Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2022_005
  • Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos
  • Categoria: Festividades cíclicas
  • Denominação: Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estevão de Torre de Dona Chama
  • Outras denominações: “Festa dos Caretos”, “Santo Estevão”, “Ciganada”, “Burricada”, “Mourisca” ou “Correr/Corrida (d)a Mourisca”
  • Contexto tipológico: A Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão de Torre de Dona Chama é uma manifestação cultural coletiva que conjuga três componentes fundamentais, de manifestação religiosa em devoção a Santo Estêvão, de manifestação ritual protagonizada pelos jovens da vila e de manifestação de teatro popular com a representação da luta de cristãos contra os mouros em modo de encenação da reconquista cristã do território português. Assim, enquadra-se primeiramente, tal como o referem os primeiros etnógrafos, no quadro natalício das festividades de inverno da região transmontana, particularmente dentro do denominado “ciclo dos 12 dias” (entre o dia de Natal e o de Reis), onde se inserem manifestações parecidas, também sob a alçada de Santo Estêvão e protagonizadas pelos jovens, habitualmente rapazes e por isso denominadas Festas dos Rapazes e que acontecem sobretudo nos dias 26 e 27 noutras localidades do distrito de Bragança. Por outro lado, enquadra-se também nas festividades que integram formas de representação teatral, com maior ou menor formalidade e especificamente as que refletem a temática popular da reconquista cristã, com danças e representações da luta entre cristãos e mouros, fortemente associadas ainda ao lendário e à literatura popular sobre a presença dos mouros em determinadas localidades.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): População residente e natural de Torre de Dona Chama
    Grupo(s): Comissão de Mordomos da Festa de Santo Estêvão de Torre de Dona Chama
  • Contexto territorial:
    Local: Torre de Dona Chama
    Freguesia: Torre de Dona Chama
    Concelho: Mirandela
    Distrito: Bragança
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Norte \ Alto Trás-os-Montes
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Anual
    Data(s): 25 e 26 de dezembro
  • Caracterização síntese:
    A Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão decorre anualmente, entre a tarde de 25 de dezembro e a tarde de dia 26. Caracteriza-se, assim, por se desenvolverem ao longo de cerca de 24 horas um conjunto de atos performativos rituais. Durante a tarde preparam-se a fogueira, os alimentos e bebidas que permitirão manter os participantes despertos toda a noite. Os mordomos jantam juntos e partem depois em direção ao Largo da Berroa, onde já arderá a fogueira e se marca o encontro de todos os que participarão na primeira ronda, ora vestidos de caretos, ora tocando caixas e bombos, ora caminhando em procissão para assistir ao grupo de mordomos ir de casa em casa deitando “os jogos à praça”. A ronda que chama toda a população a participar é o convite para todos os outros atos. A população mantém-se depois durante a noite no Largo da Berroa, em menor número à medida que as horas aumentam. Sai de madrugada uma espécie de grupo de mascarados de Carnaval (com roupas velhas, sem personagem específico, “enfuliçados” (com a cara pintada com madeira queimada) ou com a cara coberta com óculos escuros ou outras máscaras de Carnaval (antigamente imitavam de forma satírica os comerciantes). Mais tarde, já ao despertar do dia saem as Madamas, um grupo de mascarados que tem como função brincar e “despertar” a vila. Vestem roupa de mulher e tapam a cara com rendas à semelhança de outros personagens característicos do Carnaval rural transmontano, as Matrafonas. Depois desta ronda matinal, acalmam-se os ânimos festivos e ao princípio da tarde tem início a Missa de Santo Estêvão, onde participam na primeira fila o rei Cristão e a rainha Moura. Cá fora aguardam já os outros personagens que enquadrarão o Cortejo, cada um em sua posição; caçadores, caretos e mouriscas. A Missa termina com a bênção do pão, uma pequena procissão em volta da igreja e o anúncio da lista de nomes dos mordomos nomeados para o ano seguinte. O Cortejo tem início com um primeiro disparo coletivo de espingarda (pólvora seca). A rainha ou o rei mouro vão à frente (como se fugissem), protegidos pelo grupo de mouriscas que os segue e pelo grupo de caretos que, com os seus paus, vai tentando impedir que os caçadores passem e consigam alcançá-las. No final, seguem o rei cristão e os fiéis que assistem à batalha. Ao longo do cortejo, decorre uma luta encenada cujas regras são simples: três personagens intervêm correndo para trás e para a frente - mouriscas, caretos e caçadores. De cada vez que, os caçadores ultrapassam os caretos e alcançam as mouriscas, lançam um disparo em sinal de vitória e regressam ao posto inicial. Assim segue o cortejo sempre acompanhado pelos bombos e tarolas, no seu ritmo habitual. Ao chegarem ao castelo os caçadores rodeiam-no e queimam-no. Neste cortejo, no fundo uma brincadeira entre vizinhos, amigos e famílias que aqui se reencontram a cada ano, festeja-se também a Torre de Dona Chama, uma vila marcada pela ocupação romana e por uma história ligada à lenda de Dona Chama, uma senhora moura que terá ali habitado, numa torre que se pensa que terá existido no sítio onde se encontra o Castro de São Brás.
  • Caracterização desenvolvida:
    A preparação, em cada ano, da Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão tem início, logo no final da Missa de Santo Estêvão do dia 26 de dezembro, com o anúncio da lista de mordomos que se ocuparão da sua organização no ano seguinte. “Às duas da tarde é a Missa, depois da Missa é a Bênção do Pão e aí, portanto é nomeada outra comissão.” José Augusto (1944) O peditório para a festa começa, em regra, no fim-de-semana seguinte ao dia de Santa Catarina, 25 de novembro. Assim continua a ser atualmente e o recordam e contam as pessoas de Torre de Dona Chama. “Há uma festa aqui numa aldeia, que lhe chamam Santa Catarina e era precisamente nesse dia, que começava a brincadeira da festa aqui da Torre. Vestiam-se os caretos, a primeira vez, isto dia 25 de novembro. A partir daí estavam sempre em cima dos acontecimentos da festa. O que era preciso fazer, o que não era, havia uma rainha, um rei, preparar a igreja.” José Augusto (1944) “A partir do dia 25 de novembro, que há uma festa ali em Vila Nova da Rainha, que se fazia sempre no dia 25 e a partir do próximo domingo vestem-se os caretos. (…) Vários domingos seguidos a fazer peditórios, para fazerem a festa.” António Manuel Mariano (1937) “A festa dos caretos era orientada pelo seguinte, logo que aqui a 3, 4 km fosse feita a festa a Santa Catarina que era dia 25 de novembro, no primeiro domingo, começavam os caretos a sair à rua.” Octávio Andrade (1922) Fazem o peditório, em ronda pelas ruas da vila, quem do grupo de mordomos tiver disponibilidade para participar. Muitos vivem fora ou estão emigrados, pelo que, em maior número, se juntarão a este grupo do peditório apenas na última ronda que antecede a festa, já no período natalício. Precisamente por este motivo, há pessoas (residentes mais velhos) que, nos últimos fins de semana, ajudam os mordomos em diversas tarefas; garantindo alguns dos preparativos e ajudando no peditório. Este é por isso um momento crucial de transmissão intergeracional dos modos de fazer a festa e dos seus propósitos. “Já tinha 16, 17 anos. Era um rapazito novo, porque os velhos iam metendo os novos, para irem aprendendo.” Mário Augusto Felgueiras (1935) Assim, durante o peditório, os mordomos e outros participantes vestem-se de caretos, tocam as tarolas ou caixas e os bombos que vão animando e marcando o ritmo das rondas de peditório e ao acompanhá-los, partilham histórias sobre a festa em décadas anteriores, ensinam os mais novos a tocar, ou esclarecem dúvidas que os mordomos possam ter sobre a festa e sobre os papéis que envolve. Ao mesmo tempo percorrem as casas e cafés da vila, onde lhes é oferecido por vezes de beber (vinho para os mais velhos, refrigerantes para as crianças) e alguns doces. Num caderno os mordomos vão apontando as quantias que vão recebendo em dinheiro e assim calculando também o quanto falta para atingirem o orçamento necessário. Por comparação com outras festas que decorrem ao longo do ano, esta é uma festa barata (não inclui, por exemplo, a contratação de bandas ou grupos de espetáculos, que costumam ser mais dispendiosos). Os mais velhos, explicam também que hoje há mais poder económico e por isso não é necessário que se façam tantas rondas de peditório como antigamente. “O peditório era antes da festa, para fazer o regulamento depois, do que se ia gastar, porque havia também despesa para fazer.” Maria Augusta Mariano (1935) “A gente pedia a esmola, para a festa, para se comprar lenha para a fogueira aqui no largo e para comer, bacalhau, chouriço e tudo, não faltou nada. Então tirava-se a esmola para isso tudo.” Jaime Fernando Reimão (1942) “Os mordomos iam depois arranjar lenha para a festa, como é agora. Comprava-se o bacalhau. Agora já é bifanas e tudo mais, dantes era o bacalhau e o cafezinho. Café e bacalhau salgado foi sempre. Hoje já é bifanas