Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2023_013
  • Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos
  • Categoria: Organização social
  • Denominação: Vezeira de Vilar da Veiga
  • Outras denominações: Veseira; Viseira; Bezeira (caídas em desuso).
  • Contexto tipológico: A Vezeira é uma prática comunitária solidária que permite aos criadores de gado bovino a apascentação comum do gado em regime de rotatividade na alta montanha, onde o gado é deixado durante os meses quentes, sem que cada criador/proprietário tenha de estar em permanência a vigiar o seu. Esta prática comunitária solidária poderá também ser enquadrada nas práticas de transumância. Liberta-se assim cada um dos associados para outras tarefas e profissões, libertando-se também os seus terrenos particulares, junto aos estábulos dos seus animais, para que neles possam ser cultivados alimentos nos meses quentes, o que não seria possível se o gado os ocupasse e utilizasse.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): Vezeiros da Sociedade do Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga
    Grupo(s): Associação Lírio do Gerês
  • Contexto territorial:
    Local: Freguesia de Vilar da Veiga, Concelho de Terras de Bouro, Distrito de Braga
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Norte \ Cávado
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Anual
    Data(s): Entre o último domingo de abril (dia do Chamado) e o domingo seguinte a 15 de setembro (Chamado final).
  • Caracterização síntese:
    Vezeira é uma prática comunitária centenária que pode ser observada na Freguesia de Vilar da Veiga. Constituída em sociedade civil em 1802 como Real Vezeira das Vacas da Freguesia de Santo António de Vilar da Veiga, que em 1962 altera a sua denominação (mas não o seu âmbito) para Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga (doravante denominada apenas de Vezeira), esta é, como referido, uma prática comunitária solidária, centenária, que permite que criadores de gado bovino se entreajudem nas despesas e apascentação comum do gado em transumância na alta montanha (ver Ribeiro, 1939), em regime de rotatividade, durante os meses quentes da Primavera e Verão. Ali o gado é posto durante esses meses passando de um pasto/curral ao seguinte na medida em que esgota os recursos alimentares dos primeiros, permitindo a Vezeira que cada criador/proprietário não tenha de estar em permanência a vigiar o seu gado, libertando assim cada um dos associados (os vezeiros) para outras tarefas e profissões, e libertando em simultâneo os terrenos que cada um tem em baixo, junto aos estábulos dos animais, para o cultivo de produtos agrícolas como a batata ou o milho. Isto não poderia ter lugar caso o gado ocupasse durante os meses quentes esses terrenos como local de pastagem. Esta prática nasce assim de uma estratégia de entreajuda para a maximização de meios e de recursos, de si escassos, assente na premissa que por cada duas cabeças de gado que possua (uma junta) cada vezeiro esteja obrigado a prestar um dia de vigília na montanha, segundo uma Roda de Serviço pré-estabelecida, o que faz dela uma prática com características singulares que a distinguem de outras com o mesmo propósito. Fazem parte dos seus órgãos sociais um Juiz, um Procurador, um Secretário, um Tesoureiro e três Louvados (elementos que avaliam situações que possam levar a indemnizações por parte da Vezeira aos seus associados).
  • Caracterização desenvolvida:
    A Vezeira é, antes de mais, uma prática e uma tradição comunitária centenária inserida nos movimentos de transumâncias. Para falar dela cumpre, em primeiro lugar e a título de nota introdutória, determo-nos um pouco sobre este conceito de comunidade, tão caro à antropologia social e cultural. Em linhas gerais, é preciso termos presente que a palavra comunidade se caracteriza pela variedade dos seus usos (ver Hillery, 1968). Essa dispersão semântica organiza-se em torno de dois polos de elaboração conceptual, consoante as definições propostas procedam de uma abordagem culturalista da comunidade ou traduzam uma escolha do estudo do seu progresso histórico. No primeiro caso, são os aspectos psicológicos da comunidade que são sublinhados (a natureza das relações entre os seus membros), no segundo, as dimensões institucionais e económicas (ver Chiva, 1958; Eizner in Jollivet, 1974). Para Redfield (1965), a essência da comunidade reside no seu carácter holista: ela é um “todo humano” (human whole), onde os membros vivem para ela e por ela. No quadro da etnologia das sociedades campesinas, a comunidade pôde também ser definida como uma unidade social restrita, vivendo numa economia parcialmente fechada sobre um território do qual retira o essencial da sua subsistência. Ela associa, em proporções variáveis, propriedade colectiva e propriedade privada, e submete os seus membros a uma certa disciplina colectiva que vive numa espécie de tensão constante entre a manutenção da sua coesão, concretizada numa “(...) necessidade de as famílias, no seu conjunto, obedecerem aos calendários sazonais durante o qual se desenvolvem acções de produção, socialmente conjugadas pela necessidade, que todos têm, de contar com a ajuda do seu vizinho”. (Polanah, 1990: p. 70), e a perenidade da sua própria existência (ver Chiva, 1958; Lefebvre, 1963; Parain, 1979). Dito isto, a Vezeira de Vilar da Veiga é uma prática e tradição que recorre a terrenos de utilização comunitária (chamados de baldios) na serra do Gerês – terrenos hoje sob alçada do Parque Nacional da Peneda-Gerês – e a currais propriedade da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga (habitualmente denominada apenas por Vezeira), para levar a cabo uma apascentação em transumância de gado bovino nos pastos altos de montanha de um modo comunitário, num regime de rotatividade (à vez) entre os proprietários de vacas associados à Vezeira, na razão de um dia de vigília por cada junta de gado (duas cabeças) que cada vezeiro possua. Tem lugar em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, cujo território se caracteriza por uma predominância da atividade silvoagropastoril, a qual ocupa cerca de 68% da área do Parque, e onde a produção animal em regime extensivo é a atividade com maior rendimento (ver Luz, 2018: p. 102-103). O pastoreio de montanha, realizado nos meses quentes em que o gado sobe à serra – o que Oliveira e Silva (1999) apelidam de transumância estival, ou ascendente – e ali fica em permanência dada a impossibilidade de fazer este percurso diariamente, é assegurado à vez, num regime de rotatividade, pelos proprietários de gado bovino associados à Vezeira. Nenhum proprietário de gado é obrigado a associar-se à Vezeira, podendo sozinho ocupar-se das cabeças que possui. Os proprietários de gado que se associam à Vezeira têm, entre outras vantagens, a de ser este sistema uma estratégia solidária de apascentação/vigilância do gado, maximizando assim os recursos dos associados e minimizando o tempo em que cada um por si só teria de despender com a vigilância do próprio gado, libertando assim tempo a cada associado. Concomitantemente, a Vezeira liberta também, nos meses quentes, os terrenos dos proprietários de gado, que ao invés de os terem ocupados com os animais que teriam nos currais os podem então lavrar e deles colher produtos alimentícios enquanto o gado está na montanha, nomeadamente produtos com os quais o próprio gado será alimentado no Inverno. Outras vantagens prendem-se com a