Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2022_007
  • Domínio: Competências no âmbito de processos e técnicas tradicionais
  • Categoria: Pesca e aquicultura
  • Denominação: A Pesca nas Pesqueiras do Rio Minho
  • Outras denominações: Pesqueiras do rio Minho
  • Contexto tipológico: A denominação “A Pesca nas Pesqueiras do Rio Minho” abarca os saberes e conhecimentos praticados pelos pescadores do troço internacional do rio Minho, tendo em conta a criação e adaptação de “Artes da Pesca” às contingências espaciais e naturais de parte do rio Minho, transformando-o numa paisagem cultural, junto com sofisticados processos sociais de construção e partilha das ‘pesqueiras’. Este processo destaca-se enquanto património cultural Imaterial, na forma como as comunidades humanas ribeirinhas ao rio Minho conseguiram entender o contexto ecológico e usar os recursos à sua disposição, dentro das condições orográficas, geológicas, hidrológicas, haliêuticas, social e ambientais do espaço referencial ao ecossistema onde vivem. No curso internacional do rio Minho, entre a Torre da Lapela e a Igreja do Porto, pertencentes ao concelho de Monção e As Neves, respetivamente, e, a montante, o rio Trancoso, entre Melgaço e a Galiza, que delimita a fronteira entre Portugal e Espanha, existem, em ambas as margens do rio, mais de 900 construções centenárias, e algumas possivelmente milenárias, denominadas de ‘pesqueiras’ (‘Pescos’ em Galego). As ‘pesqueiras’ são construções em pedra, constituídas por um corpo em forma de muro, composto por pedras emparelhadas, com forma retangular, podendo ter vários corpos (‘piais’ / ‘poios’) de forma romboidal, com ou sem cauda, que são utilizadas para armar artes de pesca fluvial, como o botirão e a cabaceira. O seu valor patrimonial decorre tanto da sua constituição arquitetónica e variedade tipológica, dentro de um pequeno contexto territorial, onde marcam a paisagem, bem como da sua existência histórica ao longo de séculos, sempre praticadas pelas comunidades ribeirinhas do rio Minho, as quais tiveram de desenvolver saberes e práticas de uso e partilha, organização social, etc., que são um excecional património imaterial a elas associado. A classificação solicitada, com o título de “Pesca nas Pesqueiras do rio Minho”, tem a sua razão de ser por estarmos conscientes do alto valor dos saberes e conhecimentos práticos associados à pesca nas pesqueiras e pelo facto de o património imaterial das ‘pesqueiras’ do rio Minho só ser compreensível quando se entende a relação entre os patrimónios material, imaterial e natural. Os pescadores que usam as pesqueiras e as suas artes de pesca têm uma relação contínua com o espaço onde elas se implantam, tendo em conta a exigência da sua manutenção. Isso obrigou-os a ter com elas uma relação próxima. Esta relação manifesta-se nos regimes de propriedade, na manutenção das estruturas, nas relações de poder, visíveis ao longo da sua história milenar. Aquilo que verificamos no presente, foi possível ver como evoluiu no passado em contextos sociais e políticos muito diversos. E essa evolução e prática dá-nos a paisagem cultural que hoje podemos verificar na área do rio Minho onde estão construídas. Elas exigiram, em primeiro lugar, o conhecimento da natureza e do espaço ecológico, assim como fomentaram competências no conhecimento profundo do rio e na adaptação das técnicas tradicionais de pesca aos recursos endógenos e à especificidade orográfica onde se implantam. Em segundo lugar, inauguram rituais de celebração comensal, práticas sociais de poder e gestão do território. Na maior parte das outras artes de pesca, à dimensão aleatória dos resultados, acrescentamos a grande mobilidade dos artefactos e o baixo impacto dos mesmos na paisagem, quando não ativos. Contudo, nas artes da pesca existentes nas ‘pesqueiras’ a aleatoriedade mantém-se, mas estamos perante uma arte que permanece na paisagem, marca definitivamente o território e integra a vida dos pescadores em muitos âmbitos do seu quotidiano, em períodos importantes do ano. Poderia ser apenas um património arqueológico, como é de facto em alguns dos rios do noroeste peninsular. Mas, no rio Minho, é um património vivo, em contínua adaptação às condicionantes sociais, o que só acontece porque está enraizado na vida das comunidades locais há mais de um milénio e demonstra um conjunto de saberes e práticas só compreensíveis enquanto manifestações do seu património imaterial.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): Comunidades ribeirinhas ao Rio Minho
    Grupo(s): Autoridades Públicas; Clube de Caça e Pesca S. Tomé; APLDM – Associação de Pesca Lúdica e Desportiva de Melgaço; Associação Clube de Caça e Pesca de Monção
    Indivíduo(s): Proprietários das pesqueiras e usufruidores
  • Contexto territorial:
    Local: Vale do Rio Minho
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Norte \ Minho-Lima
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Anual
    Data(s): Pesca da Lampreia: 15 de março a 15 de maio. Pesca do Sável e Salmão: 01 de abril a 31 de maio.
  • Caracterização síntese:
    A “Pesca nas Pesqueiras do Rio Minho” pode caracterizar-se nos seguintes campos: i. os saberes associados à construção, tipologia e manutenção das pesqueiras do rio Minho; ii. os saberes associados à prática da pesca nas pesqueiras, onde se destacam as artes de pesca fixa com botirão e cabaceira; iii. o sistema de regulação, distribuição e gestão da posse e uso das pesqueiras; iv. os conhecimentos da natureza, nomeadamente a interpretação do caudal das águas, das manifestações de certas dimensões da natureza, como o clima e a presença de animais e rituais mágicos e a preservação do espaço natural das pesqueiras; v. os usos e saberes associados ao consumo dos recursos do rio. Há mais de um milénio que as comunidades ribeirinhas ao rio Minho constroem e praticam um sistema de pesca fluvial denominado por ‘pesqueiras’. Na definição legal, chamam-se “pesqueiras, para efeitos do regulamento de 1967 (Decreto-Lei nº 47 595 de 20 de Março 1967), “as construções fixas destinadas à pesca existentes no troço do rio compreendido entre a linha que passa pelas torres do Castelo de Lapela (Portugal) e da igreja de Porto (Espanha) e o limite superior da linha fronteiriça e só podem ser empregadas no exercício da pesca que a sua construção, forma, dimensões e propriedades reúnam as condições previstas na Acta de Entrega da Fronteira, assinada em Lisboa em 30 de Maio de 1897.” As pesqueiras são, então, construções em pedra aparelhada, que saem das margens para o leito do rio, de diferentes tipologias (que iremos referir na descrição aprofundada), onde se fixam duas artes de pesca, denominadas Botirão e Cabaceira. Elas estão construídas numa parte do rio internacional – concelhos de Monção e Melgaço (Portugal) e Salvaterra do Miño, as Neves, A Cañiza, Arbo e Crescente (Galiza/ Espanha) – onde as condições orográficas criam um tipo de leito encanado e oferecem material lítico abundante para a sua construção. Sendo uma realidade física de grande impacto na paisagem e dado o carácter material das construções possibilitar a sua permanência no tempo, sobre elas se exerceu e exerce um particular regime legal de posse e distribuição de tempo de uso. Por serem praticadas há séculos, os saberes transmitidos de geração em geração, os conhecimentos sobre as águas, as condições atmosféricas mais ou menos favoráveis, o regime dos caudais, as características de cada espécie capturada, são um património cultural imaterial de extraordinário valor, que na atualidade corre sérios riscos de desaparecer, pelo abandono de muitas delas, dadas as alterações sociais, económicas e culturais, assim como a não sustentabilidade das espécies capturadas, verificada nas últimas décadas. Os saberes das artes de pesca e da gestão dos recursos têm sido, desde meados do século XX, objeto de atenção por parte dos legisladores e dos técnicos que tratam a biodiversidade do rio Minho, com vista à sustentabilidade dos recursos existentes. O cada vez maior diálogo entre a comunidade, os pescadores, os técnicos e as autoridades marítimas (tanto responsáveis pela segurança de uma área de fronteira como pela sustentabilidade dos recursos naturais) tem permitido uma maior capacidade de gestão destes recursos, nesta paisagem cultural única. A partir do início do século XX cresceu a preocupação pela manutenção dos recursos haliêuticos, o uso das pesqueiras (junto com algumas artes de pesca de rede praticadas a jusante das pesqueiras - algerife; tresmalho; lampreeira; solheira e varga de solha; varga de mugem), foi visto como um grande problema, havendo até a possibilidade da destruição daquelas que colocavam mais em risco esses recursos. Na atualidade, dado o número mais reduzido de pesqueiras ativas e uma nova consciência do seu uso, elas adquirem novos sentidos sociais, económicos e culturais. Este projeto de estudo e inventariação tem suscitado uma valorização do sentido patrimonial das pesqueiras, a nível material, natural, mas principalmente imaterial, o que obriga a pensar a sustentabilidade do uso das pesqueiras de uma forma bem diferente da do passado. As ‘pesqueiras’ são, portanto, construções em pedra, constituídas por um corpo em forma de muro, composto por pedras emparelhadas, de desenho retangular, podendo ter vários corpos de forma romboidal, com ou sem ‘cauda’ (ver Documento PDF: “Formas das Pesqueiras”) e utilizadas para armar artes de pesca fluvial, como o botirão e a cabaceira. O valor patrimonial das pesqueiras decorre: i. da sua existência ao longo de séculos, durante os quais foi necessário desenvolver saberes e práticas de uso e partilha, que são um excecional património imaterial a elas associado; ii. do facto de elas serem ainda hoje praticadas pelas comunidades ribeirinhas ao rio Minho; iii. a sua constituição arquitetónica e variedade tipológica, dentro de um pequeno contexto territorial; iv. da relação da prática da pesca nestas pesqueiras com o espaço ecológico do rio e com o restante património cultural associado ao mundo imaginário e simbólico, às sociabilidades das comunidades ribeirinhas de ambos os países, bem como à cultura gastronómica local. A dimensão, omnipresença e exigência de manutenção das ‘pesqueiras’ (para a sua manutenção é proibido o uso de argamassas, havendo, por isso, em algumas delas, armações de vergas de ferro (‘gatos’) na parte superior para segurar as pedras) obriga os pescadores a estabelecerem com elas uma relação próxima, continuada no tempo, onde as relações históricas de propriedade são espelho das relações de poder, desde as sociedades medievais, com a predominância da nobreza, das sedes episcopais, nomeadamente de Tui, dos mosteiros e senhores eclesiais, até aos sistemas de herança e partilha após o fim do Antigo Regime. A partir daqui os laços familiares e de vizinhança assumem o principal papel na gestão das ‘pesqueiras’ sob a tutela da administração do Estado. Raramente uma arte de pesca tem tanto impacto cultural e reflete a sociedade, no seu todo, como as artes de pesca ligadas às ‘pesqueiras’. Elas exigiram, em primeiro lugar, profundos conhecimentos da natureza e do espaço ecológico, assim como fomentaram competências no conhecimento excecional do rio e na adaptação das técnicas tradicionais de pesca aos recursos endógenos e à especificidade orográfica onde se implantam. Em segundo lugar, inauguram rituais de celebração comensal, práticas sociais de poder e gestão do território, assim como foram razão de sociabilidades transfronteiriças. Pensar as pesqueiras dentro do seu contexto paisagístico é compreender como desde a sua construção, manutenção e prática, as comunidades humanas ribeirinhas ao rio Minho construíram uma paisagem cultural diferenciada e mantida durante tanto tempo. A permanência desta paisagem está também relacionada com o difícil acesso ao leito do rio onde existem as pesqueiras. As margens escarpadas, em zonas fora dos caminhos mais praticados das aldeias, fizeram com que, com o tempo e a menor prática das pesqueiras, os conhecimentos aqui praticados e as arquiteturas paisagísticas tenham permanecido, durante as últimas décadas, fora do conhecimento de uma parte significativa da comunidade. O reconhecimento destas práticas e de toda a paisagem cultural construída por gerações de proprietários e pescadores como sendo um património cultural, de elevado valor, vai permitir que as suas artes e sustentabilidade sejam mais discutidas criticamente pela sociedade onde estão inseridas e pelos técnicos especialistas nas diferentes áreas que elas abordam.