e frango e tudo, porque há dinheiro, não é!?” Mário Augusto Felgueiras (1935) Dos preparativos, que são responsabilidade dos mordomos (cerca de uma dezena de pessoas casadas ou solteiras), fazem então parte: a recolha de lenha para a fogueira de Natal; a disponibilização de carnes e bacalhau para assar, pão, café e vinho para alimentar os participantes durante os festejos na noite de dia 25 de dezembro; organizar todas as etapas da festa, entre a noite de 25 de dezembro e a corrida da mourisca - convidando para o cortejo todas as pessoas que possam assumir os papeis dos diferentes personagens (mouriscas, rei, rainha, caçadores) – e a queima do castelo, que encerra a festa na tarde do dia seguinte. Cabe, ainda, aos mordomos nomear o grupo que tomará o seu lugar no ano seguinte e que será anunciado no final da missa de Santo Estevão no dia 26. “Os mordomos era assim, havia cinco ou seis mordomos velhos e depois cada um nomeava o que queria. Por exemplo agora, há por exemplo, dez mordomos e eu tenho direito a nomear um. Dantes era assim e agora também é mais ou menos.” Mário Augusto Felgueiras (1935) A festa começa, então, dia 25, depois de concluídos os festejos natalícios, substituindo a reunião familiar pela reunião coletiva, na rua, a partir do Largo da Berroa, “centro histórico”, por assim dizer, de Torre de Dona Chama. Depois do almoço familiar de Natal que cada um terá tido em suas casas, durante a tarde, os mordomos ultimam os preparativos. Ao Largo da Berroa chega a carga de lenha para a fogueira e também as bancas para os alimentos e bebidas, noutro local, continuam a construir as paredes de papelão, esferovite pintado com borras de café, ou paus de madeira que servirão para montar um Castelo improvisado no largo a que chamam “Prado” na manhã do dia seguinte. Ao final da tarde encontram-se para jantarem juntos na casa de algum deles. “Então a festa nasce assim. Dia 25 de dezembro à noite, faz-se uma fogueira, que acendem às oito, nove da noite mais ou menos.” António Manuel Mariano (1937) “Era o Natal 24, dia 25 acendia-se aqui a fogueira, ficava aqui, traziam para aí duas ou três carradas de lenha e a fogueira ficava acesa até depois lá para diante.” Maria Augusta Mariano (1935) A partir das nove horas da noite, o grupo de mordomos dirige-se para a fogueira, acompanhados pelas tarolas e pelos bombos, elementos sonoros fundamentais que, em permanência, nas próximas horas e até ao encerramento da festa marcarão o “ponto de encontro”, o início e término das rondas que se irão seguir e o ritmo a que irão decorrer. É habitual virem vestidos já de caçadores, ou com roupas descoordenadas, e acessórios de caracter carnavalesco, como óculos com brilhantes e cores fluorescentes, fitas luminosas no cabelo, gorros coloridos, perucas, etc. Depois mais tarde, pela madrugada, poderão “enfuliçar” a cara, pintando-a com a madeira queimada da fogueira. Depois de se ajuntarem as pessoas, seguem para a primeira ronda da festa que consiste no Deitar os Jogos à Praça. “À noite saiam os jogos, deitavam-se os jogos pelas portas fora, pelas ruas fora. Ao fim dos jogos a gente reunia-se ali tudo na fogueira e comia-se e bebia-se.” Jaime Fernando Reimão (1942) “Depois eram os "Jogos à Praça", andavam então com uns “embudes”, aqueles grossos das pipas, andavam os mordomos com eles. Andavam de fora e apregoavam: - À que D'el Rei Meu Senhor! Jogos à Praça! Tinha que sair no dia da festa daquilo que...: - O senhor... o cigano! Olha o perdido! Punham assim uns nomes quaisquer.” Maria Augusta Mariano (1935) “Depois fazem os Jogos à Praça, dão a volta à vila. Fazem com um destes, embudes, que são aqueles funis grandes, com que se enchem os túneis. Andam pela rua porta, chegam à porta de alguém e põem: Ah meu rei, meu senhor! Amanhã, sairá com os seus Jogos à Praça, olha o senhor António, a mim puseram-me: - Olh’o parte agulhas! E punham nomeadas às pessoas.” António Manuel Mariano (1937) Em resumo, depois de se concentrarem mordomos e população junto da fogueira, partem todos, liderados pelo grupo de mordomos, que vai indicando o caminho e parando em frente de cada porta e que, pela boca de embudes (grandes funis) deitam os Jogos à Praça: “Manda el Rei meu Senhor Amanhã Sairá com os jogos à Praça (gritam/chamam pelo nome do proprietário da casa) Olh’ó... (e diz um nome satírico, por exemplo: Olh’ó caga-baixinho! ou Olh’ó o Photoshop!)” E o coro repete o nome atribuído. Esta “lengalenga” é dita por um dos mordomos e todos repetem cada uma das frases em coro, dando, assim, uma volta pelas ruas da aldeia que pode durar até à uma ou duas da manhã. Este momento, tal como acontece, noutros atos desta festa, tem características performativas e de, no fundo, entretenimento, pelo que, pela sua capacidade de gerar a gargalhada geral e pela criatividade de atribuir com assertividade alcunhas cómicas e até por vezes provocadoras, reconhecem-se algumas pessoas como mais capazes para deitar os Jogos à Praça do que outras, sendo por isso, também uma demonstração de competências e de liderança no contexto do grupo e da comissão da festa. “Nem toda a gente deita os jogos à praça, mesmo hoje, há sempre pessoas mais indicadas, por exemplo o Mário "Batata", o Gualter e assim.… o Anastácio, esse Anastácio, esse homem é o diabo, põe nomes que… e um gajo não pode levar a mal, quem lhe leva a mal….” Mário Augusto Felgueiras (1935) Este primeiro ato, que percorre todo o espaço (ou quase todo) habitado da vila, funciona como uma espécie de “introdução”. É uma forma de apelar ao envolvimento de todos os habitantes na festa. É assim, também, simbolicamente, uma forma de representação da peça de teatro popular em que consiste esta manifestação cultural e cujos “jogos à praça” constituem o seu primeiro ato. Metaforicamente, neste primeiro ato, os mordomos protagonizam este chamamento dos cristãos a participarem na batalha que se irá dar no dia seguinte pela reconquista do território aos mouros. “E antigamente, essas pessoas nomeadas, o que lhe deitavam, saiam depois, no outro dia à praça com essa coisa que lhe rogavam, mas agora isso acabou.” António Manuel Mariano (1937) Finda esta ronda juntam-se todos, novamente, na fogueira, que pela noite gélida de 26 de dezembro, permitirá suficiente calor para que se aguentem pela noite dentro. Entretanto, continuam a tocar sempre os bombos, no mesmo ritmo, com breves pausas para comer e beber, o vinho, o café que se aquece nas brasas da fogueira e as carnes e bacalhau que se põem a assar. Os mais resistentes aguentam despertos toda a noite, os restantes aproveitam para descansar e participar ou assistir no dia seguinte aos atos que irão completar a festa. Pela madrugada, ainda sai, por vezes, o grupo da “ciganada” ou “burricada”, como hoje também lhe chamam, apesar de já não se praticar o roubo dos burros (a que estava associado aquele grupo que se fazia acompanhar destes animais), um momento emblemático desta festa que caiu em desuso, mas que até há pouco tempo se tentava realizar, embora, sem sucesso, quer porque já são poucos os que ainda tenham gado asinino em Torre de Dona Chama, ou noutras freguesias do distrito, quer porque os seus donos, associam o roubo ao maltrato do animal, não permitindo a participação dos animais, pelo que esse momento já não faz, atualmente, parte da festa. Neste contexto, este grupo noturno, para o qual já veem preparados quando saem de casa depois do jantar, consiste em personagens mascarados com roupas descoordenadas, como anteriormente se descreveu, com pijamas vestidos por cima da roupa, por exemplo ou perucas e chapéus de Carnaval e outros acessórios do género; que andam pelo centro da vila fazendo brincadeiras como sucede habitualmente no dia de Carnaval, ou simplesmente com o propósito de se apresentarem apenas mascarados, em grupos de amigos que convivem e se divertem durante a noite. “Ao fim saiam as madamas, às nove, dez horas. Agora saem de noite, mas naquela altura não, tinha aquilo tudo marcadinho. Todo o mundo saia a ver, agora não, a ciganada por exemplo saí de noite, a maioria está na cama e não vê.” Mário Augusto Felgueiras (1935) De manhã, entre as 7 e as 8 horas saí o grupo das Madames. Acompanhadas, como sempre, pelo passo ritmado das tarolas e dos bombos, marcando o despertar da vila, num ato também ele jocoso e carnavalesco, atiram por vezes farinha, metem-se com quem encontram, levam rábano, batata e bacalhau crus para oferecer. “Para o outro dia, então, dos jogos, dia 26 saíam as [madamas] pelas ruas foras, traziam umas bandejas, algumas traziam cinza, outras farinha...” Maria Augusta Mariano (1935) “A seguir eram as madames, que eram homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homem. Punham para tapar o rosto uma renda. Vestiam-se de qualquer maneira, assim com umas roupas mais estrambólicas do que é normal e a cara tapada com renda. Ninguém sabia quem eram e também faziam o percurso aqui à volta da vila.” António Manuel Mariano (1937) “Outras vinham com uma garrafa de água com uma rolha um bocadinho cortada e salpicavam a gente. E outras às vezes, se fosse preciso levam-nos pelo braço, andavam assim um bocado com eles, enfim distraiam o povo.” Octávio Andrade (1922) A meio da manhã, no largo do “Prado”, junto ao Edifício Galerias, os mordomos montam