existência e utilização de um boi reprodutor, propriedade da própria associação e de quem todos se ocupam, e indemnizações solidárias entre os associados relacionadas com eventuais acidentes ou perda de cabeças. Nos Estatutos da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga, de 1962, está bem patente a importância que estes animais têm para a economia local, bem como o valor do apoio que cada criador encontra nesta associação, ao registar por escrito que “(...) o sócio não terá direito a qualquer indemnização, sempre que se demonstre que o prejuízo sofrido resultou de maus tratos (...)” e, na alteração a estes Estatutos, feita em 1982, que “qualquer sócio que não faça tratamento do animal, perderá tudo”. Podemos aqui ler a importância que estes animais tinham (e têm) para a frágil economia destas populações remotas, quer nos cuidados que lhes eram dispensados quer no respeito que lhes merecia. Porém, ninguém era obrigado a associar-se à Vezeira. Quem não se associa fará a apascentação do seu gado na montanha por si mesmo, ou por alguém a quem pague para o efeito, sendo que não poderão utilizar os pastos que são de uso exclusivo das cabeças de gado da Vezeira nem beneficiarão da vigilância dos seus membros. Esta prática antiga, à qual já Jeronymo Contador d’Argote (clérigo e historiador dos séculos XVII e XVIII) se referia nas suas Memórias do Arcebispado de Braga como “bezeira”, reforça as suas normas costumeiras com normas escritas através da constituição, em 1802, da Real Vezeira das Vacas da Freguesia de Vilar da Veiga, em cuja Escritura se percebe que este costume vinha já de antanho. Este documento é depois reformado, em 1882, pelo Livro que hade servir para o Rol Viseira das Vacas da freguezia de Santo Antonio do Villar da Veiga, dado o estado de degradação do primeiro. Bem mais tarde, já em 1962 e como foi acima referido, é criada a Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga, entidade que ficou encarregue da organização Vezeira, e cuja escritura viria a sofrer ligeiras alterações 20 anos depois, em 1982. É a Sociedade de Socorro Pecuário de Vilar da Veiga (mais conhecida por Associação Vezeira) que actualmente faz a gestão desta prática ancestral, sendo os seus membros, os sócios da Vezeira, apelidados de vezeiros. É assim, portanto, também a responsável pela salvaguarda desta prática e pela sua transmissão e perpetuação. Já em 1968, em ofício endereçado ao Director Geral dos Serviços Agrícolas, escrevia a direcção da Sociedade de Socorros Pecuários da Freguesia de Vilar da Veiga que essa mesma sociedade “(...) sucedeo a uma antiga associação de lavradores regida por leis próprias feitas pelo povo e escritas nos livros antigos, com a finalidade de facilitar a apascentação de gado na vezeira na Serra do Gerês e tornar possível a existência dum touro reprodutor comum para beneficiar as vacas da freguesia” (1968, ofício em arquivo na Associação Vezeira). Numa abordagem mais funcionalista, cumpre referir que a associação Vezeira não tem sede própria. Reúne-se, sempre que tenha necessidade de o fazer num espaço físico, no salão do Centro Social e Paroquial de Vilar da Veiga. Os únicos bens materiais que esta associação possui são os currais e abrigos na serra (que nenhum outro gado que não pertença à associação tem o direito de utilizar), bem como alguns utensílios para uso por quem fica lá em cima de vigia (pote, alvião, enxada, serra, cordas, colchões, etc.). É detentora, também, do boi da Vezeira, sendo este propriedade de todos os associados, de quem todos estes se podem servir para fins reprodutivos, tendo todos de contribuir para a sua alimentação e guarda. Neste ponto cumpre referir que as quotas para a alimentação e guarda do boi da Vezeira durante os meses frios em que este se encontra num curral da freguesia, são feitas por relação às cabeças de gado que cada vezeiro tem entregues para guarda da Vezeira (diz-se dadas à Vezeira; isto porque cada um pode ter mais gado mas só entregar/dar algumas cabeças para guarda à Vezeira). Isto é, as quotas são por cabeça de gado na Vezeira, e não por vezeiro. O que significa que quanto mais gado cada um tiver entregue à Vezeira, mais são as quotas que tem de pagar. A contrapartida é que o boi, que todos têm direito de usar para funções reprodutoras, acaba por ser mais utilizado por quem tem mais vacas dadas à Vezeira. Quanto aos órgãos sociais da Vezeira, estes consistem num Juiz, num Procurador, num Secretário, num Tesoureiro e em três Louvados. Comecemos pelos Louvados, que desempenham uma função de avaliadores. Ou seja, numa situação de morte de uma cabeça de gado de um associado, animal esse que estivesse à guarda da Vezeira, são os Louvados que avaliam quais as circunstâncias da sua morte e o seu valor real, para que depois todos os associados se quotizem para a compra de uma nova cabeça para o vezeiro que a perdeu. Avaliam igualmente se essa morte foi consequência de negligência grosseira de quem estava encarregue da sua guarda ou se não poderia ter sido evitada, levando em conta todos os factores relevantes que devam ser equacionados. Neste ponto é de referir a importância de se dar a conhecer à Vezeira o dia exacto em que um novo vitelo nasceu, pois em caso de morte deste animal o mesmo só será pago ao seu proprietário caso tivesse mais de 15 dias de vida. Ocupam-se também com benfeitorias, que são trabalhos de reparação/manutenção que tenham de ser efectuados e pagos pela associação. Estes avaliadores, os Louvados, são substituídos anualmente numa relação de equilíbrio constante entre os lugares de Vilar da Veiga e da Ermida. Isto é, se num dado ano existirem dois Louvados de Vilar da Veiga e um apenas da Ermida, no ano seguinte cada um deles terá de nomear um Louvado do lugar que não o seu, o que significa que no ano seguinte a razão seria de um Louvado de Vilar da Veiga e dois da Ermida, e assim sucessivamente (de referir que Vilar da Veiga e Ermida são os dois locais de proveniência dos associados da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga, uma vez que ambos pertencem à mesma, Freguesia de Vilar da Veiga). Quanto ao Tesoureiro, a sua função não carece de grandes exposições, estando este responsável pelos dinheiros da Vezeira provindos dos quinhões, da quotização para alimentação e guarda do boi da Vezeira (quotização esta sempre relacionada com o número de cabeças de gado que cada um leva à Vezeira, como já referido), do pagamento de condenas e de quaisquer outras quotizações que tenham de ter lugar a título extraordinário. Por uma questão de estabilidade e continuidade nas contas, o Tesoureiro não é substituído anualmente, a menos que o requeira. O outro membro dos órgãos sociais que não é substituído anualmente, a menos que o deseje, é o Secretário, uma vez mais pelas mesmas motivações de manutenção de coerência no serviço e estabilidade na acção. As suas funções são fundamentalmente a de registar reuniões, escrever actas e demais tarefas administrativas, sendo também depositário dos documentos da associação. Quanto ao Procurador, este é nomeado a cada ano pelo Juiz cessante, e tem como funções dar todo o apoio de que o Juiz possa ter necessidade na prossecução das suas tarefas, bem como comportar-se, se necessário, como agente e representante daquele. Por fim, o Juiz. Este será sempre quem no ano anterior exerceu a função de Procurador, e tem por função tudo fazer para que a Vezeira funcione sem percalços e tudo supervisionar, sendo que qualquer pagamento