  • Caracterização desenvolvida:
    Para a caracterização desenvolvida apresentamos este texto em três partes: i. o contexto histórico e ecológico do rio Minho – descrição do rio Minho; contexto do seu ecossistema; paisagem e seus constituintes; ii. As artes e práticas da pesca nas pesqueiras do rio Minho – caracterização; tipologias; artes de pesca; sistema de propriedade e de partilha das pesqueiras; mundo simbólico e interpretação da natureza pelos pescadores das pesqueiras; iii. a história e situação atual das artes de pesca nas pesqueiras do rio Minho – história da origem das pesqueiras; posse e gestão das pesqueiras; gestão atual das pesqueiras e regimes jurídicos; situação atual da pesca nas pesqueiras; novas valorizações e relação das pesqueiras com o património cultural imaterial, a gastronomia e uma paisagem cultural. i. O contexto histórico e ecológico do rio Minho. Seria impossível qualquer trabalho sobre o património cultural imaterial da pesca no rio Minho sem termos a informação precisa sobre este curso fluvial, razão e origem da prática da pesca por parte das suas comunidades ribeirinhas. Trata-se de um rio mítico (Ver o PDF: “Lendas Associadas ao Rio Minho”), tanto pela dimensão simbólica e pelo impacto natural e económico que tem no território do noroeste peninsular, como pelo papel que ocupou na história, enquanto limite e fronteira de reinos e países, e, ao mesmo tempo, espaço de relações económicas e culturais. Podendo caracterizar-se o território do vale do Minho em apreço dentro de um mesmo espaço cultural (segundo João de Pina Cabral (1991). Contextos de Antropologia. Lisboa: Etnográfica Press), ele aproximou as comunidades ribeirinhas, como é o caso da entreajuda nas ‘pesqueiras’, ou o contínuo fluir de pessoas entre as suas margens, para o comércio, para as relações familiares e de parentesco ou para peregrinação e romarias. Mas foi a sua referência como limite fronteiriço entre os reinos medievais e as nações de Portugal e Espanha a marcar o imaginário destes países. Trata-se também de um dos rios mais ricos da Península Ibérica em recursos haliêuticos, com forte impacto na sustentabilidade ecológica do seu território. E é este aspeto o que vai determinar a exploração dos recursos aí existentes e o investimento histórico nas ‘pesqueiras’ que aqui tratamos. 1.1. Descrição do rio Minho e seus ecossistemas O cerne desta candidatura está no impacto cultural da prática da pesca nas pesqueiras do rio Minho, nas comunidades ribeirinhas deste curso fluvial e como ele serve de intermediário para dialogar com os espaços e territórios mais próximos. O património cultural imaterial aqui presente, centrado na utilização das pesqueiras, sua construção, manutenção, uso, interpretação do rio nas condicionantes físicas, geográficas, hidráulicas, haliêuticas e sua administração / gestão jurídica, económica e técnica, só é possível de estabelecer-se se entendermos a multidimensionalidade dos saberes, a variedade das condições paisagísticas e da biodiversidade, os artefactos de pesca e as embarcações, o impacto na economia familiar, comunitária e na gastronomia, assim como a conservação e atualização dos documentos que sustentam os direitos de pesca e de uso das pesqueiras. Este é um dos casos singulares em que se envolve o conhecimento do espaço físico, a gestão dos recursos de um rio, a prática de um saber e sua transmissão entre gerações, o sentimento de pertença e identificação alicerçado num meio físico, como é o rio Minho. O rio Minho é tão importante na sua realidade física, geográfica e económica, como o é no imaginário social e cultural, e no mundo simbólico do fantástico. Rico em recursos haliêuticos, é-o também nos paisagísticos, na biodiversidade e na influência que tem na organização do território do noroeste peninsular. Não estranha, por isso, ser uma constante referência nos escritos dos viajantes por esta região e o estar associado a classificações de gestão administrativa do território, seja na Galiza (comarcas do Alto e Baixo Miño), seja em Portugal (no passado, províncias do Minho e Alto Minho; atualmente na Comunidade Intermunicipal do Alto Minho). O Rio Minho situa-se na vertente noroeste da Península Ibérica. Com cerca de 300 km de extensão, desde a nascente à foz, os seus 75,5 quilómetros finais definem a fronteira entre Portugal e a Espanha, na Comunidade Autónoma de Galiza, desde a desembocadura até à confluência do rio Trancoso (Bargas ou Troncoso, como é conhecido na Galiza). Tem um caudal médio de 405 m3 s-1. O leito de drenagem é composto maioritariamente por granitos, xisto e grauvaca. A influência das marés chega a 40 km rio acima. A partir do curso médio internacional, o leito do rio estreita-se entre margens rochosas e altivas, com leito de pouca areia e onde predomina o seixo, zona onde se construíram as ‘pesqueiras’. A sua desembocadura é parcialmente fechada por uma barra de areia, presa à margem esquerda - formada pela deriva costeira -, atualmente coberta por uma densa floresta (o Pinhal do Camarido). O fundo da boca é principalmente arenoso. Nas duas margens do rio, na sua parte final, desenvolveram-se sapais e planícies entre marés, sulcadas por canais. São extensas as desenvolvidas na margem esquerda, onde termina o rio Coura. A fronteira estabelecida pelo rio Minho é uma fronteira muito antiga, existindo desde as origens do Reino de Portugal (de facto, desde a sua criação, no final do século XI, com a fundação do Condado Portucalense). A delimitação da fronteira luso-espanhola no rio Minho (1855-1906) onde se demarcaram os limites, a propriedade das ilhas, e se legislou sobre as pesqueiras seguiu esta história centenária, mesmo que isso não signifique ter sido ela pacífica ou estável. Como ocorre em toda a faixa, a secção de fronteira definida pelo Minho é pontilhada de fortalezas e castelos praticamente confrontados de maneira dupla, assim como outras estruturas defensivas isoladas ou menores, como torres e castelos, e pontos avançados de vigilância. De oeste para leste, as principais fortalezas do início do século XIX, nesta secção, foram organizadas, aproximadamente, da seguinte forma: A Guarda em frente a Caminha; Vila Nova de Cerveira em frente de Tomiño; Tui em frente de Valença do Minho; e Salvaterra de Miño em frente a Monção. No momento em que se negociou a delimitação da fronteira luso-espanhola no rio Minho (1855-1906), ele era a principal rota de relações comerciais e transporte de mercadorias entre as cidades de suas margens e era navegável o ano todo, desde a foz até o local de Lapela ou até Monção (no lado português) e Salvaterra (no lado Espanhol). Apesar de haver provas de navegabilidade, anterior ao século XVIII, em algumas partes até Ourense, a partir de Lapela as condições orográficas do rio e as construções das pesqueiras (no passado algumas praticamente fechavam o rio, vindas das duas margens) impediam a navegabilidade total. Só certos cursos interiores, após a zona fronteiriça, com outra realidade física das margens, conservariam essa navegabilidade. A construção de barragens, no século XX, alterou profundamente o leito do rio e a navegabilidade. Tradicionalmente, no passado, dada a profundidade geral e a alta vazão do rio (exceto no verão), a fronteira era pontuada por uma ampla fileira de barcas de passagem, que permitiam ultrapassar esta barreira geográfica, de um lado para o outro, desde Caminha a Melgaço, transportando pessoas (entre elas os peregrinos do Caminho Português a Santiago de Compostela), animais e mercadorias, sujeitos ao pagamento de diferentes impostos, portagens e serviço de passagem. Diziam os meus avós que quando iam à festa de Santa Marta de Ribarterme, nas Neves, passavam ali numa barca que um homem tinha. Pagavam e iam todos juntos numa romaria. Mas iam por outras razões... havia rapazes que passavam a nado para namorar e ir às festas, mas a maior parte das pessoas passava o rio na barca” (Pescador, 62 anos, Messegães, Monção). O rio Minho era o viveiro mais importante na criação de peixes da Península Ibérica até ao final da primeira metade do século XX (Rodríguez Santamaría 1923). A qualidade das águas foi danificada por represamentos e poluição das águas, ficando o rio convertido numa sucessão de barragens. A riqueza haliêutica deste rio dava emprego a mais de um milhar de pescadores ao longo do seu curso. Aqui era só gente no rio. Até os que não tinham pesqueiras iam ao peixe. Havia tanto peixe! Chegamos a carregar com o carro dos bois o peixe que apanhávamos no rio! (antigo pescador, 75 anos, Penso, Melgaço) Em todo o curso do rio Minho encontramos peixes como a truta (Salmo trutta) e a enguia ( Anguilla anguilla); e mamíferos como a toupeira-da-água (Galemys pyrenaicus) e a lontra (Lutra lutra). Mas ele é reconhecido pelos salmões (Salmo salar), sáveis (Alosa, alosa), lampreias (Petromyzon marinus), solhas (Platichthys flesus), bogas (Pseudochondrostoma duriense), savelha (Alosa fallax) escalos (Squalius carolitertii). A variedade de peixes do Minho era grande. Quanto à fauna, temos presentes numerosas aves anátidas (Anas platyrhynchos, Anas clypeata ), e um pequeno núcleo de sisões (Tetrax tetrax). Por sua vez, o tramo baixo do Minho acolhe no inverno um número expressivo de aves aquáticas, como o zarro-negrinha (Aythya fuligula), a tarambola-dourada (Pluvialis apricaria) e o abibe comum ( Vanellus vanellus). É esta riqueza de recursos a justificar o interesse e valor da pesca no rio Minho e a incentivar a criatividade das comunidades ribeirinhas no uso de barcas e artes de pesca que chegaram aos nossos dias. 1.2. Paisagem das pesqueiras no rio Minho O vale do Rio Minho é um importante marco na paisagem do noroeste peninsular, a que acresce as estruturas das pesqueiras. Referido desde a antiguidade pelos principais geógrafos, poetas e historiadores, o rio Minho causou sempre impacto nos viajantes e teve marcante influência nos habitantes locais. Tratando-se do maior curso fluvial do Noroeste, nasce em Pedregal de Irimia, Serra de Meira, a 695 metros de altitude, a noroeste da província de Lugo. É o maior rio da Galiza, com 315 km. Vindo do interior do território, na parte final estabelece a fronteira entre o Alto Minho português e a Espanha (Galiza), desde Melgaço, S. Gregório, até à foz, no Atlântico, em Caminha / La Guardia (Pontevedra). O curso fluvial do rio Minho, nos seus mais de trezentos quilómetros, é extraordinariamente variado a nível da paisagem. Na fase inicial, após a nascente no alto da montanha, temos um ecossistema caracterizado por uma vasta região húmida, de pântanos, lagoas e pequenos cursos de água, onde reina a biodiversidade e uma ecologia simbiótica, entre arbustos, árvores, animais terrestres, anfíbios e aquáticos, aves que aqui nidificam e se reproduzem. Esta paisagem transforma-se e culturaliza-se com os usos agrários e de pastorícia, entre lagoas e terras alagadiças. No tramo central, marcado por margens abruptas, rochosas e de canal apertado, no rio Minho (bem como em alguns dos seus afluentes quando se aproximam dele), a paisagem cultural altera-se. É neste território que surgem as pesqueiras. A disponibilidade de pedra, oriunda do substrato rochoso das margens e da que está no meio do curso fluvial, permitiu, num primeiro momento, o uso oportunista das que davam acesso facilitado ao curso central do rio e, num segundo momento, à manipulação e tratamento desta pedra disponível para a construção de muros e canais, ou seja, das pesqueiras. As centenas de pesqueiras presentes no rio Minho, em uma e outra margem, dão à paisagem do vale um valor cultural evidente. Temos um espaço geofísico marcado pela água, mas onde a intervenção das populações ribeirinhas na construção e uso das pesqueiras define a apropriação desse espaço e confere à paisagem uma outra dimensão. Após Monção e finalizado o tramo onde existem as pesqueiras, o rio Minho corre até à foz entre margens arborizadas, onde a distância entre margens vai aumentando e a navegabilidade é facilitada. São margens de campos férteis, onde pontualmente existem áreas alagadiças (como a da Ribeira de Mira, em Valença). Surgem novas artes de pesca e de aproveitamento dos recursos. Vão aparecendo algumas ilhas, uma espanholas, outras portuguesas, para desaguar no Atlântico, entre Caminha e Santa Tecla. Em geral observa-se que, nos vales e zonas próximas às aldeias onde predominam os prados e zonas de cultivo, a conectividade transversal da vegetação de ribeira diminui notavelmente. Ela é reduzida a uma banda estreita numa ou em ambas as margens, onde crescem algumas árvores, sem arbustos e completamente desconectada dos bosques adjacentes. A conectividade longitudinal costuma ser boa, faltando só em algumas povoações e zonas de cultivo. Tanto a margem espanhola como a portuguesa são abundantes em terras agrícolas (milheirais, vinhedos em planícies baixas, sobretudo) divididas por cercas ou muros de pedra seca, ou de laje emparelhada verticalmente. Os