o castelo que irá ser queimado e preparam também uma boneca para fazer de rainha moura e que irão pendurar no cimo deste Castelo de faz de conta, encenando assim com maior ou menor detalhe em cada ano, o momento da reconquista. Às duas horas da tarde realiza-se a Missa de Santo Estevão, considerado santo de devoção dos jovens rapazes, a ele estão ligadas muitas das festas dos rapazes do nordeste transmontano. “Depois então era a missa e tinha sermão, porque antigamente havia gente que vinha fazer os sermões nos púlpitos como tem a nossa igreja. Depois da missa era organizada a procissão (e a bênção do pão ali no adro da igreja).” Maria Augusta Mariano (1935) “Então, os caretos, ficavam cá em baixo, fora da igreja. Os caçadores acompanhavam ao altar as mouriscas, e saiam para fora, e depois na hora da Missa deitavam três descargas de fogo. Acabava a missa e então davam a volta à igreja e depois então era a bênção do pão. Que era às duas. E depois seguia-se então lá para cima.” Jaime Fernando Reimão (1942) É durante a Missa de Santo Estevão que se prepara o ato principal desta festa teatralizada. No interior da igreja, na primeira fila, estão o rei mouro (ou rainha) e o rei cristão, e também podem estar algumas mouriscas e caretos. Na interpretação popular desta parte inicial da representação do “conflito”, este parece ser considerado um ato de tentativa de redenção pacífica dos “mouriscos” à conquista do território pelos cristãos. “As mouriscas iam lá para dentro, os caçadores ficavam cá à porta da igreja e quando era na hora da missa, os caretos só entravam dois e tinham que tirar a máscara, porque o careto usava a máscara também para não ser reconhecido. (…) Na hora da missa, lá naquela elevação da hóstia e do cálice havia sempre uma descarga de tiros.” António Manuel Mariano (1937) No final da missa, pela porta lateral esquerda, o pároco, acompanhado da imagem do Santo Estêvão, faz a Bênção do Pão que cada um dos fiéis trouxe. Este pão bento será depois consumido em cada casa, num gesto simbólico de proteção divina. A missa termina com uma volta dos fiéis em torno da igreja liderados pelo pároco que transporta o Santo. Durante a Missa, e principalmente no seu final é por meio de tiros de pólvora seca que é dado o “sinal” para a passagem ao ato seguinte, embora atualmente, de ano para ano, nem sempre se siga a mesma ordem ou se “saltem” por vezes alguns desses detalhes. O que sempre dependerá das circunstâncias em que o grupo de mordomos realiza a festa e das pessoas envolvidas na sua organização. “Já estou esquecido de muita coisa, mas aquilo era bonito. Fazê-lo em termos, como era. Havia um gajo especializado, um velhote que sabia comandar o fogo. Ainda há gente que sabe, o Valente, o Mário sacristão também sabe, mas pouca gente.” Mário Augusto Felgueiras (1935) 2Quando elevava o cálice havia duas descargas de espingardas, e quando o baixava havia outras duas, depois da cerimónia ele ia à porta lateral. Uma pessoa pegava no Santo e davam volta à igreja e entravam pela porta principal. Este ano por acaso até me contaram que foi o padre que levou o santo e que fez esse gesto ele.” Octávio Andrade (1922) No final do ato religioso, um disparo em grupo dos caçadores que durante toda a missa estiveram cá fora à espera deste momento, marca então o início da batalha. “Então era organizada a procissão: Eram os caretos que iam a pegar atrás nos caçadores que iam atrás com as armas e o público atrás [destes]. Depois tinham então os caretos a pegar [nos caçadores], depois eram a mouriscas, uma aqui outra ali, assim pela rua fora. De maneira que depois disso, chegava-se ao prado e ali é que era o remate da festa porque depois lá faziam tipo uma... não era bem cabana, era assim uma coisa para queimar a mourisca. Faziam-na em palha e depois chegavam-lhe fogo.” Maria Augusta Mariano (1935) “Dantes havia os reis com as coroas. Eu tinha um cavalo, o ti Manel tinha outro, saiam os cavalos na frente da procissão, naquele cortejo ao pra diante, agora já não.” Mário Augusto Felgueiras (1935) Dependendo das pessoas que pertencem à comissão de mordomos em cada ano e dos seus contactos com as pessoas da terra ou de terras vizinhas, é por vezes ainda possível, que consigam organizar a saída a cavalo ou em burro da rainha moura (um papel que tem sido assumido no feminino, mas que pode e foi muitas vezes desempenhado por um rapaz). “Já tive mais anos em que levava o cavalo e depois ia o rei ou a rainha no cavalo.” Manuel Joaquim Alves (1930) É então que tudo começa: A rainha ou o rei mouro vão à frente (como que fugindo), protegidos pelo grupo de mouriscas que os segue e pelo grupo de caretos que, com os seus paus, vai tentando impedir que os caçadores passem e consigam alcançá-las. No final, seguem o rei cristão e os fiéis que assistem à batalha. Este ato, que acontece sem qualquer ensaio prévio, reproduz assim, o momento alto de toda a festa, que os mais antigos descrevem e que é ainda hoje muito participado por toda a população e até por visitantes de outras localidades vizinhas, em particular da sede de concelho, que aí acorrem, para com os amigos ou parentes de Torre de Dona Chama, ou apenas por curiosidade, assistirem ao principal e final da representação, a Corrida ou Cortejo da Mourisca. A regra do jogo é simples: três personagens intervêm correndo para trás e para a frente - mouriscas, caretos e caçadores. De cada vez que, os caçadores ultrapassam os caretos e alcançam as mouriscas, lançam um disparo (de pólvora seca) em sinal de vitória e regressam ao posto inicial. Assim segue o cortejo, ainda e sempre acompanhado pelos bombos e tarolas, no seu ritmo habitual. Ao chegarem ao castelo os caçadores rodeiam-no e queimam-no. É hora de celebrar mais um ano de reconquista. “No princípio, no meu tempo, pelo que sei disso, não havia castelos, havia um montão de palha e chegavam-lhe fogo, o Castelo só começou a aparecer já eu estava casado. Até lhe posso saber quem foi o primeiro a fazer aí o Castelo, se não me engano foi o Brás. O primeiro, fizeram-no de madeira, destas ripas de pinho e depois fizeram de esferovite. Houve cá um professor dos Vilares, pedíamos-lhe e ele é que fazia essas coisas todas. Era assim. Dantes não, era um monte de palha e depois saltavam aos tiros e “emboligavam-se” [significa: faziam de conta que lutavam e rebolavam]. Agora já não se vê “emboligo” [fazer de conta que lutam corpo a corpo] dos caretos com as mouriscas nem nada, davam tombos ali pelo prado fora.” Mário Augusto Felgueiras (1935) “Faziam ali um castelo e quem estava dentro era a Dona Chama. Então neste percurso que ia para lá, os caçadores eram os cristãos, que era para matar os mouros e os caretos eram da parte da defesa da Dona Chama, da mourama. Portanto, a vitória era festejada lá em cima com o matar da rainha. Portanto, havia lá um castelo fictício, ele não estava lá, mas atiravam tiros sobre o castelo, desfaziam aquilo tudo e depois então acabava a festa aí com a vitória dos cristãos.” António Manuel Mariano (1937) Neste cortejo, no fundo uma brincadeira entre vizinhos, amigos e famílias que aqui se reencontram a cada ano, festeja-se também a Torre de Dona Chama, uma vila marcada pela ocupação romana e por uma história ligada à Lenda de Torre de Dona Chama, uma senhora moura que terá ali habitado, numa torre que possivelmente terá existido no sítio onde se encontra o “conhecido”, mas ainda misterioso Castro de São Brás. A lenda, a que a própria população atribui a origem deste ritual teatral, está bem presente no imaginário da população de Torre de Dona Chama, que assim, a reconta e revive todos os anos, num discurso ancorado numa memória coletiva e que hoje reflete também a importância do seu passado mais recente, no âmbito regional – pelo ter sido sede de concelho, por ali passar uma importante via romana, pela relevância comercial de eventos como a Feira dos Santos e outras atividades comerciais que situavam, até há poucas décadas, Torre de Dona Chama como importante centro geográfico de trocas comerciais na região transmontana e que de certo modo surge também representado simbolicamente, nalguns momentos deste ato festivo. “Era a luta dos mouros contra os cristãos. E essa lenda vem do cabeço de São Brás, do Castro de São Brás, que era aí a Dona Chama, portanto vem de lá essa história da Torre de Dona Chama e da Festa de Santo Estêvão.” José Augusto (1944) “As origens começam lá em cima no Castro. O nome da Torre deriva de lá. (…) A senhora diz que tinha pernas de cabra e cara de senhora, e convidava um senhor para ir dormir todas as noites com ela. Tinha os guardas à porta e só podia sair de lá se trouxesse o anel dela. De onde é que vem a origem é dali, dos mouros e cristãos. De maneira que o senhor lá se apercebeu que quando chegavam, ela depois matava-os, não saiam. Um apercebeu-se disso e antecipou-se, quando ela se adormeceu, tirou-lhe o anel do dedo, já sabia o fim que era o dele quando acabasse, chegou à porta e mostrou o anel aos guardas, [em sinal] de que podia sair. Ela levantou-se e veio a alertar os guardas e então os guardas começaram assim: Ó senhor a Dona Chama, Ó senhor a Dona Chama. Então o nome deriva dali, Torre de Dona Chama.” António Manuel Mariano (1937) Personagens: Os atores principais desta festa