Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos
Categoria: Festividades cíclicas
Denominação: Festa em Honra de Nossa Senhora da Penha de França
Outras denominações: Festa da Vista Alegre
Contexto tipológico: A Festa em honra de Nossa Senhora da Penha de França é um evento religioso e cultural que se realiza no primeiro fim-de-semana do mês de Julho, no lugar da Vista Alegre, em Ílhavo. Trata-se de um evento de carácter religioso, invocando o culto à Nossa Senhora da Penha de França, mas também de uma festa com uma forte tradição cultural, envolvendo espectáculos como música ou teatro. Esta ocasião reveste-se de especial importância para a empresa – Vista Alegre Atlantis - assinalando a data de comemoração do seu aniversário e representando uma ocasião de convívio entre os seus colaboradores e administradores.
Contexto social:
Comunidade(s): Habitantes do Bairro Operário da Fábrica da Vista Alegre Grupo(s): Trabalhadores e reformados da Vista Alegre Atlantis / Mordomos da Fábrica da Vista Alegre Indivíduo(s): População do Concelho de Ílhavo, familiares e amigos de trabalhadores da Vista Alegre
Contexto territorial:
Local: Fábrica e Lugar da Vista Alegre Freguesia: Ílhavo (São Salvador) Concelho: Ílhavo Distrito: Aveiro País: Portugal NUTS: Portugal \ Continente \ Centro \ Baixo Vouga
Contexto temporal:
Periodicidade: A festa em honra de Nossa Senhora da Penha de França realiza-se com regularidade anual Data(s): Primeiro fim-de-semana de Julho
Caracterização síntese:
As Festas em honra de Nossa Senhora de Penha de França são uma celebração de carácter religioso, que decorre durante quatro dias, na Fábrica e lugar da Vista Alegre, em Ílhavo, durante o primeiro fim-de-semana do mês de Julho. Invocando o culto à Nossa Senhora da Penha de França, têm como local central a capela aí construída em sua honra, nos finais do século XVII, pelo Bispo D. Manuel de Moura Manoel. As festividades religiosas remontam provavelmente a finais do século XVII, inícios do século XVIII, sendo por isso anteriores ao estabelecimento da Fábrica no local.
A Fábrica de Porcelana da Vista Alegre foi fundada em 1824, por José Ferreira Pinto Basto. Para além da unidade industrial, devotada à produção da porcelana, construiu-se neste espaço uma pequena Vila Operária. Com o estabelecimento da Fábrica as celebrações foram lentamente sendo absorvidas pela empresa. As festividades passaram a ser patrocinadas pela Administração e organizadas pelo seu pessoal. Para além da dimensão religiosa, esta festa adquiriu novos contornos tornando-se num importante momento de convívio entre funcionários, administração, moradores do bairro da Vista Alegre e elementos da comunidade local. Simultaneamente, associou-se à data a comemoração do aniversário da empresa, autorizada a laborar por Alvará Régio de 1 de Julho de 1824. As festas passaram então a incluir eventos de natureza celebrativa. Nas últimas décadas tem-se intensificado o seu pendor comercial, atraindo naturalmente pessoas de fora e também turistas.
Resultado de um conjunto particular de desenvolvimentos históricos, as festas possuem hoje um carácter invulgar, agregando actividades religiosas, como a procissão ou missa, a momentos de construção e celebração da identidade empresarial como, por exemplo, o almoço dos reformados, os jogos tradicionais ou o hastear da bandeira da Vista Alegre.
Caracterização desenvolvida:
A Festa da Vista Alegre, ou festa em honra de Nossa Senhora da Penha de França, realiza-se anualmente no lugar e Fábrica da Vista Alegre e integra eventos de natureza religiosa, cultural e social. Tem como componente central o culto à Nossa Senhora da Penha de França, agregando igualmente a celebração e promoção da identidade e cultura Vista Alegre. As celebrações desenrolam-se ao longo de quatro dias, iniciando-se na sexta-feira e prolongando-se até segunda-feira.
As Festas em honra de Nossa Senhora da Penha de França começam a ser organizadas a partir do mês de Abril, na Fábrica da Vista Alegre. A comissão de mordomos, nomeada no ano anterior, é responsável pela preparação e organização das atividades religiosas, em coordenação com a paróquia de Ílhavo, pela organização de jogos tradicionais e convívio entre funcionários da empresa, colaborando também na organização do almoço dos reformados e na realização das diferentes atividades ao longo da festa. A secção do museu, conjuntamente com o departamento de recursos humanos e o Município de Ílhavo, são responsáveis pela organização do fim-de-semana da festa. Todas as decisões de natureza cultural, comercial e financeira são previamente discutidas e aprovadas pela Administração da Vista Alegre Atlantis SA. A etapa de preparação envolve decisões sobre programação cultural, orçamentos, contactos para zona de alimentação, quermesse e comunicação do evento.