que tenha de ser realizado, qualquer alteração relativa a datas pré-estabelecidas, ou qualquer substituição de vezeiros nas tarefas que lhes competem têm que ser por si aprovadas. Tem também a função de resolução de contendas, entre associados ou entre estes e alguém exterior à associação. A mudança dos elementos pertencentes aos órgãos sociais da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga (Associação Vezeira, como é mais conhecida, ou simplesmente Vezeira) acontecem anualmente no primeiro Chamado, que tem lugar no último Domingo de Abril. Mas para que se entenda o que é esse Chamado, para que se entendam os quatro momentos-chave fundamentais subjacentes à materialização da Vezeira nas suas funções e nos quais se dá a conhecer, e para que se lance um olhar sobre a essência desta vigia partilhada, importa explica-los. E são esses quatro momentos-chave da Vezeira o 1) dia do Chamado, o 2) dia de Covais, o 3) dia da Subida e 4) o Fim da Vezeira e consequente segundo Chamado. Dia do Chamado Todos os anos no último Domingo de Abril, cerca das 9 horas da manhã, os associados da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga começam a chegar ao salão do Centro Social e Paroquial de Vilar da Veiga para o Chamado. Esta reunião anual, o Dia do Chamado, não carece de uma convocatória formal, acontecendo todos os anos neste mesmo dia e no final da missa dominical nesta Freguesia. Por ser obrigatório, a não comparência a este Chamado implica o pagamento de uma condena (coima). De referir desde já que são dois os Chamados anuais que não requerem uma convocatória, sendo que outros podem ter lugar para resolver questões que possam surgir, estando nesse caso sujeitos a convocatória. Como nota, é de referir também que o estatuto de vezeiro depende do pagamento de um quinhão, que é uma cota (em 2022 com o valor de 125 €) transmitida de pais para filhos, sendo que se for de pai para filha esta pode fazer-se representar nas suas obrigações para com a Vezeira pelo marido ou outro que esta determine. Existem actualmente mulheres na Vezeira, o que é sinónimo não apenas da sua abertura como da sua necessidade de integrar todos aqueles que queiram contribuir para que esta prática centenária não desapareça. Os associados ocupam então os seus lugares na sala, frente à Mesa onde se encontram os elementos que no ano que agora finda assumiram as funções de Juiz, de Procurador, de Secretário, de Tesoureiro, e de Louvados. O Chamado tem início, precisamente, com a chamada em voz alta dos nomes dos associados, sendo que os que não comparecem ou não se fazem representar, como já referido, estão sujeitos ao pagamento de uma condena. Como nota é de referir que estando alguém presente a um Chamado em substituição de um associado, deve este responder Presente quando o nome daquele for chamado em voz alta. Todos os assuntos referentes ao ano que neste dia termina, e à direcção cessante, devem ficar resolvidos antes da entrada em funções do novo Juiz que será nomeado. Têm então lugar os pagamentos, pagando cada vezeiro a quantia de 11 € (em 2022) por cada cabeça de gado que entregou à Vezeira, dinheiro este que serve para pagar a guarda e alimentação anual do boi da Vezeira, animal que pertence a todos os associados e de quem estes se servem para fins reprodutores. Antigamente eram os próprios vezeiros que à vez guardavam o boi nas respectivas cortes (currais particulares junto às suas casas) durante os meses frios. Mas porque nos tempos que correm todos eles têm profissões que exigem muito de si (já ninguém vive da criação de gado, sendo a posse de algumas cabeças de gado mais algo que fazem para manter viva uma tradição do que por necessidade), é paga uma pessoa para que se ocupe da guarda do boi nos meses em que este não está na serra. Tudo o que houver a discutir e resolver deve sê-lo antes que a nova Direcção tome posse. Resolvem-se reivindicações dos associados, como a questão de saber se existem cabeças de gado a pagar a algum deles por motivos de morte dos animais. O Juiz pede de seguida ao Tesoureiro que este o informe, e aos associados, sobre as contas da Associação e sobre o dinheiro em caixa. As benfeitorias realizadas no ano que cessa são também declaradas e pagas com o dinheiro existente em caixa, fruto das condenas, e se as verbas existentes não forem suficientes para fazer face às despesas são sempre feitas quotizações entre os associados em função do número de cabeças de gado que cada um possui. De seguida são os associados de novo chamados pelo nome para declararem o número de cabeças de gado que irão entregar à Vezeira no ano que agora tem início (por ano que tem início leia-se ano em que cada Direcção exerce em funções). Todos quantos tendo gado não o queiram entregar neste novo ano, ou não o queiram entregar na totalidade, expressam-no também neste momento. Porém, se quiserem manter o seu quinhão de vezeiro continuam a ter de pagar a quantia relativa à guarda e alimentação do boi, por cabeça de gado que possui, o que lhes continua a dar o direito a usar o animal com as suas vacas. Continuam também a ter o dever de dar (apenas) um dia de vigilância na serra. Nesta fase também se ouve quem se quer tornar associado da Vezeira, pagando o respectivo quinhão. Depois de todos os assuntos relativos ao ano cessante terem sido abordados e resolvidos, tem lugar a troca de Direcção. Como anteriormente referido, repetimos agora que o Juiz cessante nomeia o Procurador para o ano que se inicia. Por tradição, o lugar de Juiz é sempre desempenhado pelo Procurador do ano anterior, sendo que o Tesoureiro e o Secretário se mantêm, por regra, em funções (a menos que haja necessidade da sua substituição) para “... as pessoas terem a escrita da mão sempre da mesma pessoa” (entrevista com Rui Lajes, Juiz cessante da Vezeira, dia 24 de Abril de 2022). Também os três Louvados nomeiam os Louvados do ano que se inicia, sendo que cada Louvado tem a obrigação de nomear um outro de uma localidade diferente da sua, alternando entre dois da Ermida e um de Vilar da Veiga, e vice-versa no ano seguinte. Acontece então a troca de lugares e toma posse a nova Direcção da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga, mais conhecida como Associação da Vezeira de Vilar da Veiga. O passo seguinte do Chamado é a marcação do Dia de Covais e do Dia da Subida à serra com o gado. O Dia de Covais é o dia em que se faz a subida à serra para a limpeza de caminhos por onde o gado irá passar, bem como limpeza e reparação dos abrigos e currais onde homens e animais ficarão na montanha em regime de semi-estabulação com pequenas deslocações diurnas entre os currais e os pastos (ver Ribeiro, 1939). Por tradição, o Dia de Covais é marcado para o primeiro Sábado de Abril, e o Dia da Subida para o segundo Domingo de Abril. Estes dias, por motivos de condições climatéricas adversas ou outros de força maior, poderão ser alterados apenas por determinação do Juiz, devendo todos os associados ser informados das eventuais alterações. Em tais casos, e por determinação do Juiz, o Dia de Covais pode, por exemplo, ser adiado para o segundo Sábado de Abril, tendo assim lugar no dia imediatamente anterior ao Dia da Subida à serra com o gado. Tudo isto fica determinado neste Dia do Chamado, e quaisquer alterações, a terem lugar, carecem de ser autorizadas e confirmadas pelo Juiz e transmitidas aos associados. Neste ponto convém referir que a marcação destes dois momentos nem sempre coincidiu com finais de semana, mas