assumem assim diferentes papéis quer ao longo dos atos preparatórios da festa, quer durante a representação dos personagens, pelo que uma só pessoa, pode, em total liberdade (e hoje principalmente por falta de pessoas para o fazer) acumular funções e a representação dos personagens durante o período manifestação cultural. Cabem, obviamente, maiores responsabilidades e assim mais frequentemente assumem vários papeis no mesmo ano o grupo de mordomos. Interferem antes da festa, como personagens mascarados apenas os Caretos, durante as rondas do peditório. O personagem do careto assume assim uma duplicidade de papeis da sua própria personagem, o de “animar ou colorir” a ronda de peditório (também os mordomos se vestem de caretos nestas rondas) e o de “soldado” dos mouros. Igualmente, podem surgir hoje, nos períodos noturnos da festa pessoas vestidas de careto, mas não é habitual. O seu papel durante a encenação do Cortejo, é o de defender os mouros, são por isso elemento do lado do “mal”. Anos tem havido, no testemunho da população de Torre de Dona Chama, em que praticamente, deixaram de se ver pessoas vestidas de caretos, mas nos últimos tempos têm-se visto aumentar a sua presença, embora seja atualmente pouco utilizada a máscara e usem, muitas vezes, apenas o fato. “O careto usava sempre um pau, para saltar e essa coisa toda e depois fechava aqui a rua, com os paus agarrados uns aos outros para não passarem os caçadores e as mouriscas, que estavam para trás dos caretos, faziam parte da mourama.” António Manuel Mariano (1937) Participam no cortejo como Caçadores, as pessoas que tenham licença de porte de arma, habitualmente um grupo de seis a oito, que utilizam espingardas e cartuchos de pólvora seca. São também os mordomos, quem durante o cortejo fornecem estes cartuchos para os disparos das armas. É habitualmente solicitado, pela Junta de Freguesia e Comissão da festa, e consentido pelas autoridades locais de policiamento, que também exercem vigilância sobre a sua utilização durante este dia, a autorização para a utilização das armas. O papel dos Caçadores, vestidos com a roupa própria dessa função, é o de ultrapassar a barreira de paus criada pelos caretos, alcançar na corrida, as mouriscas e assim protagonizar este momento de encenação da batalha com os Caretos e as Mouriscas. As Mouriscas, são o segundo corpo de defesa da Rainha Moura e impedem a passagem dos caçadores. Vestem-se com um lenço na cabeça e uma faixa branca, com uma tira vermelha ou azul por cima. Vestem-se de caretos tanto rapazes como raparigas, sem distinção e o mesmo sucede com as demais personagens, mouriscas ou caçadores. A presença feminina nesta festa, é atualmente equilibrada em número com a de rapazes, em todas as funções e papéis. “Não é igual, porque não há gente. Dantes não havia uma rapariga que fosse de mourisca. Antigamente era só rapazes e agora vai tudo. Não se interessavam as raparigas.... Era a festa dos rapazes, era assim... “ Jaime Fernando Reimão (1942) “Já havia mulheres a participar. Ia muita gente, no meu tempo ia muita rapariga nova já. Agora já toda a gente vai à mourisca, quem quer, já há muito voluntário desta malta nova.” Mário Augusto Felgueiras (1935) Igualmente, hoje é mais frequente que seja uma rapariga a protagonizar o personagem de Rainha Moura, do que um rapaz a vestir o papel de Rei Mouro, como é possível comprovar que assim era há cerca de 50 ou 60 anos através das imagens de arquivo e dos testemunhos orais. Por outro lado, o Rei Cristão tem sido sempre protagonizado por um rapaz. Ambos vestem mantos e coroas que simbolizam a sua pertença à nobreza e usam paus compridos que servem de cetro real, onde espetam uma laranja e uma maçã, respetivamente. A fruta, no contexto desta e outras festas populares de inverno na região transmontana, sugere prosperidade e abundância. Os testemunhos orais (e o visionamento de imagens da festa em 1962) sugerem ainda que no passado, no momento da Missa e do Cortejo estes reis adultos seriam acompanhados também por crianças igualmente vestidas de reis. “Havia dois miúdos que faziam umas coroas de papel e de papelão, e que faziam um de rei e outro de rainha. Esses dois miúdos, levavam uma cana comprida, com uma laranja enterrada na ponta e uma fita a cair, os dois. Isso também desapareceu, nunca mais fizeram isso. As crianças iam com a cana com a fita a cair e era benzida lá essa coisa na igreja, que estavam dentro da igreja. A festa bem feita era bonita.” António Manuel Mariano (1937) “Depois vinham pela rua fora e nesse tal desfile vinha sempre uma criança vestida de rei, com uma coroa feita em cartolina ou papel de seda, com uma capa, alguma colcha a fingir de capa e com uma cana e no cimo da cana uma maçã espetada na cana.” Octávio Andrade (1922) Fatos e Máscaras dos Caretos: De todos os personagens que interferem nesta festa, são os fatos e máscaras de caretos os que exigem uma confeção e preparação própria e mais complexa. Por outro lado, embora a sua constituição seja próxima de outros personagens também designados de caretos que interferem noutras festividades do nordeste transmontano, os Caretos de Torre de Dona Chama são os únicos a utilizar um tecido que parece ser parecido ao da chita e com estampados de flores, semelhantes ao que se usavam para colchas e cortinados, por exemplo. Igualmente, as franjas que usam para os adornar, são também as utilizadas para completar a confeção de almofadas, colchas ou cortinados. Utilizam ainda borlas, onde “escondem” os guizos que produzem o barulho típico do andar do Careto de Torre de Dona Chama. “Os nossos fatos de careto até eram bonitos. Tinham umas franjas, umas bolas e metia-se cá um chocalho que estava introduzido nessa franja, era uma... uma coisa tipo rede com franjas compridas. E havia aqueles chocalhinhos pequenos que eles quando dançavam faziam uh uh uh e aquilo bailava, os chocalhos tocavam bem. Eram borlas, aquilo onde estavam os chocalhos.” António Manuel Mariano (1937) Do que se pode registar para este processo de inventariação, pode considerar-se que a existência de um número significativo de alfaiates em Torre de Dona Chama até meados do século passado e as relevantes feiras comerciais que aí aconteciam, poderiam explicar a produção destes fatos tão diversos dos fatos (habitualmente de lã) de outros caretos da região. No entanto, os testemunhos orais ainda de um alfaiate e de um proprietário de um comércio de tecidos, sugerem que a sua origem seria externa, talvez de Mirandela. “Não sei de onde vieram os fatos dos caretos, não sei onde os compraram porque cá não foram feitos, cá também se houvesse para os fazer só se fosse o meu Toninho ou o meu primo Adérito, o alfaiate, mas... Não tenho recordações disso... de que fossem feitos cá. Deviam-nos ter comprado nalgum lado.” Maria Augusta Mariano (1935) Apesar disso, existe ainda em Torre de Dona Chama, uma costureira que, por ter casado em Torre de Dona Chama, aprendeu, com outra costureira e faz ainda hoje os fatos para os Caretos (ver Documentação Sonora anexa). Sobre as máscaras dos Caretos, hoje é comumente utilizada a de lata e ainda há também quem as faça, mas antigamente eram feitas e couro (como o atestam as recolhas feitas por Dom Sebastião Pessanha de máscaras de Torre de Dona Chama que se encontram hoje no Museu Nacional de Etnologia – ver Património Associado) e nos últimos anos tem sido também recuperado o seu uso, sobretudo porque existe ainda um albardeiro em Torre de Dona Chama que as faz. “As máscaras fazia-as o albardeiro, em sola e agora quem ainda as faz é ali o Mário "Batatinha". Os fatos acho que ainda vinham de baixo.” Mário Augusto Felgueiras (1935) No contexto da festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão, é ainda característica predominante o som dos bombos e caixas ao longo de todos os momentos da festa. Os testemunhos orais, referem a existência de uma banda de música, hoje extinta, que habitualmente cedia os instrumentos. Tal como os fatos e máscaras, também alguns destes instrumentos estão, atualmente, ao cuidado das Comissões de Mordomos. Aspetos da festa que os mais velhos recordam e que já não se fazem: Considera-se relevante, enquadrar nesta fase de caracterização desta manifestação cultural, também aqueles aspetos que fazem parte da memória coletiva e correspondem, cronologicamente, aos modos de fazer a festa que nas últimas duas gerações anteriores às que atualmente realizam a festa, se deixaram de fazer ou estão em transformação, uma vez que assim se descrevem também, no presente, as mudanças recentes mais ou menos consolidadas e as que estão em curso. Por outro lado, os aspetos que a seguir se descrevem, pertencem também a um diálogo interno da comunidade e que decorre mais intensamente durante os períodos em que se realiza a festa e em que, naturalmente, se discutem com mais intensidade, estes elementos de tensão entre o que se fazia no passado e o que se não faz no presente ou se faz de maneira diferente. O papel dos Caretos nas rondas de peditório: “A partir de dia 25 os caretos vestiam-se todos os domingos, com máscara, usavam até uma escova. Iam pela Torre fora de trás das miúdas e dos velhos, com a escova assim, a pedirem uma esmola, que davam sempre qualquer coisa a eles, para adquirirem algum