A preparação dos jogos tradicionais decorre durante o início do ano. Habitualmente no decurso do mês de Junho são divulgadas as actividades, através de afixação de informação junto dos relógios de ponto, e aberto o período de inscrições nos jogos. O convívio para os funcionários da empresa decorre no fim-de-semana anterior à festa. A participação nestas atividades / jogos tem carácter livre. Habitualmente, apesar de poderem existir algumas alterações, as actividades realizadas neste dia são as seguintes:
• Corrida de cantarinhas, tração da corda, pesca, malha, gincana, jogo de futebol (cujas jornadas de eliminação decorrem nas semanas anteriores), torneiro de sueca, corrida de chacote, concurso de sobremesas, concurso de criatividade, caça ao tesouro;
• Almoço, música ambiente e Karaoke.
Os jogos são organizados e coordenados pela equipa de mordomos e participados por funcionários da Fábrica da Vista Alegre, Capoa e Cerexport (unidades industriais vizinhas que integram o grupo Vista Alegre Atlantis). Os jogos têm início logo pela manhã, realizando-se a maior parte deles no largo da Vista Alegre.
Apesar de algumas variações, existem alguns jogos que são realizados há décadas e que possuem por isso maior importância para os participantes. Entre estes destaca-se a corrida de chacote, na qual o funcionário(a) percorre uma determinada distância com uma tábua, carregada de porcelana em chacote (apenas sujeita a uma 1ª cozedura de 1000ºC e por isso mais frágil). Ganha aquele(a) que resistir com maior quantidade de louça sobre a tábua. A corrida de cantarinhas é habitualmente realizada por mulheres e consiste em percorrer uma determinada distância com uma cantarinha cheia de água à cabeça, sem entornar o seu líquido. O puxar da corda é um dos jogos mais emblemáticos, em que secções da empresa se confrontam num exercício de força. O concurso de criatividade, assumindo diferentes formatos ao longo dos anos, continua também a atrair muitas participações sendo que, nas últimas edições, a decisão dos vencedores é feita pelos próprios trabalhadores. As peças são expostas no refeitório da empresa e boletins de voto disponibilizados.
No final do evento são entregues prémios personalizados em porcelana aos vencedores das diferentes actividades. O convívio termina com um churrasco, patrocinado pela empresa, com música e karaoke. A preparação das atividades e a sua organização durante o dia do convívio é da responsabilidade da equipa de mordomos.
Na semana anterior à festa o lugar começa a ser transformado para receber os visitantes. Junco é colocado sobre o terreio para impedir o pó, as ruas são decoradas com luzes e arcos e inicia-se a montagem dos pavilhões e palcos que serão utilizados durante as festividades. Nos últimos anos o junco já tem sido reduzido e usado apenas para o circuito da procissão, uma vez que já não se encontra quem faça a sua recolha. O terreiro da fábrica é fechado ao trânsito na quinta-feira à noite e na sexta-feira dão se início às festividades. No decurso desta semana a equipa de mordomos começa também a preparar as atividades religiosas, limpando a Capela e dando apoio na montagem do andor e preparação do restante material a usar na missa e procissão.
Sexta-feira, da parte da manhã, abrem ao público os pavilhões de vendas com oportunidades únicas de compra. A componente comercial tornou-se, nas últimas décadas, um dos principais motivos de atracção à festa, abrindo-a a um público mais heterogéneo. Nas últimas edições do evento criou-se também uma área gastronómica, que envolve parceiros locais, como o Sporting Clube da Vista Alegre ou a Confraria Camoniana de Ílhavo. Às 17h começa a música ambiente e o clima de festa instala-se.
Sexta-feira à noite é por tradição o dia de actuação pelo grupo de Teatro residente “O Ribalta”. Este grupo teve origem no grupo cénico da fábrica, criado pouco tempo após a fundação. Este grupo é actualmente formado por funcionários da empresa e membros da comunidade que ensaiam ao longo do ano no teatro da Vista Alegre. Este é um espectáculo de entrada livre, habitualmente muito concorrido e participado por funcionários e por elementos da comunidade local. São habitualmente apresentadas peças de carácter popular.