pinheirais também são abundantes. As extensas repovoações de eucalipto e pinheiro, os incêndios florestais e as pressões derivadas da elevada densidade populacional e dos cultivos agrícolas, junto com a presença de espécies exóticas invasoras, mostram-se como as principais causas da degradação da qualidade da vegetação da ribeira do Minho. As zonas do alto rio Minho são ricas em biodiversidade, como já referimos, pelas próprias características de zonas alagadas e pantanosas. Aqui temos bosques aluviais de amieiros (Alnus glutinosa), freixos (Fraxinus excelsior), carvalhos (Quercus robur e Quercus pyrenaica), e urzes húmidas atlânticas (Erica ciliaris y Erica tetralix). A formação dominante na atualidade corresponde a salgueiros, de Salix salvifolia (associação Salicetum salviifoliae) que encontramos desde Caldelas de Tui até à barragem da Frieira, associada a zonas rochosas das margens e bancos de godos residuais. Esta associação é endémica do ocidente ibérico e a sua distribuição na Galiza e Portugal é muito reduzida. Apresenta um primeiro bosque degradado de salgueiros pouco desenvolvido, e um segundo arvoredo formado por carvalhos e freixos (Fraxinus angustifolia). Uns seis metros por cima encontramos um terraço ocupado por completo com eucaliptos e vinhedos, no lugar onde antes estariam os carvalhos e pinheiros. Junto a estas espécies arbóreas encontramos, como acompanhantes, exemplares de Acer negundo e Acacia melanoxylon. O estrato arborescente encontra-se bem representado. As espécies dominantes são: Salix salviifolia, Frangula agnus e Laurus nobilis; acompanhadas por exemplares de Sambucus nigra, Salix atrocinerea e Alnus glutinosa. O estrato lianóide é abundante, com espécies como Humulus lupulus, Rubus sp. pl., Calystegia sepium, Vitis vinifera subsp. Sylvestris y Tamus communis. Entre as herbáceas destacam-se: Tradescantia fluminensis, Saponaria officinalis, Phalaris arundinacea, Iris sp., Urtica dioica, Lapsana communis, Arum sp., Centaurea debeauxii, Artemisia verlotiorum, Ranunculus repens, Prunella vulgaris, Crocosmia x crocosmiflora e Phytolacca americana. Por sua vez, nas zonas arenosas próximas da água encontramos: Polygonum persicaria, Lythrum salicaria, Carex acuta, Cyperus eragrostis, Lysimachia vulgaris, Oenanthe crocata, Lycopus europaeus, Apium nodiflorum, Scirpus holoschoenus y Mentha pulegium. Entre as plantas flutuantes nas águas pouco profundas abunda: Ranunculus gr. Trichophyllus e Potamogeton sp.. O último tramo do rio tem sido objeto de investigação (desde 2015) para uma tentativa de classificação do estuário do rio Minho a Paisagem Cultural da UNESCO, da responsabilidade do Município de Caminha (Portugal) e da Comarca de La Guardia (Espanha). Se para T. Ingold (1993) a paisagem é formada pelos diferentes usos e significados produzidos pelas pessoas, que se acumulam ao longo do tempo, devemos acrescentar que esta ‘paisagem cultural’ (cf. Campelo 2010) não pode ser entendida como se fosse um palimpsesto. Aqui não está apenas e somente condensada a sucessão histórica do uso deste espaço natural, das diferentes alterações realizadas pelos humanos. Não podemos analisar esta paisagem unicamente numa perspetiva ‘arqueológica’, de levantamento de evidências em ‘sedimentos acumulados’. Ela não é uma soma de partes ao longo do tempo, mas resulta de constantes reinterpretações que ultrapassam épocas, ou seja, existem, deixam de existir, para voltarem depois, conforme o uso e oportunidade das mesmas. E isto passou-se com a história das pesqueiras, como oportunamente analisaremos. O rio Minho é o curso fluvial mais caudaloso da região onde corre. Recolhe a água de vários afluentes, entre os quais o rio Sil, que só tem menos 20 km de extensão do que o Minho. Para o rio Minho drena uma ampla bacia hidrográfica de 12 486 km2 (Ver foto JPEG: “Bacia Hidrográfica do Rio Minho”). Na Galiza o percurso inicial do Minho, na província de Lugo, está classificado como ‘Reserva da Biosfera’. O troço internacional está classificado na Rede Natura 2000. Na zona onde nasce, e tem vários afluentes, a sua bacia é caracterizada por vários sistemas aquáticos. Eles inserem-se dentro de uma região bioclimática marcada pelo Atlântico. Trata-se de uma zona húmida, com uma rede extensa de canais, lagoas e terrenos inundados. Estas zonas, como outras alagadas temporalmente e existentes no noroeste peninsular junto de cursos fluviais, são zonas de pasto e de atividades agrárias, para além das florestais, onde arvoredo e vegetação ripícola coabitam com árvores de maior porte. Não estranha, por isso, serem estas zonas de grande valor biológico, nomeadamente por serem, no inverno, o habitat de numerosas espécies de aves. O baixo Minho, mais estreito até Monção, sofre o impacto da pressão urbana por passar junto de significativos povoados citadinos; tem uma maior exploração cinegética e pesqueira, para além dos aproveitamentos hidráulicos de produção de energia, que, somados, provocam também maior dificuldade na preservação ambiental e no controlo dos riscos de poluição. Na maior parte do seu curso está encaixado num vale profundo, carecendo de vale aluvial até não muitos quilómetros longe da foz, no final do concelho de Monção / As Neves. Para entender, atualmente, a física do leito e as correntes de água deste curso fluvial é fundamental ter em conta as várias barragens que estão na sua bacia hidrográfica e, particularmente, no próprio rio Minho. Entre Lugo e Ourense, o Minho tem 3 barragens (Belesar, Peares e Velle), e entre Ourense e a fronteira tem mais duas (Castrelo e Frieira). Esta última está muito próxima da linha de fronteira que o rio Minho estabelece entre Portugal e a Espanha (Galiza). As barragens não só fizeram com que muitas das pesqueiras existentes nesse troço do rio estejam submersas, como, pelas descargas, alteram o nível das águas, num período de tempo muito curto, causando situações de grave perigo para os pescadores que estão nas pesqueiras da cota mais baixa, e deixando sem água ou incapazes de funcionarem (de ‘redar’) convenientemente as artes de pesca colocadas no rio e nas pesqueiras. Um outro problema muito citado pelos pescadores é o da alteração da qualidade da água! As pesqueiras que existiam antes da Frieira desapareceram no fundo das águas. Deixaram de existir. Só a partir dali temos as pesqueiras. Essa barragem foi um desastre para o rio. Dali vem tudo o que está mal no rio (Manoel, Pescador, 57 anos, Arbo, Galiza). A água nunca mais foi a mesma. E os que mandam, mandam nisto tudo e não se interessam nada pelo rio, quanto mais pelos pescadores. Há dias em que a água vem tão suja que ninguém entende. Os da barragem nunca se importam se estamos a redar ou não. Por vezes perdemos tudo... a água vem por aí abaixo cheia de força e passa por cima de tudo; outras vezes o botirão fica seco... de tanta falta de água. Fecham a água toda. Deviam ter consideração por nós, mas não! (Pescador, 74 anos, Alvaredo, Melgaço). Existem no rio Minho uma grande quantidade de ilhas e bancos de areia, mais ou menos permanentes. Essas ilhas e margens arenosas formaram-se, essencialmente, pela deposição de sedimentos transportada pelo rio, sendo constantemente modeladas e alteradas de acordo com fenómenos naturais (principalmente devido às variações sazonais de seu curso e cheias), mas também pela construção das pesqueiras de ambos os lados para pescar salmão, lampreia e outras espécies abundantes neste curso. As variações introduzidas pela construção descontrolada das pesqueiras nos mecanismos naturais de circulação do rio causaram não apenas a formação de novas ilhas e bancos de areia, mas também de seixos e ‘ranhas’ (‘rañas’: montes formados pelo acúmulo de cantos e seixos que dão origem a pequenos saltos e mudanças na velocidade da corrente). Com o tempo, todos esses acidentes tornaram-se um sério perigo para a navegação e até para certas práticas agrícolas, porque, por um lado, as ilhotas e margens dividiram o rio em diferentes braços e dificultaram a navegação ao longo do curso; e, por outro, modificaram o leito do rio e causaram inundações de áreas cultiváveis. No curso alto do rio são muito mais íngremes as margens, com falésias de rocha de granito. No que respeita ao seu património piscícola, e sabendo nós como ele foi um dos mais ricos cursos fluviais na Península Ibérica até meados do século XX (Rodríguez Santamaría 1923), temos nele uma variedade de peixes entre os que aqui habitam todo o ano e as espécies migratórias. Por esta razão, o rio Minho teve sempre uma grande comunidade piscatória, que veio a perder número e proeminência nas últimas décadas, dadas as alterações demográficas, as construções de barragens no rio e a perda de qualidade das suas águas, como já referimos. Em todo o curso do rio Minho encontramos peixes como a truta (Salmo trutta) e a enguia ( Anguilla anguilla); e mamíferos como a toupeira-da-água (Galemys pyrenaicus) e a lontra (Lutra lutra). Mas ele é reconhecido pelos salmões (Salmo salar), sáveis (Alosa, alosa), lampreias (Petromyzon marinus), solhas (Platichthys flesus), bogas (Pseudochondrostoma duriense), savelha (Alosa fallax) escalos (Squalius carolitertii). ii. As artes e práticas da pesca nas pesqueiras do rio Minho 2.1. Caracterização das Pesqueiras O que é uma pesqueira (‘pesco’ na Galiza)? Já referimos o significado e características sumárias de uma pesqueira. Definimos agora mais desenvolvidamente o que é uma pesqueira (‘pesco’), mesmo sabendo que elas têm diferentes tipologias, como referiremos depois. A construção da pesqueira: o pial, o rabo e a boca da pesqueira. E além disso tem um ferro aonde embida a pesqueira, o embibidouro, o lapadouro, onde passa a corrente que segura a rede da pesqueira, para ficar esticada, e tem uma argola ou marco de pedra (as mais antigas), onde se fixa a corrente em cima da pesqueira. Nas bocas das pesqueiras são armados os botirões, para as lampreias e para o Salmão, consoante a malha da rede. Para a lampreia malha de 60 a 80mm e para o Salmão malha de 120mm. Há outras que são os pontais, que são as cabaceiras, os redeiros, que nós chamados os redeiros. Há o redeiro para lampreia, que tem que levar o buço, e há o redeiro para o Sável e o salmão, que não leva o buço. (Venâncio, Pescador, 65 anos, Melgaço) São construções de pedra, alinhadas paralela ou transversalmente ao caudal do rio, formando canais que conduzem a água e os peixes até à arte de pesca (Ver PDF: “Elementos da Pesqueira”). A arte de pesca mais utilizada aqui é o botirão, (butrón / buitrón / biturón / boitrón / bitirón), que se coloca à entrada, ou soleira, dos caneiros. A outra arte é a cabaceira e usa-se nos ‘cotos de pesqueira’ (ver PDF: “Artes de Pesca da Pesqueira”). Cada uma das paredes da pesqueira que forma o canal tem o nome de pial. A parte do muro de pedra mais próxima da corrente tem a altura normal das águas do rio, e chama-se rabo. Para além de facilitar a passagem das pessoas para os piais, forma um rápido que desvia a água para o centro do rio, em correntes mais fortes, orientando o peixe para os remansos, onde estão os piais. A corrente é utilizada pelos peixes para mais fácil movimentação. Na parte orientada ao interior do rio, cada pial tem um esporão de pedra ou ferro, chamado lapadoiro, e um outro na pare superior, com o nome de marco. Também é frequente existir na parte superior dos muros, junto ao marco, espaços escavados na pedra que servem para depositar o pescado tirado da rede do botirão ou cabaceira. Temos, assim, uma construção constituída por um corpo em forma de muro, composto por pedras emparelhadas, com forma retangular, podendo ser a continuidade de um coto de penedo, ou ter vários corpos de forma romboidal, com ou sem cauda e utilizada para armar artes da pesca fluvial fixas, como o botirão e a cabaceira. As pesqueiras do rio Minho aqui tratadas e sob legislação comum entre Portugal e Espanha, existem dentro do curso internacional do rio (Decreto-Lei nº 47 595 de 20 de Março 1967), e estão no troço do rio já anteriormente referido, que abarca as comunidades ribeirinhas de localidades dos concelhos de Monção e Melgaço (Portugal) (na margem direita da Galiza / Espanha, os concelhos de Salvaterra do Miño, As Neves, A Cañiza, Arbo e Crescente). As pesqueiras orientam-se da margem para o centro do leito do rio, em diferentes configurações (que trataremos em seguida), aproximando-se do centro do rio, para facilitar o acesso às águas do mesmo ou para conduzir a água para os caneiros onde são armadas as artes de pesca para captura do peixe. Algumas delas, mas são raras, encontram-se no meio do rio, só podendo ser acessíveis por outros meios que não o pedestre (ou de barco ou em slide). Entre as pesqueiras presentes no rio Minho temos pesqueiras que estão ‘ativas’ e outras que não o estão. Ao referirmos a legislação sobre as pesqueiras trataremos mais aprofundadamente o assunto, mas desde já fica mencionado que as ativas são as que em cada ano o seu ‘patrão’ (principal responsável pela pesqueira junto das autoridades) inscreve na capitania marítima e paga a respetiva licença de pesca. Este troço do rio caracteriza-se por ser mais estreito do que aquele que está a jusante, como já tratamos. É em grande parte formado por margens com arribas alcantiladas, onde aflora rocha, como já referimos na descrição do rio, sendo, por isso, os locais onde estão construídas as pesqueiras de difícil acesso. É a abundância de pedra nas proximidades do leito do rio que permitiu a construção das pesqueiras em número tão significativo, neste troço do rio Minho (voltamos a referir que numa área de cerca de 37 Km do curso do rio existiam no início do século XX mais de 1000 pesqueiras nas duas margens do rio. Atualmente existem 600 pesqueiras do lado português e cerca de 400 na margem galega. Destas, cerca de 200 estão ativas, mas só 170 estavam licenciadas para a safra de 2019). Tratando-se de construções seculares e algumas milenares, pode-se afirmar que o número e estado das pesqueiras variou com o tempo, as contingências históricas e o uso das comunidades ribeirinhas. Assim, entre as construções ainda presentes no rio Minho, temos: i. pesqueiras em bom estado e ativas, onde ainda se pratica a pesca; ii. pesqueiras ainda em bom estado ou relativamente bem conservadas, mas que já não estão ativas; iii. pesqueiras muito destruídas, mas claramente bem definidas no leito do rio; iv. por fim, há situações onde só podemos verificar da existência, no passado, de uma pesqueira, porque há indícios e evidências materiais da sua construção. Ou seja, o facto de haver construções praticadas e em bom estado e outras que são meras evidências arqueológicas, torna difícil aferir a idade de cada uma delas sem um trabalho arquivístico para as historicamente mais recentes, ou de análise dos sedimentos e materiais onde se construíram, para as mais ancestrais. Os documentos dos arquivos fornecem-nos datas a partir do século X, e as análises de sedimentos junto de pesqueiras do rio Minho (cf. Viveen 2014) dão-nos referências para cerca de 700 AD, com possibilidade de recuarmos dois séculos, ou seja, o século VI. Oportunamente, na análise histórica desenvolveremos mais este tema. Sabemos, isso sim, da existência das chamadas ‘pesqueiras novas’. Mas já o foral novo de Melgaço (séc. XVI) classificava de ‘novas’ a pesqueiras desse tempo. Temos conhecimento, no entanto, de que muitas pesqueiras foram construídas no séculos XIX e início do XX, conforme os arquivos da Capitania de Caminha. Mas a definição de pesqueira não é sempre a mesma, tanto nos documentos históricos, como nos textos legislativos do século XX. Nos primeiros, o interesse não era definir o que era uma pesqueira, mas referir a sua posse e gestão; nos segundos, impera a concisão e generalidade da definição. Os autores são prolíferos em definir a evolução das características das pesqueiras. Dessa evolução decorre o que se entende por pesqueira. Assim, Antero Leite (1999) mostra-nos como para o mesmo ano de 1758, aquando do Inquérito para as famosas “Memórias Paroquiais” (publicadas em 1834 sob o nome de Diccionário Geográfico de Portugal), existem definições muito distintas. Para o Vigário da Bela, o P.e João de Azevedo, as pesqueiras eram como “huas pontas de huns penedos, nas quais se armam redes no Rio, em que se colhem os peixes e grandes, como Salmoens, Relhos, Lampreas, Saveis e Savelhas, e estes penedos ou pesqueiras são de muitos herdeiros, e destes penedos ou pesqueiras muitas pagão foro a vários senhores e muitas são librés; porém são mães as que pagão foro neste distrito”. (Leite 1999: 62). Mas o autor (Leite 1999) refere ter encontrado na documentação manuscrita da Torre do Tombo, nas respostas ao Inquérito, outras descrições, como “paredões fortíssimos que correm a algumas braças de terra para o rio”; “caneiros fortíssimos”. O autor entende nesta variedade formal das pesqueiras a coexistência, à época, de estruturas que mostravam a evolução das pesqueiras, as quais teriam sido, primitivamente, uns penedos junto do curso do rio onde se fixavam as artes de pesca, os quais evoluíram para as construções de ‘paredões fortíssimos’, como os conhecemos hoje. Teriam passado, assim, por uma séria de alterações, mediadas, numa primeira fase, pelo acesso da margem a um penedo situado no meio do rio, através de um tronco de árvore; e, por uma segunda fase, em que se constrói um ‘muro’ entre a margem e esse penedo (cf. o desenho presente em Leite 1999: 15). O autor faz estas suposições na convicção de que há, por semelhança, uma origem ‘primitiva’ das pesqueiras neste contexto geológico de margens graníticas, o qual repetia o sistema de ‘barragem em paliçada’ e depois ‘estacada’ (mais tarde a ‘tranqueira’), das zonas ribeirinhas de remansos e ínsuas. Já não em madeira, como até ali, mas agora em pedra, desde os penedos roliços às pedras aparelhadas, como faria a ‘civilização dos castrejos’ (sic). Deixaremos para outra ocasião o debate crítico sobre a história destas morfologias das pesqueiras e sua evolução. A verdade é que, na atualidade, existem pesqueiras que estão em formações rochosas sobre o leito do rio (os cotos pesqueiros) e existem as que são construções de muros, mais ou menos extensos, sobre o leito do rio, em diferentes tipologias. Ou seja, não nos parece que a forma das pesqueiras, entre cotos pesqueiros e pesqueiras constituídas por muros, seja uma evolução necessariamente sequencial, mas que elas se adaptam claramente ao contexto do local onde ambas as tipologias se implantam. E isto entendendo que para a construção dos muros das pesqueiras haja uma maior exigência na arte de trabalhar e transportar a pedra, bem como de gerir os caudais do rio. Importa dizer que as pesqueiras demonstram um domínio de técnicas construtivas, de interpretação do rio e do uso dos materiais disponíveis nas margens, beneficiando de todos esses conhecimentos para selecionar e dominar o local de implantação e a orientação das correntes, etc. Esse conhecimento não está só no momento da construção, mas está também no uso e aproveitamento atual, pois sabem os pescadores quais as melhores pesqueiras, as mais bem construídas e as mais bem orientadas para obter bons resultados nas capturas, de uma e outra espécie de peixe. As pesqueiras não são todas iguais. Há as que são melhores para a lampreia e as que são melhores para o sável ou salmão. É preciso saber bem quais pesqueiras usar para se ter uma boa pesca, conforme o peixe. (Venâncio, Pescador, 65 anos, Melgaço). Há mais de um século que não se constroem pesqueiras, mas a manutenção das existentes e a seleção entre elas mostra como esse conhecimento não se perdeu. Há quem diga que os atuais praticantes das pesqueiras desconhecem (ou, mais precisamente, não fazem) o sistema de ‘capeamento’ no cimo da pesqueira, que impede a introdução superior de águas, razão da destruição da construção. E referem que essa segurança é feita pelas armações de ferro (‘gatos’) que fixam as pedras superiores. A legislação atual, desde 1967, não permite, no restauro das pesqueiras, a utilização de argamassas. Dada a dificuldade (que não a falta de conhecimento) em mover pedras de grande dimensão, opta-se pelo sistema mais fácil. Mas o que nós verificamos, quanto ao que mais contribui para a destruição dos muros, é o não uso das pesqueiras e a invasão de arbustos ou pequenas árvores, junto ou no próprio corpo das pesqueiras, que, não sendo arrancadas, crescem e destroem, com as raízes, as pesqueiras. No que respeita às palavras a designar este tipo de construções, que nós sintetizamos com a referência de ‘pesqueiras’ / ‘pescos’, outras existem. Alguns autores (cf. Carrilho 1999; Lois Ladra 2008) procuram através dessas palavras descrever, filologicamente, o tipo e uso das artes de pesca. Assim, temos a palavra ‘caneiro’. Os autores (cf. Lois Ladra 2008: 20-21) socorrem-se dos dicionários galegos e português. Assim, do Diccionário Enciclopédico Gallego-Castellano de Eladio Rodríguez, dá-se uma das cinco possibilidades de sentido da palavra ‘caneiro’: “pesquera, canal compuesto ordinariamente de dos estacados os muros, llamados guiares, que formam en el rio una represa en cuyo boquete se colocan las redes para pescar anguilas, reos, Sábalos, etc.”; do Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, caneiro terá, entre outros sentidos: “canal por onde o peixe entra na caniçada”. Mas o termo ‘pesqueira’ (pesquera) parece sintetizar tanto o ‘pesco’ como um ‘caneiro’, superando uma descrição do tipo de construção (de pedra ou de estacas) ou uso de artes de pesca, afirmando o objetivo final de uns e outros: construção fixa de pescar! Por isso o Diccionario da Real Academia Galega define ‘pesqueira’ como: “espécie de dique ou presa construída en diagonal no curso do rio, desde onde se pesca ou côa que se desvia a auga para poder pescar”. A dominância do termo ‘pesqueira’ reforça-se com a etimologia: vinda do latim piscaria, vocábulo composto pela raiz piscem e o sufixo locativo-coletivo – aria (lugar onde se pesca). Não deixa de ser interessante esta relação com o ‘lugar’! Ou seja, o facto de ser uma estrutura de grande dimensão, que marca o espaço e define uma ação, a pesqueira é a referência por excelência ao ato de pesca. E, mais do que isso, ao ser uma construção fixa e de grande durabilidade, possuída por alguém, coloca sobre o rio uma autoridade e poder de propriedade passível de ser transferida para herdeiros ou vendida. Já não se trata apensa do direito de pescar num rio, mas o de ter ‘propriedade’ dentro de um rio, onde se pesca. A pesca nesta parte do rio Minho faz-se nas pesqueiras. É nas pesqueiras onde os pescadores armadilham as suas artes de pesca, o botirão e a cabaceira. Elas têm uma arquitetura muito relevante, a nível construtivo e de dimensão, semelhantes a outras existentes no curso de rios relativamente vizinhos, mas que não estão atualmente em uso. Elas são o resultado da transformação, pelo homem, das massas rochosas existentes nas margens do Minho em pontos de pesca. O material e tipo de construção das pesqueiras, a forma como se implantam no rio, e a quantidade de pesqueiras neste pequeno troço do rio Minho, fazem com que tenham uma marca na paisagem e uma visibilidade sem paralelo entre as construções destinadas a artes de pesca fixa. Elas fazem parte da paisagem do rio e, enquanto construções humanas, constituem uma paisagem cultural. As componentes de uma pesqueira são variadas, conforme a tipologia das mesmas e das artes usadas, o botirão e a cabaceira, havendo pesqueiras que usam só uma das artes (só o botirão ou só a cabeceira) e outras que usam as duas, sendo, portanto, de uso misto. Todas elas têm pontos de fixação das redes ou armadilhas, e formas de acesso privilegiado ao leito do rio. Há pesqueiras que entram mais no leito do rio e até, quando estão juntas com as galegas, praticamente ‘fecham’ o leito ao se encontrarem; outras são as que se fixam nos penedos e quase não interferem no curso das águas. Nas pesqueiras (ver PDF: “Elementos da Pesqueira”), os muros/paredes construídos desde a margem para o leito do rio (os ‘corpos’ da pesqueira), orientados no sentido da corrente, podem ser constituídos de vários corpos, ‘piais’ (ou ‘poios’ em galego), entre os quais se situam as aberturas (‘caneiros’ que terminam em ‘bocas’), por onde passa a água e onde, nas bocas, se armam os botirões. No extremo dos piais (poios) temos o ‘pontal’ ou ‘ponteira’, ou seja, a extremidade anterior do corpo da pesqueira. Há as que têm ‘rabo’ (ou ‘cauda’), uma construção mais avançada ao último pial, como um dique longitudinal. São as que mais interferem no caudal do rio, para formar ‘remansos’ e conduzir o peixe para as ‘bocas’, sobre cuja ‘soleira’ se fixa o botirão. Para a fixação das artes de pesca, a pesqueira tem, em cima do pial / poio, o ‘embibidouro’, um ferro recurvado, colocado na extremidade posterior da pesqueira e onde se prende o ‘bidoeiro’ (arame que une o gancho do botirão ao ‘embibidouro’) e o ‘lapadoiro’ (um varão de ferro cravado na parte frontal do corpo da pesqueira, mais aproximado da água, no qual se prende a corrente do botirão). Temos ainda, implantado no topo do corpo da pesqueira e mais afastado da extremidade, o ‘marco’, lavrado em pedra e que pode apresentar formas zoomórficas ou até antropomórficas (ver PDF: “Elementos da Pesqueira”), onde amarra a corda ou corrente que segura a cabaceira ou o botirão. Podem as pesqueiras ter mais de um ‘marco’, que no passado substituíam as amarras de ferro. Os muros (corpos, piais) das pesqueiras são constituídos por pedras aparelhadas. Sobre a técnica construtiva e os elementos constituintes das pesqueiras, a descrição dos autores é variada. Se há quem veja aqui, apesar da sumptuosidade das pesqueiras, uma ‘simples’ arquitetura vernacular, de origem primitiva, feita por grandes e pequenas pedras justapostas, com paramentos irregulares, outros há que as assinalam dentro de uma técnica de construção com características mais depuradas (Portela et al: 1981: 88). Dizer que são obras de agricultores-pescadores, é confundir os que as usam com os que as construíram. Teriam de ser pedreiros experimentados, pois não só a disposição da pedra e seu aparelhamento dão prova de que conheciam as técnicas construtivas de uso de pedra seca (sem juntas), de grandes dimensões, como o alicerce, o seu travejamento e orientação do muro confirma o que os construtores esperavam do trabalho final: uma solidez perante a força e ímpeto das correntes das águas e sua permanência por muitos anos, sem colocar em risco a eficácia. Ora isto só se consegue aliando a ‘engenharia’ de boa construção a uma ‘arquitetura’ da forma correta. Poucos se interessam pelas lajes que fazem o capeamento da pesqueira (exceto Medaíl 2014). Ora a sua boa colocação no cimo do muro seria fundamental para a estabilidade e durabilidade da pesqueira. A não manutenção destas lajes contribuiu para degradação das pesqueiras, só resolvida pela colocação de ‘gatos’ de ferro que seguram essas lajes dos cumes. 