dinheiro.” António Manuel Mariano (1937) “Vinham com o tal fato, o tecido que era um tipo de chita, uma chita melhorada, sobre o vermelho, um avermelhado escuro e o careto tinha uma escova na mão e usava uma faia com um metro e oitenta e então, quando intercetava qualquer pessoa, pedia-lhe qualquer coisa, porque eles alugavam os fatos. Não tinham os fatos os caretos, eles alugavam os fatos. Falavam com a pessoa que intercetavam com a voz distorcida: - Ah! Dá lá qualquer coisinha e tal! Anda lá, que eu sou de muito longe e tal! Mas nunca tiravam a careta, porque a careta tinha um capuz com uma franjazinha, também, dourada e cobria parte da careta. Então, lá iam escovando a pessoa, faziam a festa e de vez em quando davam uma rufadela: Hii hu hu! Hi hu hu! De maneira que, quando davam esses arrufos, pulavam, mas nunca pulavam com os dois pés seguidos, era... pousavam um pé duma vez e o outro da outra. Então, depois procuravam nas casas particulares que lhes dessem alguma coisa, porque naquela altura o dinheiro era pouco. – Dá cá uma chouriça, dá cá uma chouriça! Ande lá! Na minha maneira de ver, a escova era para acariciar a pessoa, porque se fosse com a mão podia dizer que era um abuso, não é? E se fosse com a escova não. Então depois, o correr deles, era pela rua fora, era um pouco inclinado para a frente e sempre jogando o corpo que era para os chocalhinhos, então sair cá para fora. De maneira que depois esse ato era prolongado até às vésperas da festa.” Octávio Andrade (1922) A divisão de tarefas entre os mordomos: Antigamente o grupo dos mordomos era dividido em dois grupos “Portas adentro” e “Portas a fora”, tal como o recordam os testemunhos e o documenta Benjamim Pereira em Máscaras Portuguesas (1973). A divisão, de acordo com a informação recolhida, obedeceria à separação, por um lado, entre casados e solteiros e por outro, às dimensões do religioso e do profano. Estava também relacionada com a provisão dos alimentos e outros bens durante a festa. Uns garantiam a alimentação do próprio grupo de mordomos e personagens intervenientes, outros seriam responsáveis pela provisão dos alimentos e bebidas para os participantes externos durante a festa. Esta divisão ter-se-á diluído com o tempo e também por implicar uma maior responsabilidade por parte de um dos grupos, criando dificuldades e alguns conflitos. “No tempo da minha avó, mãe do meu pai, não era isto assim. Os mordomos, é que tinham a responsabilidade toda, então... (a minha avó uma vez a contar) Durante a noite andavam nos jogos, a casa tinha que estar aberta, tinha que ter que comer e tinha que ter vinho para beber. Era entrar e sair, entrar e sair, era esta comédia assim. Depois isso nunca mais ninguém o quis porque dava despesa claro, e era tudo feito pelos mordomos.” “Dessa altura que a minha avó contou, a porta tinha que ficar aberta toda a noite. Andavam na ciganada, lembravam-se, vinham beber e vinham comer. Era entrar e sair e ela tinha de atender. Depois isso perdeu-se porque depois já ninguém o aturava.” Maria Augusta Mariano (1935) “De maneira que davam a volta às casas todas até que voltavam para a fogueira. Alguns iam-se deitar mais cedo, outros, os mordomos, esses ficavam até de manhã. Servia-se um café, assim numa caldeira grande. Depois, antigamente, mas eu já não me lembro, havia o mordomo de casa para dentro, e esse dava de comer ao pessoal todo, às mouriscas, aos caçadores, essa coisa toda. E os [mordomos] de porta para fora, faziam a despesa da igreja e da procissão. “ António Manuel Mariano (1937) “Mas os velhos já o contavam, que havia gente, às vezes que tinham de vender propriedades, mas havia comida, jantares e merendas. Metades pagavam a despesa de dentro e metades pagavam a de fora. Havia portas adentro e portas a fora. A mim nunca me calhou isso.” Mário Augusto Felgueiras (1935) “Depois começava a festa dos mordomos que era feita por duas comissões, era dividida em duas coisas, profana e religiosa. Na mesma festa a comissão era dividida. Então o mordomo era obrigado a dar o almoço aos de porta dentro, como aos caçadores. Os caçadores iam oito dias antes para festa a caçar, ainda com aquelas espingardas de vareta e depois essa caça era entregue ao mordomo.” Octávio Andrade (1922) Roubo dos Burros e Ciganada: Durante a noite era habitual fazer-se o “roubo dos burros”, no entanto, já há muito que o burro se extinguiu na vila, tendo caído em desuso a realização deste momento. Os burros estavam ainda integrados na saída da “ciganada” – uma ronda matutina e satírica em que vários participantes a trote nos burros pretendendo ser comerciantes, faziam uma ronda pelas ruas centrais da vila, em brincadeira de faz de conta, imitando antigas feiras e comerciantes de gado, provocando o riso e a sátira. Também este momento já não se realiza. “Então, para o outro dia, era a ciganada, porque eles andavam a deitar os jogos à praça e andavam outros por trás a roubar os burros. Então, os mordomos arranjavam um curral grande onde os pudessem meter e então os burros ia tudo para ali. Para o outro dia, então, dos jogos, dia 26 saíam as [madamas] pelas ruas foras, traziam umas bandejas, algumas traziam cinza, outras farinha... Depois saia então a ciganada, uns em cima dos burros, outros a pé, a gente toda a dar volta à vila. Depois chegavam aqui, paravam aqui um bocado, depois faziam para ali uma ladainha que ninguém os entendia.” Maria Augusta Mariano (1935) “Foi para aí em 56/57....Aquilo foi bonito, eu tinha dois machos, fiz duas caravanas. Enfeitei as carroças de caravanas, meti lá uns poucos de garotos “enfuliscados” [com a cara pintada com madeira queimada], levei-os até ao prado nas carroças, mas as carroças eram tapadas com eras! Com eras! Aquilo era importante e, portanto, queria dizer aquilo que eu era o rei e levava os garotos, como soldados, depois despejei-os todos (risos). O rei cristão já era outro...eu fiz aquilo por minha curiosidade. Fiz outra vez de pastor, levei os garotos comigo a dar volta de noite e depois fazíamos mé, mé e davam-nos dinheiro e esse dinheiro dava-o para a festa e os rebuçados e doces dava-os aos garotos.” Manuel Joaquim Alves (1930) “Durante a noite, roubavam-se os burros. A gente ia a roubar às “lojes” das pessoas, uns rebentavam a porta, ou outra coisa, porque os donos desses animais não os emprestavam, porque às vezes davam-lhes maus-tratos... Então roubavam-nos e até os metiam dentro de uma “loje” a todos, depois traziam-nos até aqui para junto da fogueira. Para o outro dia de manhã saía então a ciganada, pessoas malvestidas, todas “enfurretadas” com cortiça. Que a gente fazia uma cortiça queimada e “enfurretavam” a cara. Davam a volta à vila e depois recolhiam então ao sítio os animais às pessoas a quem lhos roubaram.” António Manuel Mariano (1937) “Depois roubavam-se os burros. Iam por eles à Vila Nova, o Valter Jacob foi por um burro, num furgão roubá-lo à Vila Nova e outro a Guide. Depois encerrávamo-los nessas “lojes”, dávamos-lhes o feno e assim essas coisas. Para o outro dia de manhã saíamos, pronto, quem queria sair, vestido de cigano e de aldeano e tudo.” Mário Augusto Felgueiras (1935) “Para roubar os burros contribuíam também a caixa e o bombo que andavam toda a noite a tocar. Percorriam toda a noite a tocar e onde houvesse um burro, faziam ali mais barulho para irem roubar o burro porque a maior parte das casas onde estavam os burros e porcos só tinham caravelho e então roubavam o burro. Os burros eram recolhidos num, chamavam-lhe um casarão, uma “loje” muito grande então durante a noite era fornecido a esta rapaziada bacalhau cru e vinho e aguardente. Ultimamente introduziram o café, mas verdadeiramente era só isso. Para o outro dia às 6 da manhã saia a chamar a ciganada vestidos, rapazes, às vezes uma geada enorme vestidos com umas calças todas rotas quase nus, todos enfarruscados e então faziam um género de ciganos, uns em cima de burros, outros cá para fora. – Porque o burro é meu! Emprestou-mo o tio Ernesto e o meu tio Miguel! Andavam cá para baixo e cá para cima e os burrinhos andavam ali às voltas, onde havia público paravam ali um bocado a fazer estes gestos. Até que de vez em quando aparecia o dono de um burro, tirava-lhe o burro e depois quando chegavam ao fim, se os burros já estavam entregues muito bem, se não, acabavam por ir entregar os burros aos donos.” Octávio Andrade (1922) Última ronda depois da Queima do Castelo: Contam também que habitualmente, completava-se o encerramento da festa com uma última ronda pelas ruas da vila, indo de porta em porta, casa a casa, lançado um último disparo, um gesto que pretenderia, simbolicamente, garantir que a reconquista do território tinha sido efetiva. Finalmente, contam ainda que se juntavam no “prado”, pessoas mascaradas e que a festa acabava efetivamente com um baile ou arraial (que ainda em vídeos de arquivo pessoal de festas realizadas em 1992 e 1996 se podem visionar) e recordam em particular, algumas pessoas conhecidas da vila que terão tornado esses momentos de divertimento coletivo icónicos e memoráveis para as gerações mais velhas. “Depois da festa aquilo já não tinha nada a ver com mordomos, nem com coisa nenhuma, era o meu pai, era o ti' João Valente e era o tio Acácio Cacherra que morreu. Então era uma borga depois. A