No Sábado as festividades iniciam às 10h com o hastear das bandeiras da Vista Alegre e de Portugal. Este é um momento solene, assistido pela Corporação Privativa de Bombeiros da Vista Alegre, representantes da administração da empresa e do município. A cerimónia é acompanhada musicalmente por uma banda filarmónica local (Banda dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo “Música Nova” ou a Filarmónica Gafanhense “Música Velha”).
A banda filarmónica organiza-se no largo e marcha em direcção à entrada da Fábrica, vira-se para a Capela, prestando homenagem à Nossa Senhora da Penha de França, e colocando-se do lado direito da fachada. A corporação de bombeiros da Vista Alegre reúne-se junto ao largo redondo, entra no largo principal e coloca-se do lado esquerdo da fachada, junto à bandeira da Vista Alegre. O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Ílhavo e da Administração da Vista Alegre Atlantis passam revista à Corporação e à Banda colocando-se, no final, junto aos respectivos mastros. Procede-se ao hastear das bandeiras, ao som do Hino da Maria da Fonte. No final, a banda faz novamente formação, passando pela Capela e saindo do largo. À banda seguem-se os bombeiros.
Às 13h realiza-se no refeitório da empresa, o almoço para os seus reformados e quadros técnicos. Neste almoço é feito um importante discurso pelo Presidente do Conselho de Administração e realizada a entrega de taças de mérito a funcionários com 20 e 40 anos de trabalho. Actualmente, depois da fusão em 2001 entre a Vista Alegre e a Atlantis, são entregues prémios a funcionários das várias empresas do grupo. No caso de funcionários da Fábrica da Vista Alegre, Capoa e Cerexport são entregues peças personalizadas, pintadas à mão, no caso da Atlantis, jarras com gravação manual.
O Sábado à tarde e noite é habitualmente dedicado a atividades lúdicas e concertos musicais.
Domingo representa o ponto alto das celebrações com as actividades religiosas. Às 11h realiza-se a missa na Capela da Nossa Senhora da Penha de França, propriedade da Vista Alegre. Nos últimos seis anos, face à necessidade de obras do edifício, tem sido realizada missa campal, junto à entrada da Capela.
Da parte da tarde, às 17h, é organizada a procissão. Neste cortejo é central o andor com a imagem da santa padroeira, única imagem religiosa do cortejo e habitualmente transportada por quadros da empresa ou elementos locais. É integrada na procissão a Irmandade da Nossa Senhora da Penha de França. O cortejo religioso inicia-se com a cruz processional e duas velas, seguindo-se o andor com a imagem da santa padroeira, ladeado por quatro lanternas de latão. Atrás o juiz da irmandade leva a vara, segue-se o pálio com o Sr. Padre, ladeado por quadro lanternas de prata. Seguem-se os representantes da corporação de bombeiros da Fábrica da Vista Alegre com o porta-estandarte, a banda filarmónica e o povo a encerrar o cortejo. A procissão tem um percurso singular, entrando pelo portão principal da Fábrica, percorrendo o seu corredor central, dando a volta ao Bairro Operário e regressando novamente à Capela. De regresso à Capela o Sr. Padre profere algumas palavras acerca da celebração. É feita a nomeação dos atuais e dos futuros mordomos e a passagem de testemunho entre as comissões, através da entrega de ramos e alguns rituais. Os novos mordomos ao receberem os ramos, têm de dar três voltas á Capela, sendo que é tradição dizer-se que segredos são passados entre as diferentes mordomias. No final é dado um pequeno concerto pela filarmónica no jardim da casa da administração. No ano de 2014 o concerto já foi realizado em frente da Capela, de modo a todos poderem assistir.
Domingo e Segunda-feira à noite são organizados espetáculos musicais. Durante os quatro dias de festa decorrem actividades culturais complementares, como por exemplo, visitas guiadas à fábrica ou oficinas.
É ainda de destacar o facto de todos os anos se decorar uma nova peça Vista Alegre que é oferecida a todos os colaboradores e reformados da Vista Alegre.
Contexto transmissão:
Estado de transmissão activo Descrição: A festa em honra de Nossa Senhora da Penha de França é assegurada, pelo menos desde início do século XX, pela Fábrica da Vista Alegre e organizada pelo seu pessoal. O mesmo sector da empresa é há muitos anos responsável pela coordenação da festa, sendo que a informação sobre as suas características é habitualmente transmitida aos novos mordomos e novos responsáveis pela sua organização. Parte do conhecimento encontra-se também junto de moradores e famílias do bairro operário ou de trabalhadores da empresa que participam anualmente nas actividades.