2.2. Tipologias das Pesqueiras As pesqueiras, tendo em conta a sua variedade construtiva e inserção no rio, desde os simples cotos, até conjuntos de vários piais, e o ter ou não ter rabo, podem ser divididas em várias tipologias. Essa diferenciação tipológica mostra não só a capacidade construtiva, mas também a adaptação dos postos de pesca aos lugares onde se implantam, às correntes das águas e ao facto de estas serem mais ou menos profundas. Tem-se em conta ainda a distância entre margens e a possibilidade de se investir mais ou menos, em diferentes cotas do leito do rio. Também a maximização das possibilidades de ter vários bitorões nos melhores locais fez aumentar os corpos da pesqueira. Se tudo isto esteve na origem desta diversidade, também está na compreensão atual dos pescadores na qualidade e produtividade de cada pesqueira, para cada espécie existente rio, do uso e manutenção das que julgam mais promissoras. É pena ver pesqueiras que eram muito boas a não serem redadas. Nós herdamos as pesqueiras, mas quando há pescadores que, mais idosos, querem deixar de redar pesqueiras que sempre foram boas, por exemplo para a lampreia, pedimos para as usar e manter ativas. (Pescador, 67 anos, Bela, Monção). Deve-se salientar o facto de que o tamanho e forma das pesqueiras está também relacionado, de uma outra maneira, com o local onde se implantam. Em rios que são navegáveis, como o Douro, a existência de pesqueiras muito ‘adiantadas’ no leito do rio colocava graves restrições à navegabilidade (cf. Soeiro 1998). Não estranha, assim, as contínuas disputas e queixas ao tamanho de certas pesqueiras, devido ao risco de perda de capacidade de navegação. Nesses locais, as pesqueiras têm um corpo mais curto, sem qualquer ‘rabo’, para não interferirem demasiado no curso da água e do leito navegável. Historicamente outras discussões foram sempre recorrentes: que elas destruíam o pescado e eram contra a sustentabilidade de algumas espécies. A localização das pesqueiras do rio Minho internacional, neste pequeno troço de 37 km, está adequada em relação a estes problemas (apesar de terem sido demasiadas no passado), pois não só há disponibilidade de pedra e a orografia o permite, como esta parte do curso do rio Minho não tem muita facilidade em ser navegável, ou seja, aqui o rio é de correntes fortes, entre pedras e barreiras naturais. Não estranha, desta forma, haver pesqueiras que entram muitos metros dentro do leito do rio e haver outras que, quando conjugadas as duas margens, praticamente fecham o leito do rio com os seus ‘rabos’. E aqui a contestação não era o pôr em risco a navegabilidade (porque ela não existia praticamente), mas a sustentabilidade das espécies pescadas e o facto das espécies migratórias terem mais dificuldade em reproduzir-se a montante. Vamos seguir aqui a tipologia das pesqueiras definida por Antero Leite (1999: 177- 185), com uma ou outra anotação. Começa o autor por dividir as pesqueiras em três grupos ou famílias: “A – Pesqueiras utilizando rede ‘cabaceira’; B – Pesqueiras de ‘botirão’; C – Pesqueiras mistas”. Em cada um destes grupos há uma diferenciação tipológica. Quando à pesqueiras de ‘cabaceira’ (A), temos: Tipo I – Há pesqueiras deste tipo que não têm qualquer elemento construtivo, sendo que a cabaceira se arma simplesmente no coto ou penedo (coto pesqueiro). Assim, são estas as pesqueiras com origem em ‘cotos de penedos’, pouco evoluídas (cerca de 9 m de comprimento), terminando em degraus. As que não têm acrescentos construtivos, os degraus (‘assentos’) são feitos na própria rocha. Estas pesqueiras não influem no curso normal das águas e situam-se quase sempre em lugares onde há penedia saliente sobre o rio. Normalmente estão em locais de águas mais profundas, onde a corrente não é muito forte. Também se prestam a um bom serviço em ‘rio alto’, ou seja, quando a nível das águas é superior, pois estão, em média, a 7 metros da cota normal do rio. Segundo os seus donos e pescadores, ‘redam bem’, ou seja, proporcionam boas pescarias. Tipo II – Pesqueiras construídas em forma retangular, partindo da margem para o leito do rio, numa orientação perpendicular ou oblíqua, a mais comum. O corpo do pial (poio) é em pedra aparelhada, retangular, orientado para o rio em linha reta ou oblíqua. Segundo A. Leite (1999: 180), “em média, as pesqueiras do grupo A, tipo II, têm 24 m de comprimento, 2 m de largura e 5 de altura”. Tipo III – Assemelham-se à anterior, mas diferem pelo facto de terem, na extremidade (‘ponteira’) uns degraus, por onde descem os pescadores para lançamento da ‘cabaceira’. Dentro deste Tipo III, existe um subtipo III.a – diferencia-se da anterior por ter aberturas no corpo (‘caneiros secundários’) que servem de descarregadores de água, para assim aliviarem a pressão da corrente sobre a estrutura da pesqueira. Mas esses caneiros não são para armar o botirão, servem apenas de descarga. Quanto às pesqueiras de botirão ou ‘pesqueiras de caneiro’ (B), temos: Tipo I – São as pesqueiras que se compõem de vários piais (poios) (de 2 a 5) paralelos, separados por cerca de 1 m, avançando obliquamente para o rio, no sentido da corrente, na sua maioria de orientação retilínea, outras vezes em curva (mais raras), de forma retangular ou romboidal. Cada pial (corpo) tem, em média 4 a 5 metros de comprimento, 2 a 3 metros de largura e 4 a 6 metros de altura. Já na avaliação da totalidade das pesqueiras, elas têm, em média, 23 metros de comprimento, 2,8 de largura e 4,3 de altura (Leite 1999: 181). Entre os piais (corpos, ‘poios’) destas pesqueiras temos os ‘caneiros’, onde, na extremidade, na boca, assenta o ‘botirão’. Por isso se chamam pesqueiras de botirão. Tipo II – Este tipo de pesqueira é semelhante ao anterior, com a única diferença de lhe ser acrescentado o ‘rabo’ (que alguns chamam também de ‘cauda’). O ‘rabo’ prolonga a pesqueira para o interior do leito do rio, não se destinando a armar qualquer tipo de arte de pesca, mas a conduzir a água da corrente, ‘fechando’ mais o rio, tanto para conduzir o peixe para a boca do caneiro, como para formar um ‘remanso’ nas águas. Se o salmão não vê no ‘rabo’ da pesqueira qualquer obstáculo, pois supera-o facilmente, já a lampreia, confrontando-se com a corrente mais forte no final do ‘rabo’, tende a ir para as águas mais calmas do remanso e das margens, orientando-se, assim, para o caneiro. No nosso trabalho de terreno não encontramos um informador a confirmar uma narrativa de Antero Leite (1999: 181), sobre a possibilidade de a lampreia superar o ‘rabo’, a não ser quando a água ‘anda um pouco alta’. O autor transcreve o que lhe foi comunicado oralmente por um pescador de Melgaço: “A lampreia chega à cauda e emboga, ou seja, prende-se com a ventosa na pedra e com o rabo para cima, tantas vezes tenta que consegue dar a cambalhota e passa para o outro lado da cauda da pesqueira e vai embora”. As dimensões médias destas pesqueiras são: 60 m de comprimento; 2,8 m de largura; 3 m de altura. Subtipo II. a – Este subtipo não se refere somente à própria pesqueira, mas ao seu comprimento e à sua conjugação com outra pesqueira da margem galega. Ou seja, quando existem duas pesqueiras no mesmo troço do rio e estão lado a lado e, com o ‘rabo’ (cauda), confluem no centro do rio. O espaço entre os dois ‘rabos’ é pequeno, deixando passar por aí a água. O leito do rio fica quase fechado. Estas pesqueiras têm um grande impacto no curso da água do rio. Mas estamos na parte do rio encaixada no vale, de muita dificuldade de navegação, com pouca profundidade e muita pedra. De realçar, também, que havendo muito água no rio, quando grandes chuvadas acontecem ou quando a barragem liberta grande quantidade de água, estes ‘rabos’ de pesqueira ficam submersos. As dimensões médias destas pesqueiras (de 4 a 5 piais) são: 48,5 m de comprimento; 1,8 de largura; 2,8 m de altura (nos piais) (cf. Leite: 182). Subtipo II. b – São as pesqueiras que têm duplo ‘rabo’ (cauda). Citamos o levantamento de Leite (1999: 182): “Apenas encontramos duas: a ‘Malpaga’, em Alvaredo e a ‘Coule’ em Chaviães. Ambas têm 3 corpos, a primeira com as seguintes dimensões: 17m x3m x 3m e a segunda com 90m x 2,5m x 2,5m. Como diferença entre elas notamos que na ‘Malpaga’ as caudas partem de corpos dispostos paralelamente, enquanto na ‘Coule’ a cauda a seguir ao último corpo bifurca-se”. Tipo III – São como as anteriores, mas agora as pesqueiras de cada margem, portuguesa e galega, unem-se no meio do rio, ou seja, quando a cota da água é muita baixa, é impossível superá-las de barco. Quando a água está numa cota maior, formam autênticas cachoeiras. As dimensões médias (entre 5 e 6 corpos) são: 70 m de comprimento; 2,7 de largura; 5 m de altura. C) Pesqueiras mistas. Como o nome indica, podem ter tanto o uso de botirões, como da cabaceira. A nível arquitetónico apresentam a mesma arquitetura formal e construtiva das pesqueiras de botirão, com caneiros, mas não terminam em ‘rabo’ (cauda), permitindo na extremidade a fixação da cabaceira. Algumas apresentam também degraus. Normalmente (mas também as há perpendiculares), como não têm ‘rabo’ orientam-se obliquamente a jusante. As dimensões médias (com um ou dois piais) são: 44m de comprimento; 2,2 de largura; 5m de altura. A tipologia e a arquitetura das pesqueiras tem muito que ver com o local de implantação. Em primeiro lugar, é preciso dizer que há pesqueiras em diferentes cotas do rio, ou seja, há pesqueiras que não são praticáveis quando a cota do rio é alta e, por isso, há outras que têm os muros em cotas mais altas, na margem do rio. Nos tempos que correm, onde é raro o rio ter cotas tão altas, a não ser em inundações ou graves descargas das barragens, os muros das pesqueiras situados em cotas mais altas não são utilizados e estão praticamente destruídos. 2.3. Artes de pesca nas pesqueiras Toda a vida trabalhei com estas artes. Sei fazer o botirão e sei concertar as redes... tanto as do botirão como as da cabaceira. Já o meu pai fazia tudo. só comprava as redes. Conforme o peixe que queremos apanhar, temos de ter redes diferentes. Os da capitania estão sempre a ver se temos as redes certas. E tem de ser assim, se queremos ter peixe. Já não tenho muita boa idade para saltar entre os poios, mas isto não me sai do corpo nem da cabeça. E não tiro grande coisa disto... é mais para continuar este vício. Os de Caminha têm outras artes e outro proveito. Certamente quando não sabiam fazer as redes ou não tinham dinheiro para as comprar, as pessoas faziam doutra maneira. Mas se o rio tem peixe, temos de o apanhar. As pesqueiras ajudaram muito para chegarmos ao rio e para armarmos as redes. (António, pescador, 77 anos, Alvaredo, Melgaço). Em geral, no que se refere às artes de pesca no rio Minho, elas são comummente divididas entre artes de redes de emalhar (dispostas na água, no fundo das águas com um lastro e na superfície uma boia), artes de arrasto e artes fixas. Também se podem dividir no uso de redes, de anzóis ou de nassas (uma armadilha para captura de peixe, constituída por uma armação/cesto de verga – ou vergas de aço e rede – em forma de funil). Se no rio Minho são várias as artes de pesca, quando falamos das artes de pesca nas pesqueiras são duas as que se usam: o botirão e a cabaceira, que são artes de pesca fixa. A aplicação de uma e outra arte está sob legislação própria, decorrente do estabelecido na Comissão Permanente Internacional do Rio Minho no Capítulo X, Art. 55.º do Decreto-Lei nº 47 595 de 20 de Março 1967. Este Decreto-Lei fixa a legislação da pesca do rio Minho e, por isso, das pesqueiras. E aí se refere, quanto às artes de pesca, no Cap. II, Art. 11º: “6.º Botirão e cabaceira – , serem usadas exclusivamente nas pesqueiras. A malha molhada destas redes não poderá ter menos de 30 mm de lado”. Por sua vez, o Art. 29.