gente que ia com a procissão até lá em cima depois saía com esses da festa.” Maria Augusta Mariano (1935) “Depois, isto já no tempo antigo, ainda no meu tempo, dava-se um tiro de casa a casa à noite. Depois do cortejo, dava-se um tiro de casa a casa, que era para ver se havia ainda algum, contrário, dos mouros. E aí terminava a festa. Nessa altura, já não saiam as pessoas que faziam coisas engraçadas. O meu pai, o pai do António, um tio do Fernando.... Andavam e faziam imitações... Andavam atrás das pessoas, enfarinhavam-nas, a fazer “bonequices” (…) punham uma pele de qualquer animal e andavam com aquilo.” Jaime Fernando Reimão (1942) “Ainda me recorda do meu pai, a tia Micas e o ti Mariano, teu pai andarem vestidos, tipo de cabras. Depois do cortejo, de queimar o castelo, faziam essas brincadeiras. “ José Augusto (1944) “Atiravam um tiro em cada casa. Eram menos casas, não é! E depois lá faziam aí um arraialzito pronto e acabava. “ Jaime Fernando Reimão (1942) “Em todas as casas aqui da Torre se dava um tiro e na casa dos mordomos era uma descarga de fogo, era isso. A seguir, que agora não se faz, fazia-se uma batida de casa em casa, com essas espingardas. Com o intuito de algum mouro estar metido nas casas, chegavam de casa em casa e atiravam esses tiros secos, que só era pólvora. Faziam também esse percurso. Acabava a festa depois. Havia uns até que saiam depois mascarados, para animar o fim da festa, pessoas que iam até com certas coisas até assim mais extravagantes do que era habitual e acabava assim a festa. O ti Acácio, depois de ninguém contar, saía de surpresa, às vezes com cinza, assim pelas pessoas fora, as pessoas tinham que se aperceber que ele que estava perto, mas se não se apercebem-se levavam com a cinza. Muitos daqueles mais ricos da Torre, também lhe acontecia isso. Ficavam todos enraivecidos, mas pronto, aquilo como era festa vali tudo. E acabava assim a festa.” António Manuel Mariano (1937) “Depois havia uma coisa que já muita gente não se lembra. A cada casa, fosse rica, fosse pobre, davam um tiro, uma descarga. Os caretos mais importantes que cá houve eram um que lhe chamavam João Valente e o Acácio Serrano, mais conhecido por Acácio Cacherra. Esse Acácio Cacherra era um cómico, uma vez foi ao talho, pediu-lhe ao talhante uma pele e embrulhou-se nela, com sangue e tudo e saiu ali da escola assim e depois então com um saco com cinza e claro, para o ver toda a gente se aproximava, e ele lançava cinza e punha tudo a rir. Tinha sempre um número cómico. Mas esse tinha um fato de careto e era um verdadeiro careto, dava um estilo! Porque para se ser careto tem que se dar estilo ao fato, o jogar, aquela coisa, aquilo é importante na vida do careto.” Octávio Andrade (1922) Atualmente, o grupo de mordomos, que é, como se descreveu no início desta caracterização desenvolvida, constituído por elementos residentes e não residentes, organiza habitualmente um momento informal de despedida, depois do dia da festa, antes da sua partida para as outras localidades ou outros países onde residem e também para se despedirem como grupo que durante um ano partilhou a responsabilidade de reproduzir este evento festivo de Torre de Dona Chama. No Natal de 2016, ano em que se produziram os primeiros elementos audiovisuais para fundamentação deste pedido de inventariação, a convite da comissão, fez-se nesse jantar uma projeção de fotografias tiradas durante os dias 25 e 26, gerando um momento de alegria, riso e de alguma nostalgia pela repetição da festa no ano seguinte.
  • Manifestações associadas:
    Consideram-se manifestações de património cultural imaterial associadas à Festa dos Rapazes, dos Caretos e de Santo Estêvão, todas as manifestações que se enquadram no contexto do território nacional e em particular do território transmontano, no denominado ciclo de festividades de inverno que decorre desde dia 1 de novembro até à Quaresma e se concentra sobretudo no distrito de Bragança. Este conjunto complexo de festas é notado e descrito, no princípio do séc. XX, por José Manuel Alves, Abade de Baçal, nas suas Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança: «Em muitas aldeias do concelho de Bragança, como Baçal, Sacoias, Aveleda, Varge, França e outras, os moços solteiros de dezasseis anos para cima, juntam-se no dia 26 de dezembro, festa de Santo Estêvão (em Baçal a reunião é a 6 de janeiro, festa dos Reis), chamam gaiteiro para os acompanhar na estúrdia; comem uma vitela comprada com o produto de trabalhos agrícolas, geralmente malhadas (debulha de centeio); percorrem a povoação mascarados e vestidos de fatos felpudos de variadas cores, em algazarra louca de gritaria ensurdecedora, soltando estrídulos hi, gu, gus» (Tomo IX). Mais adiante, o folclorista nota ainda: «A Festa dos rapazes em Baçal, Sacoias, Aveleda e Varge é semelhante nas suas modalidades e exibições, deixando perceber a mesma comunidade étnica e promanação histórica, denunciando nas suas origens primevas caráter mais antigo e acentuadamente pagão. Nos outros povoados parecem visionar-se apenas os ágapes do primeiro século com Santo Estêvão por distribuidor dos mantimentos; aqui puramente o gentilismo.» (Tomo IX). Por outro lado, enquadra-se também nas festividades que integram formas de representação teatral, com maior ou menor formalidade e especificamente as que refletem a temática popular da reconquista cristã, com danças e representações da luta entre cristãos e mouros, fortemente associadas ainda ao lendário e à literatura popular sobre a presença dos mouros em determinadas localidades, como por exemplo, a representação do Auto da Floripes em Viana do Castelo ou as celebrações de São João do Sobrado em Valongo.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: O modo de transmissão dos saberes e conhecimentos associados à manifestação ocorrem sobretudo no contexto da própria festa e das atividades que conduzem à sua preparação.
    Data: 2019/12/26
    Modo de transmissão oral
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: População de Torre de Dona Chama.
  • Origem / Historial:
    Torre de Dona Chama é uma vila do concelho de Mirandela, distrito de Bragança cuja lenda, que dá origem ao seu nome e está, portanto, associada à sua fundação, se relaciona com a Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão, que ocorre todos os anos entre 25 e 26 de dezembro. A lenda de Torre de Dona Chama tem nuances que transparecem nas memórias de quem a conta, o que, só por si, resulta numa interessante compilação de versões que cruzam dados históricos, mitologia, simbologia e algum mistério e incógnita – traçando entre a lenda e a festa uma relação sem fronteiras definidas. Assim, recorro-me, para sumarizar este complexo tema, do testemunho de um reconhecido historiador local, o Padre Videira Pires, que, ao longo do tempo em que decorreu este processo de inventariação sobre a festa e alguma pesquisa para a sua contextualização histórica, se tornou uma fonte frequentemente citada e alguém que, pela sua atitude divulgadora, reconhecia à vila e à Festa de Santo Estêvão, em particular, uma enorme importância cultural. Em 1996, o Padre Videira, dá à RTP uma pequena entrevista sobre Torre de Dona Chama, em que responde assim, à questão que o jornalista lhe coloca sobre “as incertezas da origem do seu nome”: Para já há um elemento que é irrecusável, que é a origem medieval, tanto da lenda como da minha terra Torre Dona Chama. Já nos documentos do séc. XI aparece Turris da Domina Flamula e hoje, este personagem Domina Flamula está perfeitamente identificada, era Chamoa Rodrigues que tudo leva a crer que era sobrinha da famosa Mumadona, a fundadora de Guimarães, que seria grande senhora daqui. Lá em cima teria a sua residência, onde hoje é o outeiro de São Brás. Lá restam ainda os alicerces de uma torre que desapareceu por completo e que seria a Torre. Aliás, este nome é utilizado com muita frequência como residência, a torre. A lenda embelezou este fundo histórico com elementos de uma grande riqueza imaginativa. Portanto, os moiros, vexariam constantemente os cristãos. Os cristãos defendiam-se, procuravam atacar o castelo, e moraria lá uma senhora muito formosa que enfeitiçava os cavaleiros cristãos, o chefe dos cristãos e depois mandava-o matar. Um dia, porém, o mais astuto conseguiu entrar dentro do castelo e apoderou-se do anel mágico que ela possuía, que era o sinal com que as portas do castelo se abriam. Uma vez de posse do anel mágico, os guardas abriram a porta e os soldados cristãos que estavam fora, à espreita, escondidos, invadiram o castelo e tomaram-no. Então, ao ver-se vencida, a dama, que era o demónio afinal, lançou-se de cima da Torre e desapareceu, numa nuvem de fogo, daí o nome, que ficou numa quadra, muito modesta e que é: Chama chamoa / pés-de-cabra / cara de dona.» ([16:45 – 19:21] Episódio: Mirandela Ficarás Nela da Série Televisiva: O Homem e a Cidade Temporada: IV, emitido na RTP2 em 01-09-1996. https://arquivos.rtp.pt/conteudos/mirandela-ficaras-nela/) Outra versão corrente, que tanto se vocaliza nos testemunhos dos torrenses quanto em textos, surge, por exemplo, descrita nas Memórias Paroquiais de 1755 (Tomo XXXVII, fl. 647), e nas Memórias Arqueológico Históricas do Distrito de Bragança (Tomo IX, p. 