para dar a conhecer a Vezeira ao maior número possível de pessoas, e também por questões relacionadas com a actividade profissional principal de cada vezeiro, ficou decidido fazê-los coincidir com dias em que as pessoas pudessem vir assistir. Deste modo, todos quantos queiram assistir/participar nesta manifestação cultural centenária o podem mais facilmente fazer, sendo este “ajuntamento” de gentes que se deslocam nestes dias a Vilar da Veiga também causa para que este património continue a existir. É, por fim, aberto um período para todas as questões que os associados queiram colocar à nova Direcção, e estabelece-se a Roda de Serviço. Tradicionalmente, a Roda de Serviço assenta num critério de vizinhança. Isto é, cada vezeiro que tenha prestado o seu serviço de vigilância na serra é substituído pelo vezeiro seu vizinho que lhe esteja mais próximo, segundo uma ordem pré-estabelecida, não havendo assim necessidade para mais determinações. Sempre foi uso fazer-se assim (uma roda de serviço com base na proximidade dos vezeiros), e um vezeiro que por razões várias não possa render o seu companheiro no dia que lhe está assignado deve fazer-se substituir, e disso informar a Direcção. A lógica deste método encontra raízes num tempo em que os meios de comunicação não existiam como existem hoje em dia, dificultando muito, ou mesmo impossibilitando, uma constante comunicação que tivesse de ser feita para determinar a quem cabia a vigilância seguinte. Esta vigilância estava assim determinada desde o Chamado sem necessidade de mais comunicações ou margem para dúvidas. Não fazer a vigilância que a cada um compete leva ao pagamento de uma condena, e quando a Roda de Serviço chega ao fim, isto é, terminados os dias de serviço de todos os vezeiros, e sempre de acordo com a fórmula de um dia de vigilância por cada duas cabeças de gado, volta esta ao início, e pela mesma ordem estabelecida continua a vigilância do gado na montanha. No final da reunião do Dia do Chamado é lavrada uma acta e é dada a mesma por terminada. Dia de Covais Cerca das oito da manhã do primeiro Sábado de Maio juntam-se os vezeiros na Vila do Gerês para o café matinal e compra de alguns víveres para levar para a serra. A subida só pode ser feita em veículos todo-o-terreno até ao primeiro curral, o de Carvalhas das Éguas, dado o péssimo estado dos caminhos na serra, e para muitos outros currais o caminho tem de continuar a ser feito a pé. Vários grupos são constituídos para os trabalhos nos vários currais, levando com eles, para além de utensílios, várias estacas de madeira para reparações em cercados. Os currais propriedade da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga são o da Espinheira, o da Carvalha das Éguas, o da Lomba do Vidoeiro, o da Teixeira, o de Camalhão, o da Lomba de Pau, o do Conho, o de Prados da Messe, e o de Leonte, que é o último a ser utilizado actualmente. Possuem ainda um outro, o da Mijeceira, que não é utilizado hoje em dia. Chegados aos currais (uns com abrigo para a pernoita do vezeiro e outros sem abrigo, apenas para a pernoita e controlo do gado) dão-se início aos vários trabalhos a fazer. De casa levam-se alguns utensílios, propriedade da Vezeira, como a panela de três pés utilizada para confecionar as refeições e o alvião, um instrumento entre sacho e machado usado para tarefas variadas, como o corte de lenha para o lume. Depois leva-se a cabo no abrigo deste curral a limpeza do abrigo em si mesmo, o arejar dos colchões, a limpeza de utensílios a utilizar por quem lá ficará a pernoitar para a vigilância do gado, uma limpeza de tanques e cursos de água, uma eventual reparação dos cercados que estejam danificados, o corte de árvores para armazenar lenha para aquecimento e confecção de refeições, e outras tarefas que tenham de ser realizadas. Cada vezeiro que fique a vigiar o gado é obrigado, se for caso disso, a cortar lenha para que o vezeiro que chegue para o substituir não tenha que o fazer. Também era costume o vezeiro que vai ser substituído ter de deixar a refeição pronta para o que o vem substituir, costume que hoje em dia foi abandonado porque a utilização de viaturas até certo ponto do percurso permitir a quem sobe levar consigo alimentos para o período que lhe compete na vigia do gado. Ao final da manhã, os vezeiros que se distribuíram entre os trabalhos por vários currais confluem ao curral e abrigo de Carvalha das Éguas, situado a quase 1000 metros de altitude. Ali, e uma vez mais dentro do espírito comunal que caracteriza esta prática e tradição, os vezeiros montam mesas e cadeiras que trouxeram de casa para nelas dispor alimentos e bebidas que todos trouxeram e que vão partilhar numa refeição conjunta na serra. Quando todos se encontram presentes é feito um Chamado. A este Chamado têm de responder à vez, quando for ouvido o seu nome, todos os vezeiros que tenham um quinhão, ou alguém que esteja em sua representação, sendo que a falta de resposta implica o pagamento de uma condena. Por fim, é feito um almoço de convívio, um momento de partilha entre todos que reforça a união e o espírito comunalista que sempre caracterizou esta prática da Vezeira, não apenas entre vezeiros e familiares mas também de amigos que se quiseram juntar às tarefas a realizar no Dia de Covais. Este convívio dura até que os últimos desçam a serra. Dia da Subida Os vezeiros que vêm da povoação de Ermida juntam-se cerca das 9:30 da manhã, com as respectivas cabeças de gado, no cruzamento entre a estrada principal para a Vila do Gerês e a via para a povoação da Ermida. Dado que a povoação de Ermida fica mais afastada, muitos dos vezeiros que vêm desta localidade andam a pé desde as 5:30 da manhã a preparar o gado, juntando-se então no cruzamento da Ermida, onde são colocadas mesas e onde tomam o matabicho. O gado de Vilar da Veiga entra mais à frente, mais próximo da Vila do Gerês, vindos dos currais dos seus proprietários que nesta localidade habitam. A este cortejo junta-se também, vindo de mais longe e nada tendo a ver com a Vezeira de Vilar da Veiga, o gado da Vezeira de Rio Caldo (Vezeira não tão bem documentada e preservada nas suas tradições como a de Vilar da Veiga). Isto acontece apenas por razões práticas e por questões relacionadas com uma maior espetacularidade na passagem do gado pela rua central da Vila do Gerês. Quanto mais gado, mais o interesse que desperta junto de quem assiste. Para esta passagem conjunta dos gados das duas Vezeiras os chifres dos animais de Vilar da Veiga são pintados de vermelho, enquanto os dos animais que vêm de Rio Caldo são pintados de azul. Isto permite aos vezeiros diferenciar com um simples olhar o gado que pertence à Vezeira de Vilar da Veiga do gado que vem de Rio Caldo, uma vez que a subida para a serra é feita, até certo momento, também em conjunto. Mais acima separam-se, pois pastam em prados diferentes e usam diferentes currais, sendo que o gado de Rio Caldo não pertence à Vezeira de Vilar da Veiga nem pode usar os currais e pastagens desta. Em relação ao gado da Vezeira de Vilar da Veiga, cada animal leva um “número de brinco” para que se saiba quem é o seu proprietário, sendo que cada proprietário escreve numa folha o número dos seus animais e o seu próprio contacto (estas informações ficarão sempre com quem faz na montanha a guarda do gado, para uma qualquer eventualidade que surja). De seguida, e em coordenação com a GNR que procede ao corte do trânsito, o gado entra na estrada em cortejo em direcção à Vila do Gerês, que