O contexto de transmissão é predominantemente oral, com passagem de testemunho de um ano para o outro entre os diferentes organizadores da festa. Informação escrita, relativa a processos de festas anteriores, é também relevante para a continuidade e reprodução de algumas atividades. Outras atividades, que possuem carácter mais prático e ocorrem durante a realização dos eventos, são naturalmente assumidas por moradores ou funcionários da empresa.
Data: 2014/12/01 Modo de transmissão oral e escrita Idioma(s): Português Agente(s) de transmissão: Os principais agentes de transmissão são os trabalhadores da Fábrica da Vista Alegre, principalmente as comissões de mordomos, e os habitantes do Bairro Operário
Origem / Historial:
O culto à Nossa Senhora da Penha de França é originário de Espanha, mais precisamente da Serra de França, província de Salamanca. Reza a lenda que o monge Simão Vela terá partido em busca de uma imagem de Nossa Senhora, que estaria escondida numa penedia. Após cinco anos de busca terá encontrado a imagem, seguindo indicações reveladas por uma senhora durante o sono. Nesse local foi construída uma ermida e mais tarde um santuário existindo, até aos dias de hoje, culto e peregrinação em honra da Santa (Cidália, 2011). Em Lisboa a devoção à santa está associada a uma grave epidemia que assolou a cidade. Nessa altura a cidade terá feito uma promessa à Nossa Senhora da Penha de França. Debelado o surto foi construído um santuário à Virgem. Reza a lenda que um dos muitos peregrinos que visitava este templo terá adormecido. Durante o sono apareceu uma cobra para o picar contudo, ao ser acordado por um grande lagarto, o devoto despertou e matou a cobra. Por este motivo, à iconografia da santa surge associada a representação de um lagarto, um peregrino e uma cobra (Cidália, 2011).
A Capela da Nossa Senhora da Penha de França foi edificada no lugar da Vista Alegre em finais do século XVII, pelo Bispo D. Manuel de Moura Manuel. Era proprietário da Quinta da Ermida, localizada nos terrenos adjacentes à Vista Alegre, o irmão do Bispo, Rui de Moura Manuel (Gonçalves, 1959). Os motivos que terão conduzido à construção do templo neste local, ligam-se a uma promessa feita pelo bispo, em momento de grave doença, à Nossa Senhora da Penha de França (Marques Gomes, 1924). A data exacta da sua construção é desconhecida, contudo Marques Gomes aponta que terá sido posterior à elevação de D. Manuel ao episcopado em 1689 (Marques Gomes, 1924). O estabelecimento, por Alvará Régio de 1693, da Feira dos 13, mercado anual a realizar no lugar da Vista Alegre todos os dias 13 do mês de Setembro, em invocação à padroeira da Capela da Vista Alegre - Nossa Senhora da Penha de França - leva igualmente a crer que, nesta data, a obra se encontraria avançada (Marques Gomes, 1883). A construção da capela ainda não estaria terminada em 1697, data em o Bispo D. Manuel de Moura Manuel justifica a sua ausência da visita ad limina em Roma, por necessidade de acompanhar mais de perto a construção do templo (António Gonçalves, 1959). António Gonçalves considera que a placa que se encontra na Capela, invocando o ano de 1699, será provavelmente comemorativa da conclusão da obra (1959).
Com a morte do Bispo, o morgadio Capela terá passado através de herança para o seu sobrinho, Henrique de Moura Manuel. Contudo, estariam anexados à fábrica ou administração da capela outros bens privativos, na posse do Dr. Manuel Furtado Botelho, a quem o bispo terá feito doação, antes da sua morte. Estes bens privativos viriam a anexar-se à fábrica da capela, aquando a morte de Dr. Manuel Furtado Botelho, que instituiu como herdeira universal D. Theodora de Castro Moura Manuel, descendente da família (Gonçalves, 1959). Tendo falecido em 1733, D. Manuel Furtado Botelho dispôs igualmente no seu testamento o desejo de vir a ser sepultado na Capela e de serem cumpridos os seguintes desejos:
“(…) que entrando na posse seria obrigada a fabrica da capella a fazer uma festa à dita Senhora em 8 de Setembro de cada anno (…)” (Marques Gomes, 1883, p. 8).
Esta é, de facto, uma das primeiras referências à intenção de realização de uma festa, em Honra de Nossa Senhora da Penha de França, no lugar da Vista Alegre.