457), é aquela em que o significado atribuído à palavra “Chama” advém da sua derivação do verbo “chamar”. Sendo que, nas versões em que é essa a sua interpretação, a Dona chamava do alto da Torre, ou fazia um chamamento que encantava e atraia os cavaleiros cristãos. Certo é, como diz o Padre Videira Pires, que o topónimo Turris de Domina Flamula surge nas chancelarias medievais e assume a forma Torre de Dona Chama com o primeiro foral, concedido por D. Dinis aos seus habitantes em 1287. Mas, a partir daí, tudo são interrogações. Por exemplo, Pedro Pais Martins, no seu Breve enquadramento histórico e arqueológico da freguesia de Torre de Dona Chama (2015) faz, também, referência à nobre vimaranense, sobrinha de D. Mumadona Dias, que, embora fosse proprietária de terras no Minho e Beira Duriense, não se lhe conhecem, naquela altura, propriedades em Trás-os-Montes. O autor propõe, então, a possibilidade de uma relação com D. Flamula Gomes, filha do conde de Achígaz e que «possuía bens nas terras do Marão e do Tua, até às vizinhanças de Torre de Dona Chama nos meados do séc XI. Assim sendo não seria impossível associar esta à origem do topónimo, não por herança, mas por parentesco com as estirpes bragançã e sousã, que já no séc. XI compartiam autoridade na região do Tua.» (2015:6). Sabe-se, também, que no decorrer das guerras com Castela, a Torre chega a ter como senhorio um fidalgo castelhano, Pêro Soares, de Leão e que, na regência do Mestre de Avis, o concelho será “devolvido” a um português, Gonçalo Vasques Mendes, a quem sucede Pêro Vaz Guedes. É na família Guedes que, até à sua abolição pelo Marquês de Pombal, se mantém o senhorio de Torre de Dona Chama (2015). Nas Memórias Paroquiais de 1758 é dado, ainda, destaque à feira com a seguinte descrição «Feira que se faz na vila da Torre de D. Chama, cabeça do concelho», que não especifica a sua origem, mas que revela, já, a sua importância em meados do séc. XVIII. Importância que irá manter até ao início do século XX, particularmente, como centro de comercialização de gado, como o regista o Abade de Baçal, Francisco Manuel Alves nas suas Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança: «Dias 5 e 17 — de gados de todos as espécies, géneros e seda nas feiras de agosto. Tem outra anual dos mesmos géneros a 5, 6 e 7 de novembro. A do dia 17 foi criada em 1870». (Tomo I, p.239). O Abade de Baçal, que é, também, quem primeiramente documenta a figura do “careto” no distrito de Bragança, não inclui Torre de Dona Chama no ciclo festivo de localidades onde decorrem durante o Natal as festas dos rapazes, mas deixa uma nota em relação ao “caixão” - encontrado no Castro de São Brás, com uma série de achados arqueológicos, detalhadamente descritos no Archeologo Português e que datam da Idade do Bronze (1987:38) – relacionando-o com as lendas dos “tesouros de mouras encantadas”, à época populares em diversas localidades do distrito (Tomo X, p. 267). Ao que Leite Vasconcelos acrescenta, no Tomo III – Vida Tradicional Portuguesa da sua coleção Etnografia Portuguesa «No castelo de Torre de Dona Chama (Traz-os-Montes) há uma cisterna onde está uma moura encantada em mulher da cintura para cima e serpente da cintura para baixo.» (p.410) No catálogo visual e descritivo que Dom Sebastião Pessanha compila e publica, em 1960, na obra a que dá o nome de Mascarados e Máscaras Populares de Trás-os-Montes, encontramos quatro máscaras de Torre de Dona Chama (que integram hoje a coleção do Museu Nacional de Etnologia e cujas fotografias se anexam a este pedido de inventariação – ver Património Associado) e a seguinte descrição: «Envergando os fatos apropriados, em geral alugados em Torre de Dona Chama e igualmente conhecidos por “fatos carruços”, feitos de velhas colchas de fabrico caseiro, ou de chitas de ramagens, guarnecidos em qualquer dos casos, com franjas de lã ou douradas e tendo pregados no casaco alguns guizos de latão, os comparsas, ocultando a cara co uma careta de sola, de lata ou de papelão pintado de preto, tornam-se irreconhecíveis, saltam, guincham e exigem, nas casas onde entram, dinheiro, ovos, enchidos e outros géneros, não se retirando sem qualquer donativo. E tudo acaba, como em tantos outros lados, por farto banquete, depois de várias costumeiras adequadas.» (1960:46) Por inerente comparação, este pequeno apontamento corresponderá ao que, na primeira parte do ponto correspondente à Caracterização Desenvolvida, se descrevem como sendo as rondas do peditório. Atos preparatórios, precisamente, da festa de Santo Estevão no dia 25 e 26 e a que Dom Sebastião Pessanha não vai fazer referência, focando-se apenas no papel do careto. Encontram-se também correspondências entre o que, então, Pessanha descreve, com as memórias que pudemos gravar em 2017, particularmente do senhor Octávio Andrade, comerciante em Torre de Dona Chama e então reformado, que atribui ao careto, no passado recente, precisamente este papel de maior interação com a população. O senhor Octávio, relata também o aluguer dos fatos e a necessidade de o careto, nas suas rondas, realizar valores suficientes para cobrir esse aluguer. Será, possivelmente, por este motivo que os fatos seriam e serão, ainda hoje, maioritariamente, de posse coletiva e partilhados (alguns deles conservados pelas sucessivas comissões de mordomos), ao contrário do que acontece noutras localidades onde os trajes são de pertença familiar. O autor de Máscaras Portuguesas (1973), Benjamim Pereira, descreve com mais complexidade o “conjunto” festivo que ocorre em Torre de Dona Chama, enquadrando – o na tipologia das Festas de Santo Estêvão e, pode-se dizer, secundarizando o papel do careto, na medida em que sobre a presença destas máscaras refere que «sublinham a natureza complexa desta festa e parecem representar talvez um elemento ritual autónomo, independente e anterior aglutinado, mas não integrado». (1985:59) Acrescenta ainda três momentos que já não presenciamos durante a realização da festa e que registamos para este processo de inventariação em 2016, 2017 e 2018: O primeiro ocorreria ao princípio da madrugada «Uma personagem figurada de pastor, seguido de um bando de crianças com chocalhos simulando um rebanho, percorre as ruas, recebendo aqui e alem dinheiro, chouriços, vinho, etc.» (1973:92), um momento, que no entanto, encontramos correspondência nos testemunhos do senhor Manuel Joaquim Alves, que se transcreveu no ponto de Caracterização Desenvolvida e que parece ter protagonizado semelhantes momentos. O segundo «após a queima da mourisca, irrompe da aldeia uma estranha personagem, recoberta com uma pele de cabra, ovelha ou bezerro, de chifres implantados na cabeça, que deambula pelo largo, espalhando à sua volta, sobre as pessoas, manadas de cinza que traz consigo dentro de uma cesta» (1973:94) a que, também, irá aludir o escritor Torreense Ernesto Rodrigues e registar em vídeo ; quando, em 1982, colabora com Luís Pires e João Vieira nas filmagens da festa do Natal daquele ano. E o terceiro, que ainda está bem presente na memória dos mais velhos em Torre de Dona Chama, acontecia já depois de concluída a queima do castelo e como último ato desta peça teatral. «No fim da refrega, os caçadores, acompanhados dos mordomos, percorrem a povoação, parando em frente da porta de cada casa e dando uma descarga de fogo. (…) parecendo querer obter por esse meio a expulsão dos maus espíritos.» (1973:96). Cujos testemunhos também recolhemos de várias pessoas mais velhas de Torre de Dona Chama e transcrevemos anteriormente. As representações festivas com grupos antagónicos, particularmente, estes que expressam a representação da reconquista cristã aos mouros, têm hoje pouca expressividade em Portugal, sendo o mais reconhecido e aproximado o caso de São João do Sobrado em Valongo, e ainda o Auto da Floripes, que integra as festas da Senhora das Neves em Viana do Castelo. Já, em Espanha, é mais comum encontrar representações teatrais da reconquista, onde o argumento da batalha parece engrandecer a secular cruzada dos cristãos ibéricos contra o Al-Andalus. Blasco Vallés e Ricardo Costa referem ainda a integração destes “espetáculos” em festas de Santos, como é, por exemplo, o caso, em Barcelona, no século XV, em que mouros e cristãos aparecem integrados na representação do martírio de São Sebastião e protagonizam «uma dança que em alguns sítios se converte num “ball parlat” ou representação dialogada» (2010:222). Com efeito, há em toda esta estrutura festiva a presença, quase omnipresente, de música, de uma cadência rítmica que anima e impõe a sucessão dos episódios e nos é dada pelos bombos e tarolas, ao som dos quais mouros e cristãos se movimentam, “dançam” uns com os outros, ao longo da corrida da mourisca. É no âmbito da etnomusicologia que a investigadora Bárbara Alge irá incluir, como estudo de caso, a Festa de Santo Estêvão de Torre de Dona Chama na sua tese de doutoramento sobre danças, festas e autos populares portugueses com elementos da mourisca e escreve num artigo para a Revista Brigantia, na sequência da sua passagem pela Torre, a seguinte observação: «Ao contrário de outras festas portuguesas em que já participei, a população de Torre de Dona Chama parece não ter como objetivo, o “espetáculo” duma tradição, porque, embora