º diz que “em cada pesqueira não poderá ser empregada mais de uma rede de cada espécie (botirão e cabaceira) e em caso algum poderão as redes ficar colocadas em local situado a mais de um terço do curso do rio, a partir da margem do respetivo país.” Aqui colocava-se a questão da existência das pesqueiras mistas. Mas havendo vários caneiros, só se podia colocar um botirão. Mas podia haver um botirão e uma cabaceira. A revisão de 1981 (Decreto-Lei n.º 316/81, de 27 de Outubro de 1981) altera este ponto, pois diz, no Cap. VI Art. 28.º: “Em cada caneiro ou boca da pesqueira só poderá utilizar-se uma rede (botirão ou cabaceira), e em caso algum poderá ficar colocada em local situado a mais de um terço do rio, contado a partir da margem do respectivo país.” Ou seja, poderia haver mais do que um botirão, desde que estivessem em bocas diferentes. Na alínea 11 deste artigo, define-se o que é o botirão: “11 – Botirão: Características – É uma arte de armação com armadilhas; a malha molhada desta rede não poderá ter menos de 30mm de lado. As dimensões, assim como os tipos e formas, são muito variáveis, dependendo da corrente e posição da pesqueira, assim como do tamanho das bocas. Formas de uso – Usa-se fixa exclusivamente nas bocas das pesqueiras para a pesca da lampreia, sável e salmão. Na alínea 12 do mesmo artigo, define-se o que é a cabaceira: “12 – Cabaceira: Características – É uma arte com armadilha, sem armação. Normalmente a armadilha é um botirão sem armação colocado no final da cabaceira. A malha molhada desta rede não poderá ter menos de 30 mm de lado. As dimensões, assim como os tipos, são muito variáveis, dependendo da corrente e da posição da pesqueira, bem como do tamanho das bocas. Forma de uso – Usa-se fixa, exclusivamente nas bocas das pesqueiras, para a pesca da lampreia, salmão e sável.” Posteriormente, para repor o sentido real, há uma correção por parte dos Editais da Capitania de Caminha, nos quais se diz que onde se lê ‘bocas’ da pesqueira, se deve ler ‘pontal’ da pesqueira. Por sua vez o tamanho da rede também vai ser alterado. Veja-se o Edital n.º 20 /2017, da Capitania de Caminha: III. PESQUEIRAS 1. Os botirões e cabaceiras empregues na pesca do sável, salmão, truta e savelha têm como malha mínima 120 mm de diagonal. 2. Os botirões e cabaceiras empregues na pesca da lampreia não podem ter malha inferior a 60 mm nem superior a 80 mm de diagonal. 3. É proibida a utilização de botirões e cabaceiras destinados à pesca da lampreia fabricados com fio de sediela.“ a. A arte do Botirão: O botirão é a arte que nós mais usamos aqui. Porque as nossas pesqueiras são de vários caneiros, colocamos lá o botirão. Hoje fazemos os botirões com armações de vergas de ferro, mas no passado eram de varas de madeira. Ele vai do arco da boca até ao arco rabicheiro, onde está o gancho. No interior está o buço, que é de malha mais estreita e onde fica a lampreia. Para a lampreia a malha é de 60 a 80 mm. Para o salmão ou Sável, é maior, 120mm. Tem de estar bem assente na soleira, para não se perder o peixe... e bem preso, pois as correntes são fortes. Um botirão mal colocado e defeituosos não pode apanhar grande peixe. Temos de os reparar se tem problemas. Tudo tem um nome no botirão e tudo é preciso para estar bem colocado na pesqueira. (Venâncio, pescador de 65 anos, Melgaço). O ‘botirão’ (ver PDF: “Artes da Pesca da Pesqueira”) é uma arte de pesca fixa, armada, que consta de duas redes de forma cónica. A primeira (exterior, ou ‘pano de fora’) envolve arcos em verga de ferro, que no passado seriam vergas de madeira (loureiro ou sabugueiro). Na entrada da rede, o primeiro arco (o maior) chama-se ‘boca’, ‘arco da boca’ ou ‘arco bocal’. Tem a forma de um U invertido, pois a base reta assenta na base (‘soleira’) da boca do caneiro. Este arco é o maior e mais forte. Agora tem um perfil de ferro mais robusto do que as vergas dos outros arcos redondos; no passado uma verga de madeira mais grossa, dobrada a fogo. Ao arco bocal seguem-se outros três, sucessivamente menores, sendo que o primeiro (segundo na ordem total) é o que estabelece a maior distância entre arcos, neste caso com o arco bocal, para afunilar a armadilha. Chamam-se estes três arcos, a partir da boca: ‘arco da sarnelha’; ‘arco do meio’; ‘arco rabicheiro’. A rede vai diminuindo em diâmetro, desde o ‘arco bocal’, fechando, depois do ‘arco rabicheiro’, com o ‘gancho’. A segunda rede, a interior, chamado ‘buço’, de forma cónica, é suportada pelo arco da boca, mas é de malha mais estreita. Ela parte de um aro com os fios presos ao ‘arco bocal’, estando a extremidade, aberta, presa ao ‘gancho’ por pequenas cordas. O peixe (o sável, salmão ou a lampreia, é atraído pela corrente que vem do caneiro, entra no ‘arco bocal’ do botirão para o ‘’buço’, e segue para a extremidade da rede interior, caindo, depois de passar os fiéis no espaço entre o buço e a rede exterior, onde fica preso. A malha da rede é diferente se o objetivo é pescar lampreia ou salmão. No primeiro caso temos uma malha de entre 60 a 80 mm, no segundo, para o salmão, é uma malha de 120mm. A armação desta arte de pesca, fixa, faz-se da seguinte forma: o ‘botirão’ é colocado na ‘boca’ da pesqueira/caneiro. O arco bocal é preso a um ‘marco’ em pedra existente no corpo superior da pesqueira, depois de ter passado, dando uma volta, por um varão de ferro (o ‘lapadoiro’). À outra extremidade, o ‘gancho’, é preso um arame (o ‘bidoeiro’) que vai fixar-se na retaguarda da pesqueira a um ferro recurvado (o ‘embibidouro’). O tamanho do botirão depende da espécie que se quer apanhar. No passado o do sável era maior do que o da lampreia, mas não se usa hoje. Tinha dois metros de altura na ‘boca’ e malha de rede maior. O botirão da lampreia tem cerca de 1 metro de altura. (Manuel Rodrigues, pescador de 72 anos, Melgaço). A capacidade de mobilidade do peixe e de superação de obstáculos determina o tamanho da boca. A dimensão do caneiro também pode obrigar a diferente tamanho do botirão. Os pescadores, vendo a altura da água e a sua força, sabem bem quais as pesqueiras que melhor dão para a ‘ceifa da lampreia’. Na altura certa sabem escolher e, quando lhes compete ter uma pesqueira que é ‘boa’, sabem que se naquele dia (noite) e naquelas condições não capturam nenhuma lampreia, então é porque muita coisa está mal, desde o não haver pouca lampreia naquele ano, ou terem alterado as correntes, com alguma mudança feita no rio, ou, então, o tempo estar muito mau para ela. Há pesqueiras que redam bem e outras que não redam tão bem. Como há as que são melhores para a lampreia e as que são melhores para o sável. Conforme estão as águas, nós escolhemos a melhor pesqueira que temos para redar. E há as que sempre redam bem. Mas há anos que nem essas redam como gostaríamos e então não podemos fazer nada. É ano mau! (Venâncio, pescador, 65 anos, Melgaço). Quando acompanhamos algum pescador na tarefa de ir ‘armar’ um botirão numa pesqueira, a primeira experiência que temos está muito ligada às condições climáticas. Se estiver a chover, o risco de cairmos da pesqueira é muito grande. Não só há desníveis e muita pedra inclinada, como, havendo tanta humidade, as pedras molhadas e cheias de lodo ou musgo, são muito escorregadias. Tenham cuidado. Estas pedras são manhosas e podem cair. Eu agora, com esta idade, se caio é um grande problema. Já não tenho idade para andar aqui, mas o bichinho... Mas a minha mulher gosta e vem comigo. Vejam bem onde põem os pés ao saltar os piais. Um salto mal dado e um pé numa zona com lodo é queda certa e podem cair ao rio. Primeiro olhem bem para onde saltam. Já vi muitos caírem. (José, Pescador, 72 anos, Melgaço). Saltar de um ‘poio’ para outro, exige destreza e confiança. Na maior parte das pesqueiras a distância entre eles não é muito grande, mas nunca se sabe se o pé que vai pousar na pedra, depois da propulsão de um lado para o outro, irá resvalar ou não. Não raras vezes vemos em pedras situadas nas extremidades dos poios uma espécie de rebaixamento, tipo uma gamela, para amparar o pé e diminuir o risco de escorregar. Andar por cima de um muro entre 2, 3 e até 4 metros, não totalmente plano e por vezes com fortes desníveis, a saltar entre piais, para aceder aos locais onde estão os caneiros ou ao pontal para a cabaceira, exige perícia e certa dose de coragem, principalmente, como é o caso, quando estamos com pescadores em idade avançada. O botirão arma-se de cima da pesqueira, junto do caneiro. Para uma boa armação há que ter em conta três princípios: É preciso saber ver a altura da água e como se vai comportar o rio. Às vezes mais vale não armar o botirão neste caneiro, pois sabemos que vai ficar sem água. Ou então armá-lo bem se sabemos que as águas vão subir. Temos de ver bem as correntes e segurar bem. Mas importante é saber pousar bem no fundo do caneiro e tapar a entrada com o botirão para a lampreia entrar (Pescador 72 anos, Melgaço). Assim, o ‘redador’ (aquele que maneja o ‘redeiro’), prende, de início, a corrente ao ‘arco bocal’ do botirão, para depois o deixar cair entre as paredes interiores do caneiro (as ‘emparelhas’), orientando, como é óbvio, a boca do botirão para jusante. A estabilização do botirão e localização definitiva, bem pousado na ladeira da boca da pesqueira, é feita com uma vara, que tem no extremo um ‘gancho’ de ferro incrustado, com forma de pega (ver PDF: Elementos da Pesqueira). Este artefacto tem vários nomes: ‘câmbio’ (em Messegães. Monção); ‘galho’ ou ‘fouce’ (em Melgaço); ‘croque’ (em Chaviães, Melgaço). Na Galiza chamam-no de ‘gancho’. Ele serve para colocarmos o botirão no fundo do caneiro. Trabalhamos o botirão assim (mostra como acondiciona o botirão no caneiro). É para não passar a lampreia. E também o usamos para tirar o botirão do caneiro, quando o levantamos para ver se tem lampreia. Não podemos ir lá baixo e é com isto que tiramos! (Pescador, 72 anos, Melgaço). Depois de bem colocado no fundo do caneiro, prende-se o botirão. Assim, a corrente que vem do ‘arco bocal’ passa pelo ‘lapadoiro’ (‘lapadouro’), onde dá uma volta, e prende-se no ‘marco’, em cima da pesqueira, circulando-o, sendo fechada com um cadeado. Servindo-se do ‘gancho’ (‘croque’, ‘galho’, ‘fouce’), engata-se (‘embida’) no gancho do ‘rabicheiro’ um arame preso ao ‘embibidouro’, para estender bem toda a armação do botirão. De manhã cedo ou ao fim da tarde, o pescador vem levantar o botirão e ver a sua pescaria. Vimos ao rio sempre com uma dor no fundo da barriga. Não sabemos o que vamos encontrar... se muita lampreia ou nenhuma! É o momento mais bonito... quando há lampreia e a vemos ali presa. Não são muitos dias, mas é triste vir dias seguidos e não encontrar nada! A primeira que aparece é uma alegria. Há anos em que parece que um dia mau traz outro dia mau... e, então, tem que haver um dia de lampreia para acabar com o feitiço. (Pescador 72 anos, Melgaço). Para desarmar o botirão, solta-o do arame, com a ajuda do ‘gancho’, içando depois pela corrente de ferro. Não é fácil içar as redes do botirão, conforme constatamos muitas vezes. Para azar nosso (e dos pescadores), nunca vimos mais do que três lampreias no botirão e foram muitas as vezes em que nada apareceu! O ano de 2018/2019 foi muito pobre em lampreia, nas pesqueiras do rio Minho. Mas quando a ‘ceifa’ era abundante, e a memória desses tempos nunca será esquecida (“tínhamos de carregar com o carro das vacas!”), retirar o botirão cheio de lampreia exigia o contributo de várias pessoas. E era grande o risco de cair ao rio, do alto das pesqueiras, quando se trabalhava junto a águas por vezes tumultuosas. São muitos os relatos de acidentes e até de mortes. Muita gente caiu no rio. Isto é um perigo e a idade não ajuda. Cheguei a vir ao rio à noite em dias com nevoeiro..., não se via nada. Conheço o rio e a pesqueira, mas nem sabia onde estava. É um perigo! Há quem diga que as bruxas gostam desse nevoeiro para levar os homens. Mas isso é treta!” (Pescador, 72 anos, Melgaço). Não é por acaso ser obrigatório, atualmente, o uso de coletes salva-vidas. O seu não uso é punível com multa pelas autoridades marítimas, sempre vigilantes. b. A arte da Cabaceira (“A rede de más bello lance” – Alonso 1989: 81): A cabaceira não é só uma arte de pesca, enquanto artefacto, mas é uma arte que exige do pescador um lance de mão hábil e certeiro. O nome de cabaceira vem de a rede (o pano) estar estendido entre pesos inferiores, no fundo do rio e boias ‘à tona da água’ que eram cabaças flutuantes. Agora essas cabaças foram substituídas por boias de polímeros, presas à ‘corda da boca’. Não é qualquer um que lance bem a rede. Se não for bem lançada, é melhor recolher e voltar a lançar. Há quem a lance de cima da pesqueira, outros no último degrau, junto à água (Pescador 68 anos, Monção) Também o pescador chama de ‘redeiros’ às cabaceiras. A pesca com a cabaceira faz-se a partir do pontal das pesqueiras de cabaceira ou mistas, por isso estas pesqueiras não têm rabo’ (‘cauda’). Utiliza-se uma rede com malha de 60 mm. A cabaceira tem cerca