Em 1799 a Capela foi considerada vaga e passou a integrar os bens da coroa, sendo vendida em hasta pública a José Ferreira Pinto Basto em 1812 (Marques Gomes, 1924). Para além dos bens e terrenos da Capela, José Ferreira Pinto Basto adquiriu várias propriedades adjacentes, provavelmente com a intenção de estabelecer neste local uma fábrica dedicada à produção de porcelana, vidros e processos químicos (Pinto Basto, 1924). Para este efeito, em redor do edifício religioso foram construídas várias dependências, nomeadamente Casa da Administração, para residência da família fundadora, casas para operários e oficinas de produção. Em 1824, a Real Fábrica de Porcelana da Vista Alegre foi autorizada a laborar, por Alvará Régio d’El Rei D. João VI.
Desconhecem-se no século XIX outras referências à realização das festas em Honra a Nossa Senhora da Penha de França, contudo parecem ter sido aceites pela administração da Fábrica e integradas na vida da empresa, como um importante momento de celebração religiosa e convívio entre trabalhadores e a família fundadora. No livro do Centenário, João Theodoro Ferreira Pinto Basto refere que, em 1866, após morte de D. Barbara, esposa de José Ferreira Pinto Basto, e aquando da criação de uma nova sociedade comercial, surgia referência no contracto à seguinte cláusula:
“os socios deverão reunir-se no ultimo domingo do mês de maio, na VA, para ver o estado da fabrica, etc., dando ao mesmo tempo lugar para que haja anualmente uma reunião de família, naquele estabelecimento criado para a união dela” (Pinto Basto, 1924, p. 76).
Nesta mesma publicação, o autor refere a realização anual, no último domingo do mês de Junho, de uma festa religiosa, sediada na capela (Pinto Basto, 1924).
Face à ausência de estudos monográficos sobre a festa em Honra de Nossa Senhora da Penha de França, optou-se por recolher informação junto dos Jornais Ilhavenses, principal meio de divulgação de eventos locais. Com base na leitura de informação foi possível perceber algumas das principais dinâmicas desta celebração, bem como aspectos de mudança e adaptação.
Na edição de Julho de 1904 do Jornal D’Ílhavo foi noticiada a realização das festas da Vista Alegre, em honra da sua padroeira, a Nossa Senhora da Penha de França. Realizadas no último fim-de-semana do mês de Junho, destacou-se a iluminação do largo, a actuação da banda Filarmónica da Fábrica da Vista Alegre, a missa solene e o arraial popular. Nos anos seguintes manteve-se formato idêntico, com ligeiras alterações como, por exemplo, a inauguração do teatro ou a realização de quermesses de angariação fundos para as secções sociais da fábrica.
Numa das notícias, apresentada pelo Jornal O Nauta, com data de 1909, foi feita a descrição do programa das Festas. No Sábado, realizou-se espectáculo com a banda da Vista Alegre e filarmónicas convidadas, terminando o dia com a realização de um sarau no Teatro da Fábrica. No Domingo, missa e arraial. A primeira referência à realização de uma procissão surge apenas em 1921, no jornal O Ilhavense.
N’O Ilhavense de 1922, o programa parece ter sofrido ligeiras alterações. No Sábado, continuam em destaque o espectáculo musical com a Banda Vista Alegre e filarmónicas convidadas. No Domingo, a missa, procissão e arraial popular. Na segunda-feira surgem referências à entrega de ramos e realização, da parte da tarde, de jogos tradicionais com corrida de bicicletas, cântaros, tiro aos pombos ou regata. No final do dia o sarau teatral pelo grupo cénico da Fábrica.
No ano de 1924 à celebração das festas em honra de Nossa Senhora da Penha de França foi associada à celebração do centenário da empresa. Para além das actividades habituais, como a missa, procissão, jogos, arraiais, música e teatro, realizaram-se outros eventos de dimensão comemorativa. Entre estes destacou-se a realização de um almoço para funcionários e sócios no largo da Fábrica, almoço onde foi cantado por todos o Hino da Maria da Fonte. Este hino remete para as lutas liberais do século XIX, protagonizadas por elementos da família fundadora. Foi também neste ano feita a oferta de peças e medalhas aos funcionários mais antigos e sócios, bem como a distribuição de uma lembrança comemorativa a todos os funcionários (Documentos Históricos do Centenário, 1924).