atravessa por entre uma multidão de gente que todos os anos vem assistir a esta tradição. Entre locais e turistas que vêm assistir a esta passagem do gado - sendo nos dias que correm esta actividade transumante produto turístico em si (ver Nunes, 2010) - é muita a animação. O gado continua depois a subida para a serra, acompanhado dos respectivos proprietários e de quem quiser acompanhar a subida, até chegar ao curral da Carvalhas das Éguas ao fim de aproximadamente duas horas de percurso. O primeiro curral a ser utilizado era o da Espinheira, mas actualmente este não é utilizado, ainda que existam planos para a sua recuperação e uso. Hoje em dia é o curral de Carvalhas das Éguas o primeiro onde o gado fica na montanha. Aqui, o vezeiro que irá lá passar a primeira noite, em conjunto com outros vezeiros e com quem acompanhar a subida, juntam-se num almoço com comes e bebes que cada um traz das respetivas casas. A partilha e estreitamento de laços são características-chave desta tradição antiga, que tem no relacionamento intergeracional um dos seus maiores referenciais. E este é mais um desses momentos de convívio, desta feita antes da primeira noite de vigia e de solidão. Ao longo do período quente a cada ano (do segundo Domingo de Maio até 15 de Setembro) o gado da Vezeira de Vilar da Veiga circula em transumância estival pela serra (ver Oliveira e Silva, 1999; Ribeiro, 1939), pelos currais de Carvalha das Éguas, Lomba do Vidoeiro, Teixeira, Camalhão, Lomba do Pau, Conho, Prados da Messe e Leonte, este último de onde recolhe aos currais dos seus proprietários a 15 de Setembro, fim da época de pasto na serra. Como anteriormente referido, existe um último curral, o da Mijeceira, mas este, tal como o da Espinheira, não é utilizado actualmente. Nota ainda para o facto de nem todos os currais possuírem abrigo para o pastor, sendo que este só existe nos currais onde um pastor fica a fazer a vigia diariamente, o que não acontece sempre como à frente se explica. A Roda de Serviço Quanto à Roda de Serviço, esta consiste num mapa que determina a quem compete subir à montanha para a vigia, apresentando algumas particularidades. Porque a Vezeira é uma prática antiga, adoptaram-se naturalmente estratégias para simplificar a atribuição das competências. Para bem entendermos isto é preciso levarmos em conta que tratando-se de uma prática centenária esta não recorria a relógios nem a calendários impressos, nem existiam os meios de comunicação que actualmente temos ao nosso dispor. É disto exemplo o caso dos dois Chamados obrigatórios (último Domingo de Abril e Domingo posterior a 15 de Setembro), que não carecem de convocatória, sendo que é suposto terem lugar ao final da missa em Vilar da Veiga. Não havia, como não há ainda, necessidade de relógio: o final da missa marca ainda o tempo. O vezeiro que a eles não comparecesse pagaria uma condena à Vezeira, tradição que se mantém. Voltando à Roda de Serviço para a guarda do gado na montanha e vigília dos pastos, esta baseia-se numa “geografia dos vezeiros”, chamemos-lhe assim. Baseia-se na proximidade e vizinhança entre estes. Isto é, se a um dado vezeiro compete a guarda na montanha hoje, o vezeiro que lhe seguirá será um seu vizinho mais próximo, numa ordem estabelecida desde os tempos antigos. Note-se que por vizinho falamos apenas daqueles que são igualmente vezeiros, e não de um vizinho que não possua gado, ou que possuindo não seja associado da Vezeira. No segundo domingo de Maio o gado dos vezeiros, em conjunto, sobe então à serra para o período de pastagens de Verão. O primeiro curral onde fica, como referido, é o curral de Carvalhas das Éguas. Tem então aqui início a Roda de Serviço para a guarda dos animais. O gado permanece em cada curral até que a pastagem de que necessita seja consumida, momento em que segue a transumância para o curral de Lomba do Vidoeiro, no qual se mantém o mesmo esquema de vigilância diária de acordo com a Roda de Serviço. Deste curral o gado segue depois para o curral da Teixeira, e a partir deste, porque já muito elevado, o gado deixa de estar sujeito a uma vigilância diária, sendo que apenas aos finais de semana são visitados e controlados por dois vezeiros de cada vez, sempre de acordo com a Roda de Serviço. De notar que enquanto um vezeiro vigia o gado diariamente nos currais anteriores ao curral da Teixeira, ao mesmo tempo este último vai sendo visitado por outros dois vezeiros nos finais de semana, para verificar o estado desse pasto e se nenhum outro gado o tem vindo a consumir antes da chegada do gado da Vezeira. Neste período, em que o gado ainda é vigiado diariamente antes da subida ao curral da Teixeira mas já este último começa a ser controlado por dois vezeiros ao final de semana, a Roda de Serviço é adaptada por forma a que se um dos dois vezeiros que são supostos subir à Teixeira se encontrar a fazer a vigia num dos currais anteriores, este seja substituído pelo vezeiro que de acordo com a Roda de Serviço estivesse escalado para ser o seguinte a subir à montanha. Porque o segundo Domingo de Maio é o primeiro dia em que um vezeiro vai ficar de vigia ao gado na montanha, cumpre aqui falar aqui um pouco sobre a sua rotina na serra, que podendo ser custosa é no entanto frugal e, salvo em casos pontuais que possam ter lugar, bastante repetitiva. Ao acordar o pastor verifica se tudo está bem com os animais e acende o lume onde vai cozinhar algo para comer, abrindo depois o portão do curral para que o gado saia e possa pastar em volta. Depois do gado sair, regressa e prepara então a sua refeição. O restante do dia consome-se entre refeições, alguma tarefa mais urgente que requeira atenção, e a vigia do gado na serra em volta do curral. Como já referido, quem fica de vigia tem sempre consigo as folhas com o contacto de cada proprietário e o número de brinco de cada cabeça de gado que cada um deles lá tem, para que possa ser facilmente ser contactado no caso de algo acontecer. Ter estes dados dos proprietários sempre consigo é uma obrigação e uma responsabilidade de quem está de serviço de vigia ao gado na montanha. Ao fim de cada dia, o pastor de serviço recolhe o gado de novo para o curral, para que este possa passar a noite em maior protecção de animais como o lobo da serra do Gerês. Ao recolhê-lo, o pastor é responsável por fazer a contagem das cabeças, certificando-se de que nenhuma está em falta. Caso falte alguma, depois das outras terem sido recolhidas ao curral o pastor é responsável (na medida em que as condições de luz ou atmosféricas o permitirem) por sair e tudo fazer para encontrar e recolher a tresmalhada. Caso não consiga encontrá-la deve informar o seu proprietário desde logo, bem como o Juiz. E no caso de a encontrar ferida ou morta deve também contactar de imediato o proprietário e o Juiz, que depois tomarão as providências que acharem por necessárias, sendo que o Juiz encarregará de enviar ao local os Louvados, para que estes avaliem a situação e determinem um eventual pagamento ao proprietário pelo animal que perdeu. Caso nessa noite o pastor venha a ser substituído por outro vezeiro na vigia do gado, tem quem está a obrigação de ter o gado no curral, para que quem chega possa facilmente fazer a contagem das cabeças e certificar-se de que o número de cabeças de gado entregue à Vezeira nesse ano se encontra ali na totalidade. A falha na contagem de cabeças de gado por parte de quem chega para a vigia implica que o mesmo seja responsabilizado caso se verifique