de 7 metros de comprimento, por 4 de altura. Há um ‘redeiro’ (cabaceira) para a lampreia e outro para o sável e salmão. O primeiro tem o ‘buço’ e o segundo não tem ‘buço’. É armada encostada ao pontal pelas ‘varandas’, e o testeiro vai rente à pesqueira. À frente tem a boia e a moleira, que é para fazer o contrapeso. (Venâncio, pescador, 65 anos, Melgaço). A cabaceira constitui-se em duas partes: uma fixa à pesqueira, o ‘pano’ (é de forma retangular e tem cerca de 5 metros de comprimento). Serve o ‘pano’ de obstáculo, obrigando o peixe a ir para a outra parte, sempre em movimento pela corrente do rio, que ‘é o ‘rabo’. Tem este uma forma troncocónica e apresenta uma ‘boca’, do lado da margem, por onde entra o peixe. Transposta a pequena abertura, o ‘buço’, o peixe fica preso no ‘falsete do saco’, feito numa malha mais apertada (ver PDF: “Artes da Pesca das Pesqueiras). Há hoje pouca confiança no resultado da pesca com a cabaceira, mesmo que as referências a ela sejam abundantes e até promissoras. Há pesqueiras de cabaceira na margem portuguesa, mas só a vimos ser lançada por pescadores de “As Neves”, na margem galega. Os pescadores referem que muitas das lampreias, depois de baterem no pano, recuam e não entram na boca. É mais difícil do que o botirão. Não só a lançar, mas também acontece que a lampreia bate muitas vezes no pano e não entra na rede. Mas há vezes em que se apanha muito peixe com a cabaceira. Acontece! (Pescador, 68 anos, Monção). Lançada ao rio, o pano da cabaceira é fixo, na sua parte superior, à pesqueira por uma corda (‘gomo da prisão’) e mantém-se esticado porque a essa corda do pano é esticada por contrapesos (pedras) colocados no fundo do rio. Temos, assim, uma primeira pedra o ‘coleiro’ (ou ‘poutadão’), em forma ovulada, de 20 a 40 cm e de peso entre os 10 e 30 kg, podendo haver algumas, raras, que superam este peso. Por exemplo, na pesqueira do ‘Escumeiro’ o ‘coleiro’ tinha 60 kg (cf, Leite 1999: 176). A pedra chamada de ‘coleiro’ está presa por uma pequena corda (‘gomo do coleiro’) à rede e a esta corda, por sua vez, prende-se uma corrente ou corda grossa para descer ou içar o ‘coleiro’. A outra pedra, denominada ‘moleira’, também de forma oval, com um tamanho entre os 10 e os 20 cm, e peso à volta dos 7 kg, fica na vertical da boia (cabaça), sendo presa à extremidade inferior da ‘corda da boca’. Tratando-se de pedras do rio, ovais e muito polidas, a segurança da fixação faz-se ou sulcando transversalmente a pedra, ou perfurando-a, passando pelo sulco ou pelo furo a corda. O que define a escolha de um ‘coleiro’ mais pesado ou leve é a força da corrente no leito do rio junto da cabaceira. Quando o rio anda alto e faz mais força na cabaceira, maior tem de ser a pedra do ‘coleiro’, para que a armação não fuja da parede da pesqueira. (Pescador 68 anos, Monção) Mas como uma pesqueira de cabaceira pesca mais quando o rio anda alto, normalmente o ‘coleiro’ é de assinalável peso. O lançamento da cabaceira ou se faz de cima do pontal da pesqueira ou de um coto de pesqueira, ou nos degraus que descem do pontal ao rio, ora escavados na rocha (‘bancos’), ora num sistema de degraus construídos em pedra aparelhada. Na parte superior do coto do penedo ou do corpo da pesqueira existem argolas chumbadas, onde se prendem as correntes ou que segura o ‘coleiro’ e o ‘gomo do pano’. Estas amarras aqui são para segurar o gomo do pano. Nas pesqueiras que não são cotos de penedo é mais fácil ter as coisas. Aqui é preciso ter cuidado para fixar bem as redes e elas ficarem bem no rio, para apanhar o peixe (Pescador, 68 anos, Monção). Não sendo uma arte nada fácil de armar, ela revela um conhecimento evidente do rio e das correntes. A sua instalação joga com a profundidade das águas, com a possibilidade da sua orientação manter a rede aberta (a boca em ‘forma de saia’ (Leite 1999: 176), fazendo com que o ‘rabo’ da cabaceira se mecha e atraia o peixe. E isso consegue-se na conjugação entre o caudal descendente e uma corrente ascendente (a ‘ravessa’), resultante no redemoinho formado por uma pesqueira orientada perpendicularmente ao leito do rio. Antes de lançar a cabaceira de cima do pontal da pesqueira ou do coto da pesqueira, fixa-se no ‘coleiro’, amarrada por uma corrente, e ao ‘pano da rede’ pelo ‘gomo inferior’. Depois prende-se a ‘moleira’ ao ‘rabo’. Desce-se o ‘coleiro’ e ‘pano de rede’, bem junto da parede da pesqueira, mas não distante de mais de três dedos. (Pescador 72 anos, Bela, Moção). Segue-se o famoso ‘lanço’, quando o pescador segura a parte final da rede (o ‘rabo’), e a ‘moleira com as duas mãos, e atira-as para o alto, e distante da pesqueira, de forma que ela se abra, suspensa no ar, e caia nas águas de forma a que a corrente arraste a rede e a cabaça até a ‘moleira’ assentar no fundo do rio. Fica, assim, a cabaceira estendida na água, entre as boias e a ‘moleira’. Não pode ocupar mais de 1/3 da largura do rio, conforme as regras, mas estende-se entre 5 e seis metros. Termina-se a armação da cabaceira prendendo o ‘gomo superior’ do pano da rede a uma corrente (ou corda grossa) e passa-se essa corrente (ou corda) por duas argolas chumbadas na pedra. Outras vezes usam-se ferros que são seguros na ponta da pesqueira a barras de ferro cravadas (ou aos próprios ‘gatos’ que seguram as pedras). Fecha-se a corrente ao ferro com um cadeado. No passado não raras vezes se roubavam as artes de pesca e os peixes, obrigando os pescadores a ficarem toda a noite junto das pesqueiras. Hoje não é tanto assim, mas no passado roubava-se muito. Nós até sabíamos ou tínhamos uma ideia de quem seria o ladrão. E não era só roubar o peixe... o problema é que davam cabo de tudo. Havia noites que tínhamos de ficar aqui junto das pesqueiras para não sermos roubados. (Pescador, 68 anos, Monção). Em cima de algumas pesqueiras ou na margem do rio existiam cabanas construídas em materiais vegetais ou choças, onde os pescadores se resguardavam do frio e da chuva. Atualmente é comum existirem próximas das pesqueiras algumas construções rudimentares onde se guardam as artes de pesca. 2.4. Sistemas de uso, propriedade e de partilha das pesqueiras As pesqueiras são redadas da seguinte maneira: do nascer ao pôr do sol. Mas este ano fixou-se um horário para ir às pesqueiras, sobretudo na abertura e no fecho da redagem da pesqueira: começamos no dia 15 [fevereiro] às 8 horas da manhã, e terminamos no dia 16 de Maio, às 8h da manhã. Isto em relação à lampreia. No sável entramos no dia 1 de abril às 8h da manhã e terminamos no dia 1 de junho às 8h da manhã. É claro que, no geral, há pesqueiras boas e pesqueiras más. E os que vamos às pesqueiras, nem todos temos as mesmas partes. Eu, por exemplo, numa pesqueira posso ter 2, 3, ou 4 dias por semana, enquanto um outro indivíduo só tem um dia. E até nesse dia também pode ter uma divisão. Pode nesse dia só lhe tocar de 4 lampreias, uma; ou de oito, uma. Mas isso vem desde há muito tempo. A pesqueira era de dois donos, depois apareceram os filhos, os netos, os bisnetos... sucessivamente e agora há muita divisão! (Venâncio, pescador, 65 anos, Melgaço). A posse das pesqueiras tem um longo historial, como veremos na análise que fazemos à história desta arte de pesca no rio Minho. Desde a pertença na Idade Média a grandes senhores feudais, a mosteiros e a prelados diocesanos, aos quais os que as exploravam pagavam foros (e impostos também ao rei), passando pelo fim do Antigo Regime, com a amortização destes foros e passagem da posse para os que as exploravam, até ao presente, os herdeiros desses proprietários e outros compradores de pesqueiras, de partes de herança ou de direitos de pesca, ter uma pesqueira tem, económico e socialmente, diferentes significados. Se no princípio, para as construir, os custos das obras e manutenção exigiam grande capacidade financeira, que só os privilegiados do regime senhorial podiam ter, o mesmo não se passa com os que agora as exploram. Essa capacidade financeira para construir pesqueiras, e os direitos que tinham sobre os proventos do rio, evidenciavam um estatuto social e poder efetivo. Ser dono de uma pesqueira (ou de muitas pesqueiras) era afirmar um poder económico e social, ao mesmo tempo que garantia o proveito do peixe aí pescado. Este aspeto era importante para a sociedade medieval por duas razões: ter uma fonte de proteínas e de alimentação, quando isso não estava garantido a todas as pessoas; ter peixe na dieta alimentar, onde os dias proibidos de ingestão de carne eram muitos durante o ano, seguindo os preceitos religiosos de abstinência de carne. O simples facto de as espécies de peixe como o sável, o salmão e também a lampreia, que não sendo peixe (ciclóstomo), não é considerada carne, subirem o rio em grande parte do período do tempo litúrgico da Quaresma, mostra a relevância de ter as pesqueiras. A pesca nas pesqueiras do rio Minho é exclusivamente praticada por homens, que eram, no passado, quase sempre acompanhados pelos filhos mais novos, mas já capazes de ajudar. A maior parte dos nossos informantes salientam a recordação da primeira experiência da ida ao rio, para junto das pesqueiras, com seus pais. Por se tratar de uma arte de pesca realizada na maior parte das vezes durante a madrugada, ainda noite, no trabalho de levantamento do botirão ou da cabaceira, esta tarefa estava fora do âmbito de trabalho das mulheres. A sociedade minhota e galega não aceitava tarefas noturnas para mulheres, quando elas eram realizadas fora do espaço da casa e seus anexos. De noite, no feminino, só era possível viagens às feiticeiras, como testemunham um número significativo de lendas (Campelo, 2002b; 2002c). Às mulheres cabia a missão de tratar as lampreias pescadas, nomeadamente na sua preparação e no fumeiro, assim como na prática culinária, bem conforme às regras de género estabelecidas na sociedade patriarcal. Na atualidade já é possível ver mulheres a acompanharem maridos na ida ao rio para recolha das lampreias nas pesqueiras. A diminuição dos pescadores e o avanço na idade dos mesmos, obriga a todos os cuidados, sendo a presença de alguém próximo, neste caso, familiares do género feminino, uma forma de atenuar os riscos da aproximação a um rio perigoso, onde quase todos os anos se assiste a acidentes e até mortes. A relativa perda de importância dada à abstinência e as consequências relacionadas com a quantidade e sustentabilidade das espécies presentes no rio, na atualidade, fez com que diminuísse também a importância das pesqueiras, para além de que há outras fontes de recurso para se ter peixe em casa. Ao mesmo tempo, os lavradores / pescadores que complementavam os ganhos do campo com os ‘frutos’ da ‘ceifa’ do rio, diminuíram, acompanhando as alterações demográficas, sociais e económicas verificadas com o lento definhamento do mundo rural tradicional. Na nossa casa a abundância de peixe que tirávamos do rio era uma bênção! Não passávamos fome e ainda dávamos peixe a vizinhos e pessoa da família. Havia muita fome no passado. Ter pão já era uma fortuna... agora ter também peixe em abundância... era uma grande sorte. Os meus avós nunca deixavam de cuidar das pesqueiras e havia até zangas na família na herança. Aquilo matava muita fome e trazia algum dinheiro com as lampreias que se vendiam. Agora já não há tanta fome e não há tanta necessidade, mesmo que as lampreias, em alguns anos, sejam caras. Os mais novos não se interessam e os velhos já não podem. (Pescador, 68 anos, Bela, Monção). De tudo isto resultam duas consequências: i. muitas pesqueiras foram abandonadas, umas porque a destruição é assinalável e os necessários recursos para as reconstruir não existem (e, para além disso, a legislação não permite reconstruir e ativar as pesqueiras abandonadas); outras porque os seus herdeiros deixaram de ter interesse nelas e daí o abandono e destruição. ii. as pesqueiras que se mantiveram, e que podemos considerar as melhores (menos destruídas e que mais pescam), começaram a ser divididas por muitos herdeiros e outras pessoas interessadas, que não são propriamente pescadores / lavradores. Desta situação decorreu o aumento do fracionamento da posse das pesqueiras a partir da primeira metade do século XX, que já existia nos séculos anteriores, pois desde o século XI que temos documentos a falar em ‘quinõoes’ de pesqueiras. E se o interesse de quem pesca é aumentar o proveito e rendimento da pesqueira de que é dono, sozinho ou junto com outros detentores (os consortes), a gestão do uso da pesqueira no último caso (o dos consortes) adquire máxima importância. Quando a maior parte das pesqueiras eram da posse de um único dono ou da ‘casa de um lavrador’, a família geria o uso sem preocupação com os melhores ou piores dias; ou se num dia a cota da água andava mais baixa ou mais alta, ou impossível de redar, por esta ou aquela razão. Agora, a cada consorte cabe um determinado número de dias de pesca, conforme o seu quinhão. O ter-se passado, na maior parte das pesqueiras, de