Em 1931, quando noticiado o programa da festa, foi feita referência à passagem da procissão pelas ruas interiores da Fábrica e ruas do Bairro Operário (Ilhavense, 5 Julho 1931). Também a partir do ano de 1931 começam a ser recorrentes as referências à participação da Corporação de Bombeiros Privativa da Fábrica da Vista Alegre nas celebrações. Realização de simulacros de incêndios, bênção da bandeira, entrega de condecorações ou realização de exame aos novos bombeiros. A corporação de Bombeiros da Fábrica é a mais antiga corporação de bombeiros privativos do país, remontando a 1880. Continua nos dias de hoje a ser formada por funcionários da empresa sendo, em caso de emergência, a primeira linha de acção, para além do importante papel que exerce de vigilância preventiva.
Em 1925 comemoraram-se os 125 anos da empresa, celebrados novamente com as festas em honra de Nossa Senhora da Penha de França. As celebrações seguiram um modelo semelhante ao referido anteriormente, com iluminação do largo e fogo-de-artifício. No Sábado, espectáculo de bandas e sarau de teatro, no Domingo as cerimónias religiosas e arraial popular, na segunda-feira realizaram-se os jogos e a entrega de ramos aos novos mordomos. Durante as festividades realizou-se também a condecoração de funcionários antigos e as cerimónias oficiais dos 125 anos da empresa. Surge também referenciado o concurso de criatividade, que já teria decorrido em anos anteriores. Neste concurso podiam entrar os alunos de desenho e também os artistas da fábrica.
Eventos desta natureza sucedem-se em 1974, data em que se celebraram os 150 anos da empresa e em 1999, celebração dos 175 anos. Nas restantes datas o programa das festas sofreu poucas alterações. Na sexta-feira abertura das festividades e Sarau teatral no teatro da empresa. No Sábado, hastear da bandeira e almoço dos reformados. Ao final do dia espectáculo musical. No Domingo, têm protagonismo as cerimónias religiosas, com a missa e procissão. No final do dia espectáculo musical. A maior alteração deu-se com a passagem para o fim-de-semana anterior à festa dos jogos com os funcionários da empresa. Estas atividades eram até à década de 90 do século XX integradas nos quatro dias de festa. Passaram para o fim-de-semana anterior, mantendo-se contudo a sua realização no largo principal da Fábrica da Vista Alegre.
A comissão de mordomos era até 2007 formada por funcionários da Vista Alegre e por um Juiz, nomeado entre os membros da família Pinto Basto. Com a saída da família a situação alterou-se e a figura do Juíz desapareceu.
Mantém-se a edição de uma peça comemorativa, oferta a todos os funcionários e reformados, bem como das taças de mérito para funcionários com 20 e 40 anos de casa.
O largo da Vista Alegre representa um espaço central, onde se concentram e desenrolam a maior parte das actividades. É aí que se realizam os jogos tradicionais, as actividades culturais e as vendas de produto Vista Alegre. Ainda hoje, este espaço mantém, apesar de naturais modificações, o aspeto que apresentaria nos finais do séc. XIX, inícios do século XX. Um largo central, de formato quadrilongo, define o espaço nevrálgico de convívio e receção da Fábrica. Em redor deste estruturam-se as diferentes dependências da empresa. A Capela assume uma posição central, tendo ao seu lado a casa da administração, o Museu e lojas. No lado oposto, o teatro e as antigas casas de habitação para os operários. No lado norte, a fachada e entrada principal da Fábrica, construída em 1924, aquando da celebração do centenário da empresa. Para lá desta fachada, a norte, encontram-se as diferentes dependências da unidade industrial, com diferentes épocas de construção e onde ainda se encontra sediada toda a produção da porcelana Vista Alegre. No lado este foi construído o Bairro Operário, composto por moradias e também outros edifícios de carácter social ou cultural como a creche, cooperativa, sede do Sporting Clube, entre outros. Hoje em dia, não tem ocupação total, sendo que muitos dos seus edifícios se encontram vagos. Continua, contudo, a ser um espaço de características sociais e identitárias muito distintas, com forte ligação à empresa.
Em 2014 iniciaram-se obras de intervenção neste espaço, integradas num projeto de renovação turística na Vista Alegre. Este projeto desenvolver-se-á em diferentes valências, incluindo um novo museu e lojas, a recuperação da Capela, da Creche, do Teatro da Vista Alegre e construção de um hotel.
Direitos associados :
Tipo
Circunstância
Detentor
Consuetudinário
São detentores destes direitos a Vista Alegre Atlantis, seus funcionários e a comunidade de moradores do Bairro Operário da Vista Alegre