mais tarde que alguma esteja em falta. A lógica é a de que quem chega e não se interesse por saber se o gado ali está todo não tem depois o direito de mais tarde alegar que quem lho entregou é que lhe devia ter referido isso mesmo. Em teoria, ambos teriam responsabilidades: quem entregou e sabia da falta mas nada disse, e quem recebeu e não se deu ao trabalho de o contar. Mas na prática é este último que é alvo de uma condena, porque foi negligente nas suas obrigações. Em relação às refeições, é de referir também que em tempos idos, sempre que havia uma rendição na vigia do gado na montanha era ao pastor que lá estava e que ia entregar o gado que competia deixar preparado o jantar do pastor que chegava e o ia receber. E isto porque quem subia chegava tarde e já sem tempo de preparar e cozinhar uma refeição antes que a noite caísse, e era duro subir pela serra sempre carregando os alimentos que ia consumir, que eram de tempos em tempos levados em grupo para que a tarefa não fosse tão penosa. Hoje em dia, porque todos têm um veículo que os leva a subir boa parte do percurso, já não existe esta obrigação, que dava direito a condena caso não fosse cumprida. Hoje quem sobe para a sua função de vigia leva consigo o que comer. E assim é a rotina na serra. Ao final da tarde, depois do gado estar protegido de volta ao curral, o pastor janta e descansa. No dia seguinte a rotina repete-se, com o mesmo pastor ou com o pastor que o vier render. Fim da Vezeira e Segundo Chamado A Vezeira termina a 15 de Setembro, altura em que o gado sai do curral de Leonte, pela mão dos respectivos proprietários, numa transumância invernal (ver Oliveira e Silva, 1999) para as suas casas, para os seus currais particulares em zonas mais temperadas. No Domingo que imediatamente lhe sucede tem lugar um segundo Chamado que carece de convocatória, e que uma vez mais acontece no salão do Centro Social e Paroquial de Vilar da Veiga. Neste Chamado são discutidos todos os assuntos relacionados com eventuais dificuldades sentidas, disputas várias ou perdas de gado que se tenham verificado na serra nesse ano e que tenham de ser pagas. Uma vez mais, sendo um Chamado ao qual todos os vezeiros estão obrigados a comparecer sem para tal terem de ser convocados (ou no qual têm que se fazer representar), a não comparência implica o pagamento de uma condena. Tem assim fim a Vezeira a cada ano. Tem fim esta prática conjunta, comunitária, de apascentação de gado bovino na Freguesia de Vilar da Veiga, que para além dos benefícios de uma estratégia de entreajuda entre as pessoas, que ao longo de séculos contribuiu para maximizar os recursos individuais e a viabilizar todo um modus vivendi, é responsável na actualidade por um profundo relacionamento intergeracional que fomenta a união entre novos e velhos numa pequena comunidade. Ao contrário dos tais tempos antigos, em que neste lugar remoto e de terreno acidentado a criação de gado bovino era, em conjunto com uma agricultura de pequena escala, a única fonte de subsistência dos habitantes, hoje em dia as pessoas têm as mais variadas actividades, sendo que grande parte dos jovens parte para estudar e trabalhar noutros locais. Mas, ainda assim, o peso da Vezeira na identidade das gentes deste lugar faz com que muitos optem por continuar a possuir algumas cabeças de gado com as quais participam na ancestral vezeira. Muitos, ainda que trabalhando fora (e alguns mesmo bastante longe), regressam a Vilar da Veiga neste período para conduzir uma Vezeira que lhes foi transmitida e ensinada pelos ascendentes, uma Vezeira que pretendem também transmitir aos seus filhos, uma Vezeira que os moldou nestes encontros e partilhas intergeracionais e sem a qual se perderia uma importante parte das suas identidades. Alguns aspectos da prática da Vezeira foram sofrendo alterações para melhor a adaptar aos ritmos de vida actuais, porque, como referido, se já ninguém vive dela todos desejam que a mesma não morra. E o resultado é uma prática património cultural imaterial de uma região que, ainda que frágil, na sua essência e natureza vive ainda. Sendo a Vezeira uma prática que se reporta à transumância de gado bovino, importa também abrir um pequeno parêntesis sobre a relevância desta prática. Desde tempos recuados que tiveram lugar movimentos sazonais de gado herbívoro que abandonam o território de origem para se alimentarem de pastos frescos em solos de outras zonas. Oliveira e Silva (1999) referem dois tipos de transumância: a Estival, ou ascendente, caracterizada pela deslocação dos rebanhos até aos planaltos serranos onde abundam pastos verdejantes durante o Verão, e a Invernal, ou descendente, motivada pela escassez de pastos e pelas condições desfavoráveis do clima em maiores altitudes, pela qual os rebanhos desciam da serra para pastos em regiões temperadas. Os mesmos autores referem ainda que até finais do século XIX, o fenómeno se manteve pujante em toda a península, e que a partir de então, se assistiu ao seu declínio generalizado, ainda que de uma forma muito desigual, consoante as regiões, apontando como causas deste declínio o envelhecimento da população activa, uma dificuldade de recrutamento de pastores, uma diminuição do número de cabeças de gado, modernos sistemas de estabulação e, relevante para se pensar sobre a Vezeira, um certo individualismo dos criadores. Este individualismo é contrariado pela manutenção da prática da Vezeira em Vilar da Veiga, o que lhe empresta uma importância particular na medida em que, ainda segundo os autores acima referidos, só se forem tomadas medidas que visem a revitalização desta forma de pastoreio, será possível manter viva uma tradição arcaica cuja origem se perde nos tempos. Em suma, falar-se da Vezeira de Vilar da Veiga é falar-se não apenas de uma tradição de pastoreio comunalista que reforça a identidade local, ou que reforça uma identidade enquanto membros de um conjunto de associados que perpetua uma prática centenária, mas é falar-se também de uma identidade enquanto indivíduos enraizados numa tradição. Sobre este regime de pastoreio comunalista já em 1927 escrevia Tude de Sousa que “(...) é bem ainda, pelo espírito ancestral que representa, o espêlho liso da tradição em que aquela gente, sequestrada do mundo, vivia noutras eras a vida de paz, a vida simples de fraternidade e de amor, que os novos tempos e as civilizações novas lhes vão dia a dia enfraquecendo e quebrando” (p. 43-44). E é este equilíbrio frágil entre identidade individual num mundo multi-identitário, entre tradição ancestral e uma contemporaneidade que tudo parece homogeneizar, e esta solidariedade e partilha intergeracionais, que são a maior riqueza a salvaguardar para um futuro comum onde as tradições locais tenham não apenas lugar de destaque, mas sejam âncora de um orgulho partilhado. Identidade individual e património comum não são conceitos mutuamente exclusivos. Pelo contrário, são as várias matizes individuais de um património comum, seja este material ou imaterial, que lhe emprestam a sua maior riqueza e onde reside a sua maior força. Porque, não tenhamos dúvidas, se a identidade de cada um de nós é composta de camadas se elas nos forem a pouco e pouco sendo retiradas no fim o que restará de nós como povo, como comunidade e como indivíduos será pobre, vazio e sem memória; será uniforme no pior sentido do termo, porque um futuro profícuo deve passar pela coexistência em harmonia e respeito pelas identidades, e não pela homogeneização da diferença.