o drama entre cristãos e mouros seja muito interessante do ponto de vista do conteúdo, não se utilizam nem costumes especiais, nem se ornamenta a vila.» (2006:3). Uma observação que sublinha o carácter ainda predominantemente, improvisado (sem qualquer ensaio como se referiu já), como acontece esta festividade. Por esta altura, em 2006, é publicado também O Inverno esconde o Careto, de Telmo Carvalho, Raquel Alcobia e Joana Duarte. Reunindo alguns dos elementos que aqui descrevemos, estes autores, vão fundamentalmente centrar-se nas questões relacionadas com os rapazes; a par do que fazem, também, Paulo Raposo sobre os Caretos de Podence e Paula Godinho sobre Varge, questionando-se sobre as alterações na função “iniciática”, em tempos, atribuída às festas dos rapazes e que, a partir dos anos 60, se altera radicalmente. Embora, esta seja uma festa onde os protagonistas eram essencialmente jovens rapazes, ela distingue-se – pela riqueza de outros elementos presentes com funções mais abrangentes de toda a população torrense – das festas de rapazes e de caretos do período do Natal. Esta dimensão, “de festa dos rapazes e de Santo Estêvão”, tem sobreposta uma longa encenação em vários atos, que acontece sem ensaios e ao longo de quase vinte e quatro horas, da reconquista cristã (e, portanto, da lenda de Torre de Dona Chama) e da “desconstrução” das classes sociais e étnicas que caracterizam e impõem determinadas distâncias sociais (representadas nos grupos de personagens que interferem, em cada momento; caretos, ciganada, madamas, caçadores, cristãos, mouriscas). Além disso, e como diz, ainda, Benjamim Pereira «São sobretudo os elementos componentes da Festa de Torre de D. Chama que mais visivelmente atestam o parentesco europeu da nossa celebração. Como entre nós, encontramos a presença de dois grupos sociais antagónicos, simulacros de lutas, etc., em inúmeros países: Espanha, França, Grécia, Eslovénia, Polónia, Inglaterra, Checoslováquia, etc.; neste último, dá-se mesmo a captura do Rei, de modo extremamente semelhante ao que ocorre entre nós.» (1973:148) Por exemplo, acusa algumas semelhanças com o careto de Torre de Dona Chama o mascarado protagonista do Smiergust, tradição que ocorre em Oswiecim na Polónia. Mas há muitas outras que, em regra, se caracterizam por ocorrerem em zonas rurais e são essencialmente protagonizadas por jovens rapazes ou, eram caracterizadas por esta condição e estão relacionadas com rituais pagãos que constituíam ferramentas fundamentais para que as comunidades atuassem sobre a mudança das estações, solicitando a regeneração da natureza. Para uma análise no contexto europeu, Jacques Heers é sem dúvida uma referência fundamental, talvez a mais completa, por reunir no seu Festas de Loucos e Carnavais interpretações de festividades onde determinados momentos que caracterizam esta Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão se podem refletir. Em jeito de resenha; na obra de Jacques Heers, encontramos uma análise que comtempla, elementos como: a participação do burro, a integração de farsas carnavalescas e festas de santos, a participação de personagens no ato litúrgico ou, ainda, o resgate do Rei. Por exemplo, descreve assim as “festas dançadas” «Grandiosas procissões com danças, reunindo autênticas multidões, podiam acompanhar, uma vez por ano, o culto de um santo padroeiro, forma de peregrinação absolutamente espetacular.» (1987:56) Heers, afirma também que o «o folclore é, sem dúvida, de todas as manifestações duma cultura, a que resiste melhor às degradações do tempo e à influência dos mentores» (1987:24) não sendo por isso surpreendente que a cristianização não as tenha apagado e em muitos casos, como é o caso de Torre de Dona Chama, se tenham harmonizado as suas dimensões pagã e sagrada. Por outro lado, as festas não são impermeáveis ao seu tempo, ao seu contexto sociodemográfico e atualmente, também, a um contexto de globalização. E esta é a deixa, para regressarmos ao Padre Videira Pires e ao seu esforço promotor da Festa dos Caretos de Torre de Dona Chama. Uma história que emerge da recolha de documentação sobre a festa e revela, pelo menos, um acontecimento curioso e muito particular da cronografia da Festa de Santo Estêvão de Torre de Dona Chama. No jornal Mensageiro de Bragança publicam-se, inicialmente por iniciativa do Padre Videira, a partir de 1958, notícias que, anualmente, dão conta de como decorreram as festas do Natal. Para este processo de inventariação, compilaram-se um conjunto destas notícias e que se incluem na documentação anexa com o título: Recolha de Notícias sobre a Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão de Torre de Dona Chama no Mensageiro de Bragança 1958-2008. Na introdução ao Volume I dedicado a Trás-os-Montes da obra Teatro Popular Português, do renomado Azinhal Abelho, o autor relata o seguinte episódio: «Em 1963, quando tomei contacto e leal camaradagem com o padre Dr. Videira Pires, referindo-se ao Teatro Popular em Trás-os-Montes, escrevia-me: Terei imenso gosto em abraçá-lo nesta cidade de (Bragança) e dar-lhe todas as indicações que desejar. (…) E mais no final da carta: Se conseguíssemos interessar o S.N.I e a RTP realizava-se até no Natal, juntamente com a Festa de Santo Estêvão da minha aldeia (Torre de Dona Chama, Mirandela), que é um verdadeiro teatro em ação, com claras reminiscências medievais (…).» (1968:4). Efetivamente no final do ano de 1963 é transmitida pela Emissora Nacional e inserida no segmento “Imagens de Portugal 266” do Programa Quinzenário de Atualidades uma pequena reportagem de 1:14 minutos sobre a Torre de Dona Chama e que mostra alguns momentos da Festa dos Caretos e de Santo Estêvão. Este documento, constitui, verdadeiramente, o primeiro filme que conhecemos sobre uma festividade de inverno do nordeste transmontano. Até 2018, o visionamento do filme só era possível nas instalações da Cinemateca e foi aí que, pela primeira vez, consultamos aquelas imagens, que correspondem em grande medida, ainda hoje, aquilo que é a missa de Santo Estêvão e o Cortejo da Mourisca. A Câmara Municipal de Mirandela havia, entretanto, solicitado e adquirido uma cópia, que mais tarde pudemos exibir para a população durante as Jornadas do Património Cultural Imaterial em julho de 2018. Atualmente, o filme já está disponível online e pode ser visto na página do Arquivo Digital da Cinemateca no endereço: http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=13982&type=Video . Em 1964 e 1965 ainda foi notícia no Mensageiro de Bragança a realização das filmagens. E ao longo dos anos, pequenas notas vão sendo escritas, frequentemente relatando as condições em que em cada ano se realizou a festa ou a participação por exemplo de elementos, de um grupo de Caretos que pela década de 80 e/ou 90 existiria ainda, de caretos, que se apresentavam acompanhados de bombos em eventos do município, da diocese ou de âmbito etnográfico. Em 1971, por exemplo, um autor que assina “Eliseu Ferreira” descreve a descoberta no Castro de São Brás de inúmeras peças arqueológicas, destacando a existência de um escrito que relataria a chegada dos invasores mouros à terra de Dona Chama e acrescenta que muitas destas peças se encontrariam no Museu Dr. Leite de Vasconcelos em Lisboa (atualmente o Museu Nacional de Arqueologia). Constitui-se esta notícia um apontamento com alguma relevância, independentemente da sua veracidade que não pudemos confirmar, uma vez que reflete uma dúvida persistente e também latente no discurso da população de Torre de Dona Chama sobre as incógnitas da sua história, nomeadamente sobre a sua efetiva ou “imaginária” ocupação árabe. Ao longo das últimas décadas vai também sendo documentada por outros meios de comunicação locais, regionais e pontualmente, também os nacionais. A festa de Santo Estêvão vai assim continuando a realizar-se ao longo do tempo e sofrendo as alterações decorrentes das mudanças geradas pelas alterações sociodemográficas que provocam sobretudo o despovoamento das regiões do interior e por outro lado, vai integrando também outros aspetos mais coerentes com o contexto e a moral dos tempos correntes, que influenciam certamente, por exemplo, a participação das jovens raparigas, bem como o desuso de alguns dos momentos da festa, como, por exemplo, o roubo dos burros, como se descreveu. Continua a ter um papel importante como atividade cultural central na vida coletiva de Torre de Dona Chama durante o período natalício e que é transmitida pelos mais velhos aos mais novos, como tradição particular dos jovens residentes e naturais de Torre de Dona Chama.
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    ConsuetudinárioOs direitos coletivos relativos à Festa dos Caretos, dos Rapazes e de Santo Estêvão são de tipo consuetudinário, consistindo na definição do modo específico como se realiza o ritual festivo em Torre de Dona Chama População residente e natural de Torre de Dona Chama
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Patrícia Alexandra Nunes Cordeiro
    Função: Socióloga - Responsável técnica pela coordenação e preparação do processo de inventariação.
    Data: 2021/12/26
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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