras e das músicas de cada ano que têm autores definidos. Os direitos de apresentação e utilização são geridos na relação ãentre ambos sendo cedidos às trupes, quer por princípio implícito (quando compostos por convite) quer por compensação económica (quando compostos por encomenda paga). Comunidade Ovarense
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Jorge Manuel de Mansilha Castro Ribeiro
    Função: Investigador
    Data: 2016/12/30
    Curriculum Vitae
    Declaração de compromisso
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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