  • Manifestações associadas:
    Da documentação existente há várias referências a outras vezeiras que usam a Serra do Gerês para apascentar o gado bovino e caprino, nomeadamente da Vezeira de Rio Caldo, de Covide, de S. João de Campo, de Vilarinho das Furnas, da Ermida e da Ribeira, sendo esta prática comunitária igualmente comum nas serras do Soajo e da Amarela, que abrangem os termos de Soajo e Lindoso, por um lado; até aos termos de Barroso e Montalegre, pelo outro. As vezeiras existentes nesta zona da Serra do Gerês eram a de Rio Caldo, de Covide, de S. João do Campo e da Ribeira. “Nas vezeiras de Villar da Veiga entravam também as de Rio- Caldo, Ermida e Ribeira; como esclarece o Regulamento renovado e modificado em 1882” (Ver Luís da Silva Jácome, 2001). Contudo somente a Vezeira de Vilar da Veiga perdura até aos dias de hoje, com um regulamento próprio e com uma forte tradição local, sendo esta prática parte da memória coletiva e da identidade cultural da freguesia. Das vezeiras supracitadas que atualmente mantêm alguma atividade continua, são a Vezeira de Rio Caldo, a Vezeira da Ribeira em Vieira do Minho e a Vezeira da Ermida em Fafião. Para além das outras vezeiras existentes, consideramos o Dia da Subida da Vezeira uma manifestação associada, dada a relevância que tem vindo a conquistar paralelamente à Vezeira. O dia da subida, antigamente sempre a 15 de Maio, acontece hoje em dia no segundo Domingo deste mês para que essa subida possa ser disfrutada num fim de semana que possa atrair visitantes. A subida do gado (a que se chama Vezeira), sendo algo totalmente independente de outros eventos que lhe estão hoje em dia associados, é motivo para que estes tenham lugar. E estes acontecem ao longo de dois dias, promovidos no fim de semana da subida do gado por uma associação local, a Associação Lírios do Gerês. Para a Associação Lírios do Gerês a Vezeira é um bem cultural imaterial precioso que é necessário salvaguardar e dar a conhecer. Neste sentido, os eventos paralelos que nesse fim de semana acontecem, dinamizados por esta associação local, nascem de uma necessidade de se encontrarem estratégias para a dinamização turística da freguesia/local tendo a Vezeira como aspecto central. Ou seja, organizando eventos que não têm relação com a Vezeira em si mesma, como prática e tradição centenárias, contribuem directamente para a promoção da continuidade desta prática cultural ao trazerem para a Vila do Gerês muitos visitantes para ver a Vezeira e disfrutar de um fim de semana que oferece outras actividades. Até inícios do século XX cada vezeiro levava por si mesmo o seu gado para a serra, e a actual subida conjunta do gado, e actividades relacionadas promovidas pela Associação Lírios do Gerês, emanam de uma mesma necessidade de se encontrarem estratégias de promoção, que resultem num reforço da salvaguarda deste bem cultural imaterial que é a Vezeira. Deste modo, e como já referido, estas actividades associadas, sendo totalmente independentes da Vezeira, têm-na como razão de existir e fazem da sua promoção mais um instrumento para a sua salvaguarda. A Associação Lírios do Gerês é a responsável pela dinamização de eventos como um cortejo etnográfico, percursos guiados pela montanha, uma prova gastronómica (à qual se associam restaurantes e alojamentos locais), chegas de bois, e concertos e cantares ao desafio. Pretendem com isto dinamizar todo um fim de semana e não apenas o dia da subida à serra do gado, para que o evento Vezeira, ao ser coadjuvado por eventos paralelos, possa ter outra dimensão e trazer mais pessoas à Vila do Gerês. O propósito é que as pessoas não venham apenas ver o gado passar mas fiquem todo o fim de semana, convivam e disfrutem de refeições típicas a preços simbólicos e de uma mostra gastronómica regional, participem em caminhadas gratuitas no dia anterior à subida do gado para visitar o primeiro curral onde este vai ficar, disfrutem de ranchos e grupos musicais e mesmo de chegas de bois; e que depois durmam nos variados estabelecimentos da vila, para que também estes possam ter algum retorno e assim valorizem cada vez mais a necessidade de preservar esta actividade secular do património da região que é a Vezeira. A Associação Lírios do Gerês aposta assim num programa de dois dias para dar a conhecer a tradição, fazendo a par com a promoção turística da vila (organizando vários eventos) a promoção da Vezeira em si mesma, da subida do gado à serra, e contribuindo assim para a necessidade de preservação e continuidade desta tradição centenária, deste frágil património cultural imaterial, e para uma perpetuação do mesmo junto de camadas mais jovens.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: Se a existência do bem cultural imaterial está desde 1802 sujeita a regras escritas, regras essas que os associados da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga têm necessariamente de aprender, e pelas quais se devem reger, a verdade é que a transmissão desta tradição se efectiva na prática de pais para filhos/netos, em contexto operativo, sendo que no passado esta transmissão foi natural porque necessária à sobrevivência dessas comunidades. Hoje já não são questões de sobrevivência que ditam a necessidade de transmissão desta prática, mas sim questões relacionadas com a identidade e com a memória. Hoje crianças são desde jovens habituadas a subir com os pais e avós para a serra, e motivadas para que se envolvam e aprendam (fazendo) tudo o que diga respeito quer à criação do gado quer à prática e regras da Vezeira em si mesma. Como resultado, esta forma de transmissão do bem cultural imaterial que é esta prática comunitária reforça não apenas um forte sentido solidário entre os criadores de gado bovino, entre parentes e amigos, entre vizinhos e habitantes da mesma freguesia (ao reforçar o sentimento de pertença a um lugar), mas resulta também num relacionamento intergeracional espontâneo e desejável, porque integra ao invés de excluir. E esta intergeracionalidade subjacente ao modo de transmissão deste bem cultural é uma das suas maiores riquezas, pois é nesta partilha e transmissão de conhecimentos e práticas entre gerações que reside a maior aposta de que as tradições que fazem parte da sua identidade não caiam no esquecimento.
    Data: 2022/09/09
    Modo de transmissão oral e escrita
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Proprietários de gado vacum da Freguesia de Vilar da Veiga membros da Sociedade de Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga, conhecida por Associação da Vezeira (ou simplesmente vezeira).
  • Origem / Historial:
    “Vezeira”, ou Vezeira de Vilar da Veiga tem origem na Serra do Gerês e é uma das práticas comunitárias tradicional da população local, cuja herança cultural faz parte da identidade e memória coletiva de Vilar da Veiga. Perpetua na sociedade atual como elemento agregador da comunidade que legitima o sentimento de pertença e dá continuidade ao legado deixado pelos seus antepassados diretos, preservando assim o passado, o presente e o futuro. A origem desta prática comunitária na Serra do Gerês remonta a tempos idos, desde as primeiras formas de ocupação do território. “Salienta-se a ancestralidade das práticas comunitárias que persistem até à atualidade na gestão das atividades agrícolas da aldeia. O pastoreio do conjunto de rebanhos de caprinos e bovinos, segundo um sistema de guarda rotativa designado por “vezeira”, os direitos que regem o uso dos baldios…, constituem um museu histórico vivo, herdado do comunitarismo pré-romano.” (Ver Odete Laja, 2013). A prática de apascentar e vigiar o gado à vez é uma estratégia recorrente das comunidades serranas que “adotaram enquanto estratégia de sobrevivência em áreas de grande altitude, onde as condições de vida são austeras e, em virtude desse facto, se desenvolveram ofícios e estruturas comunitárias onde a colaboração de todos é indispensável. Encontramos testemunhos materiais e imateriais de grande valor identitário de aldeias comunitárias em várias áreas de montanha do nosso território…” (Ver J DIAS, 1965), revelando práticas e costumes cujas origens remontam a épocas muito recuadas no tempo. Há falta de um estudo alargado e específico sobre a Vezeira de Vilar da Veiga, resta-nos as evidências físicas para perceber que esta atividade existe já muito mais tempo do que o 1º documento oficial conhecido, o Capa-foles, como sempre os Vezeiros o designam, nome que transita de geração em geração. Esta é a primeira e a mais antiga referência à Vezeira e constitui-se no 1º regulamento para a Vezeira de Vilar da Veiga datado de 1802. Este documento em 1882 é reformulado e tem lugar uma nova versão. Os primeiros estudos que abordam as práticas sociais e o modo de vida dos habitantes da Serra do Gerês são do século XIX, em que a maioria dos autores referem a existência de várias vezeiras nos territórios de montanha, atualmente protegidos pelo PNPG - Parque Nacional da Peneda-Gerês, corroborando assim que a prática de apascentar e vigiar o gado à vez era uma estratégia muito usada pelos povos das serras. Tude de Sousa é uma referência incontornável e dá um contributo precioso para a compreensão da dinâmica da Vezeira de Vilar da Veiga porque vem instalar-se no Gerês em 1904, quando é nomeado Regente Florestal nos Serviços de Arborização da Serra da Gerês. Vive largos anos na vila do Gerês e publica inúmeros estudos sobre o vasto território de montanha do Gerês, com ênfase no “estudo da serra, do seu revestimento florestal, das suas gentes, da sua história e do seu diversificado património cultural e natural” (Ver Tude de Sousa, 1927). Da documentação existente há várias referências a outras vezeiras que usam a Serra do Gerês para apascentar o gado bovino e caprino, nomeadamente da Vezeira de Rio Caldo, de Covide, de S. João de Campo, de Vilarinho das Furnas, da Ermida e da Ribeira, sendo esta prática comunitária igualmente comum nas serras do Soajo e da Amarela, que abrangem os termos de Soajo e Lindoso, por um lado; até aos termos de Barroso e Montalegre, pelo outro. Em 1907, Tude de Sousa publica na Revista Portugália, um artigo intitulado Regimen Pastoril dos Povos da Serra do Gerês. O artigo faz uma síntese do modo de vida e da organização social dos povos que habitam a Serra do Gerês e faz referência às várias Vezeiras existentes, ainda que, nenhuma se iguale à de Villar da Veiga que possui um regulamento próprio, bem definido e cuja prática se mantém ininterruptamente em uso desde os primórdios da sociedade pastoril. O mesmo documento aponta as possíveis razões da existência da prática comunitária das Vezeiras, que encontram paralelos em sociedades pastoris semelhantes, na região dos Alpes, na Suíça e na França. Um dos fatores que ocupa maior relevo e que determina a forma de ocupação do território é a situação topográfica. Estas comunidades de montanha, isoladas em altitude, de difícil acesso adquirem costumes e hábitos comunitários muito próprios com regras especificas que permitem assegurar a sua autonomia e autossuficiência. Estes regulamentos convencionados, nem sempre surgem escritos, pelo que, o exemplo da Vezeira de Vilar da Veiga, é único e raro, ainda mais, dada a sua manutenção até à atualidade. O mesmo autor descreve que coexistiam no mesmo espaço várias vezeiras, e que por vezes, até partilhavam currais e abrigos. “Entre as vezeiras do Vilar da Veiga e de S. João do Campo, que ambas têm seu curral privativo em Leonte, há mesmo o costume de uma vez por outra, quando ali se juntam, lançarem os seus touros a turrar, obrigando-os à luta, que de uma e outra parte tem bastos admiradores”. (Ver Tude de Sousa, 1927). As vezeiras existentes nesta zona da Serra do Gerês eram a de Rio Caldo, de Covide, de S. João do Campo e da Ribeira. “Nas vezeiras de Villar da Veiga entravam também as de Rio-Caldo, Ermida e Ribeira; como esclarece o Regulamento renovado e modificado em 1882” (Ver Luís da Silva Jácome, 2001). Contudo somente a Vezeira de Vilar da Veiga perdura até aos dias de hoje, com um regulamento próprio e com uma forte tradição local, sendo esta prática parte da memória coletiva e da identidade cultural da freguesia. Desde a sua regulamentação em 1802 a prática da Vezeira da freguesia de Vilar da Veiga está ativa e opera ininterruptamente com períodos de maior e menor intensidade. De todas as Vezeiras conhecidas na Serra do Gerês é a de maior longevidade e mantém-se com grande dinamismo, em especial na última década, devido ao trabalho que a Associação Lírio do Gerês tem realizado para fomentar a atividade e contribuir para que a manifestação de património cultural imaterial perdure nas gerações futuras. Pode-se afirmar que a Vezeira de Vilar da Veiga persiste plena de dinamismo e vivacidade, fruto do empenho dos Vezeiros e da relação que estabelecem com a comunidade local, com a Câmara Municipal de Terras de Bouro e com a Associação Lírio do Gerês e com o ICNF – instituto de Conservação da Natureza e Florestas. O cenário espácio-temporal de desenvolvimento da Vezeira de Vilar da Veiga possui um conjunto de atributos únicos que fazem desta manifestação cultural e imaterial uma experiência imersiva aos nosso sentidos, desde o poder de observância da manifestação cultural in loco, da aprendizagem oral da tradição e da prática e na passagem de testemunho de geração em geração; ao contacto direto com o gado vacum, que se assume com o bem mais precioso da Vezeira e que todos trabalham solidariamente para manter vivos e em boa saúde os seus animais. A Vezeira de Vilar da Veiga desenvolve-se exclusivamente no território de baldios na freguesia de Vilar da Veiga, que está integralmente inserido no Parque Nacional da Peneda-Gerês. “Os baldios são parte fundamental das economias comunitárias de montanha, assumindo um papel central nas actividades diárias das populações: asseguram o pastoreio do gado e providenciam os matos que pela maceração se convertem em estrume.” (ver Manuel de Lencastre Leitão, 2011). Não obstante, a vezeira de Vilar da Veiga se desenvolver integralmente em área protegida, regulamentada pelo PNPG, as entidades de tutela sempre legitimaram de forma espontânea a ancestralidade das várias manifestações de património cultural material e imaterial que coexistem no Parque Nacional da Peneda- Gerês. Atualmente são utilizados nove currais, sendo que dois deles caíram em desuso. Tude de sousa refere em 1927 que o curral da Mijeceira caiu em desuso devido à abertura da estrada para a portela do Homem que acabou por desafectar parcialmente o curral. O curral da Espinheira que antecede o curral da Carvalha das Éguas, que é formalmente o 1º curral, a Vezeira e a Associação Lírio do Gerês em colaboração com a Camara Municipal de Terras de Bouro pretendem reativar o Curral da Espinheira já no próximo ano de 2023. Os currais atualmente utilizados, surgem mencionados no primeiro regulamento, redigido, o Capa-Foles em 1802 bem como no regulamento modificado de 1882. A vezeira não se esgota enquanto prática tradicional e comunitária de pastoreio de gado bovino na Serra do Gerês. Assume-se como uma manifestação cultural com características únicas com o poder de agregar pessoas e de ser um símbolo identitário da comunidade de Vilar da Veiga que perdura pela vontade dos vezeiros que veemente mantêm a tradição viva e perpetuam o legado dos seus antepassados. DIAS, J. (1965). Aspectos da vida pastoril em Portugal. Revista de Etnografia: Museu de Etnografia e História Porto. Vol. 4, tomo 2, nº 8. Porto JÁCOME, Luís da Silva (2001) O concelho de Terras de Bouro na Obra do Padre José Carlos Alves Vieira, Terras de Bouro: Território Museu da Montanha, Série Cadernos de Cultura, Câmara Municipal de Terras de Bouro p.139 LAJA, Odete (2013) - Proposta para o Ecomuseu do Barroso em Fafião, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, p. 28 LEITÃO, Manuel A. De Lencastre (2011) A evolução da paisagem rural do norte de Portugal p.24, Lisboa. SOUSA, Tude M. de (1927) Gerez- Notas Etnográficas, Arqueológicas e Históricas, Coimbra Imprensa da Universidade
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direito consuetudinário local (activo)Os direitos coletivos relativos à prática comunitária da Vezeira de Vilar da Veiga são de tipo consuetudinário, consistindo na definição do modo específico como se realiza a prática da Vezeira, cuja sociedade de Vezeiros é orientada por um regulamento próprio que legitima um conjunto de costumes e tradições que se perpetua de geração em geração, a dos Vezeiros, e que é tomado por ela como lei, sem que tenha passado por um processo legislativo. Vezeiros da Sociedade do Socorro Pecuário da Freguesia de Vilar da Veiga
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Celso Rosa
    Função: Antropólogo
    Data: 2023/05/18
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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