uma propriedade individual (que podia ser coletiva, quando o dono era uma instituição) a uma propriedade de consortes, por quinhões, alterou a relação de cada consorte com os dias de pesca e do conjunto deles com a conservação e gestão da pesqueira. Esta alteração obrigou a que cada consorte tente maximizar a pesca no dia que lhe está atribuído, mesmo que as condições de pesca não sejam as ideais (condições atmosféricas e caudal do rio). Para exemplificar o fracionamento das pesqueiras por quinhões, entre consortes, vejamos a análise feita por Antero Leite nos Arquivos da Capitania de Caminha, no ano de 1995 (Leite 1999: 187-189). Divide o autor o rio em dois sectores que, pela prevalência ou ausência da arte de cabaceira, em relação ao botirão e a pesqueiras com vários caneiros, se distinguem claramente. Se no primeiro sector temos várias pesqueiras de cabaceira, onde acontece haver em algumas delas um só dono ou poucos consortes, a divisão dos 136 dias permitidos de pesca faz-se com mais dias de acesso ao rio. Já acontece o contrário a montante da freguesia de Mazedo, onde as pesqueiras são quase exclusivamente pesqueiras de botirão, e algumas com vários caneiros, o que permite dividir o direito de colocar um botirão em cada caneiro. Isso aumenta o número de consortes e fraciona ainda mais o número de consortes que têm direito de acesso à pesqueira. Tal é a divisão da pesca, que já não se divide apenas por dias, mas chega a ser dividido o acesso em dias e horas. Dada a relativa complexidade da posse por quinhões entre consortes, e nem sempre iguais os valores desses quinhões, foi necessário aos consortes fazerem acordos para gerir o acesso aos dias de pesca nos meses de ‘ceifa’. Estes dias correspondem a uma parte pequena do ano (136 dias) e é nessa parte do ano que todos investem o seu esforço para maximizar o êxito das pescarias. Assim se criou entre o ‘rol dos herdeiros’, as ‘escalas de redagem’ (ver PDF: “Escalas de Redagem”) Todos os que redam sabem muito bem quando é o seu dia e hora de pesca. Seja nesta ou naquela pesqueira. Numa temos um quinhão maior e noutra um menor. Ou então redamos num dia que era de uma pessoa que já não reda, mas que nos deu autorização para redar. (Pescador, 68 anos, Monção). Na Capitania está assente esta divisão e, para gerir e representar a pesqueira junto das autoridades, está o respetivo ‘patrão de pesqueira’, que é normalmente o que tem maior quinhão, mas não necessariamente, pois pode ser outro, por acordo entre os consortes ou usuários da pesqueira. Muitas vezes o que faz uso da pesqueira não é o dono da pesqueira ou quinhão. No passado aconteciam duas situações: ou o dono contratava um pescador para ‘redar’ a sua pesqueira, dividindo entre si o que se pescava (e aí o número real do peixe pescado pode não corresponder ao comunicado ao dono, o que criava suspeição e levava a que muitos proprietários preferissem outro tipo de negócio); ou arrendava a pesqueira ou quinhão, sendo definido uma valor fixo ou variável. E aqui duas situações podiam criar atritos, conforme o ‘valor’ de redagem da pesqueira arrendada. As mais produtivas eram procuradas e podiam atingir valores fixos de renda muito altos. Mas em anos de pouco peixe, o que foi sendo cada vez mais frequente, o risco do arrendatário era alto. Daí a preferência pela partilha do pescado a meias, mas com o mesmo risco do contrato de pescador, pois dificilmente a realidade da pesca correspondia ao número comunicado. Na atualidade começa a assistir-se a situações diferentes, pois há pessoas que cedem o uso da pesqueira por amizade ou familiaridade, dado não terem uma relação de proveito económico muito evidente e até desconhecerem o real valor e capacidade de produção da pesqueira ou quinhão de pesqueira que herdaram e possuem. Trata-se aqui de pessoas que não querem vender o seu quinhão nem querem perder o direito de pesca, cedendo-o a alguém de confiança. Estas pessoas não estabelecem uma taxa de renda, sabendo que o usuário da sua pesqueira ou quinhão o irá compensar com peixe pescado, na época dele. Estamos mais perante uma relação de reciprocidade efetiva e a manifestação de interesses que ultrapassam o próprio uso da pesqueira. Na atualidade, depois de todas esta evolução do papel e importância das pesqueiras para a comunidade ribeirinha do rio Minho, assim como das profundas alterações demográficas, decorridas da evolução económica e das mudanças sociais observadas, principalmente ao longo do século XX, com a emigração, e o crescente envelhecimento da população, facto ainda em curso na segunda década do século XXI, o número de pescadores a usarem as pesqueiras, pelas quase 200 pesqueiras ativas, aproxima-se do número das cinco dezenas, pois cada um deles usa diferentes pesqueiras, umas herdadas, outras arrendadas ou simplesmente cedidas pelos seus proprietários, que já não as usam. Ao longo do curso do rio onde estão licenciadas as pesqueiras, há diferente número de pescadores. No curso superior, já próximo da fronteira, na parte final do concelho de Melgaço, muitas são as pesqueiras às quais concorrem unicamente um único pescador, tal é o risco de abandono desta atividade. No passado, até meados do século XX, eram milhares os pescadores, dado haver para cada uma das cerca de 600 pesqueiras ativas um número de proprietários que se aproximava da dezena, dividindo entre si os quinhões de pesca. Os praticantes da pesca nas pesqueiras do rio Minho são pessoas residentes nas freguesias ribeirinhas ao rio. No passado eram apenas os proprietários e rendeiros das pesqueiras; na atualidade, acrescenta a estes, mesmo sendo menos os praticantes, pessoas que utilizam pesqueiras que não são da sua propriedade nem sobre as quais pagam rendas, mas as usam com o conhecimento e autorização dos respetivos proprietários. Apesar da proximidade, familiaridade (até casamentos existem) e camaradagem entre os pesqueiros das duas margens (portugueses e galegos), não conhecemos casos de pessoas portuguesas com propriedade e uso de pesqueiras espanholas. O mesmo se diga em relação aos galegos. Tivemos contato com uma família mista (homem português com esposa oriunda da Galiza), residente no concelho de Monção, mas que só tinha pesqueiras na margem portuguesa. Embarcações Para aceder às pesqueiras, em certos locais, os pescadores precisam de barcos. No tramo do rio onde estão as pesqueiras é usada a batela. No rio Minho há uma grande variedade tipológica de embarcações pelo facto de o seu leito ter diferentes configurações morfológicas e diferentes usos. Se nos tramos iniciais e médios prevalecem embarcações pequenas e pouco evoluídas, na fase final temos o carocho e barcaças mais sofisticadas. No passado chegou a haver barcaças e vapores entre Caminha e Valença, quando os portos de Valença e Tui eram muito ativos. No porto de Caminha entraram navios, bem como as naus e baixeis da Idade Média. Há, assim, uma longa história de navegação e da presença de grandes embarcações no rio Minho. A história e a arqueologia mostram como a primeira navegação se fez em cursos fluviais, onde estavam disponíveis árvores de algum porte, cujos troncos eram trabalhados para transportar o navegante. Há provas da presença destes troncos escavados no rio lima (na área de Lanheses/Passagem/Geraz do Lima), onde, em 2003 e 2004 foram descobertas duas pirogas monóxilas (Alves & Rieth 2007), datadas dos séculos 4º e 2º a.C.. Estas pirogas têm a numeração 4 e 5, pois já haviam sido recuperadas no Lima três embarcações do mesmo tipo, datadas da época medieval (Alves 1986). A análise detalhada às pirogas (Alves & Rieth 2007: 28) mostra como elas se inserem na tradição de construção naval, típica da época clássica mediterrânica, na carpintaria naval indígena. A proximidade do rio Lima ao rio Minho permite-nos inferir a existência de embarcações semelhantes, com as mesmas técnicas: Francisco Alves (1986: 212) mostra um mapa de distribuição dos achados e das notícias relativas a pirogas monóxilas na Península Ibérica, onde se pode ver uma referência (a nº 5) ao rio Minho (entre Peares e Arbo). Anteriormente a estas descobertas, de construção monóxila na região, só se conhecia na Galiza o barco de dornas, a embarcação tradicional do rio Minho, a montante do rio Sil, que vieram a desaparecer lentamente no século XX. O barco de dornas galego tem nestas embarcações primitivas a sua origem. Posteriormente vieram os cascos de tábuas sobrepostas (como o carocho do rio Minho) e, finalmente, os barcos. Quando olhamos para as embarcações do rio Minho, uma das características mais evidentes é o fundo plano. Este fundo não tem quilha e pode ser mais ou menos arqueado. Não estava em questão a velocidade, nem a beleza, mas a funcionalidade testada no rio e a aproximação fácil às margens. Serviam para a pesca, para tirar areia, ou para estarem nos pontos de passagem do rio (ponte de barcas – barca de passo). Se eram para pescar tinham de ter local no fundo para acomodar o peixe; no caso de serem para o transporte de pessoas, havia de ter bancos e estruturas para manter os pés dos viajantes secos; se eram para transporte de animais ou carros de bois tinham de ter a dimensão adequada, os meios de acesso facilitados, e a estrutura forte para suportar o peso e a movimentação da carga (Gallego Domínguez 1999). Na área do nosso estudo, não existem algumas das embarcações presentes nos afluentes e no curso superior do rio Minho, como o “Batuxo”; ou na sua foz, como o célebre “Carocho”, mais conhecido como ‘barco do rio Minho’. A “Lancha” ou “barca”, é já uma embarcação de desenho e construção mais elaborados (Morling 1989; Costa 2000; Vasquez 2005a, 2005b). É talvez a mais popular entre os pescadores no rio Minho. Movida a remos e de proa bem delineada e convergente, tem uma ótima capacidade de navegação e de velocidade. O “Barco de Dornas” (Alonso Romero 1991) era uma das tipologias mais presente nos rios da Galiza e assim também no rio Minho até Tui. Apresenta uma plataforma em madeira sustentada dos dois lados por flutuadores, que podiam ser apenas dois troncos ou duas canoas. A embarcação denominada “Gamela” está bem representada no rio Minho, principalmente na zona do seu estuário. Tem o fundo plano e uma proa e popa cortadas em painéis. No tramo por nós estudado para as pesqueiras, viam-se algumas barcas inutilizadas nas margens do rio. Sinal de que eram frequentes e de que o desuso as tem relegado para o esquecimento. Em Monção seguimos numa barca para recolher uma rede de cabaceira de um coto pesqueiro. A embarcação mais usada para ir às pesqueiras é a “batela”, uma barca pequena do rio Minho (ver PDF: Barcos do rio Minho). As barcas vistas no troço do rio onde existem as pesqueiras licenciadas estavam mais em desuso do que em uso. Tratando-se de uma pesca essencialmente realizada em cima das pesqueiras, o recurso à barca é somente feito em cursos do rio mais largo e profundo, para recolher as artes da pesca da cabaceira, como verificamos e registamos no trabalho de terreno. Nenhum dos pescadores da arte de pesca nas pesqueiras trabalha e constrói as barcas. 2.5. Relações sociais, divisão das pesqueiras, mundo simbólico e interpretação da natureza pelos pescadores das pesqueiras A dimensão mais evidente do património cultural imaterial aqui tratado está na complexidade da relação dos pescadores / redadores das pesqueiras entre si, com as autoridades, a vizinhança, e o espaço onde se inserem as pesqueiras, no troço do rio Minho internacional, bem como no uso das artes de pesca e na variada nomenclatura que as referencia. Ter uma pesqueira ou pescar dentro de um grupo de consortes, conhecer entre as ‘boas’ pesqueiras e aquelas que não são tão boas, pelo menos em certos dias e para certas espécies, porque há pesqueiras que são melhores para o sável e outras para a lampreia, é todo um conhecimento adquirido ao longo do tempo, com a experiência de pesca. E se há partes (quinhões) que têm de ser geridas e aproveitadas conforme a divisão acordada, o seu uso e a qualidade da ‘ceifa’ dependem do caudal e das condições do dia e hora em que está atribuído ao respetivo consorte. Olhe, há dias em que nem vale a pena ir ao rio! Ainda ontem era o meu dia de pesca na pesqueira e quando vi como ia a água no rio, voltei para casa. A pesqueira estava completamente tapada pela água. Choveu muito e os da Frieira abriram tudo. Perdi o dia (Pescador, 57 anos, Arbo). Em alguns dias nem vale a pena ir à pesca, pois ou não tem água ou tem demasiada água, ou o tempo está tão frio que a lampreia se esconde. A lampreia não gosta da água muito fria. Vai para o fundo e protege-se. Quando há geada eu já sei que não apanho lampreia. Não gosta! Fica ali... agarra-se a uma pedra do fundo e não sobe o rio. É tempo perdido! (Pescador, 76 anos, Melgaço). Mas todos sabem, para além das datas e horas que lhes estão atribuídas nas pesqueiras, as datas que a autoridade determina para o início e fim da época de pesca, conforme seja a lampreia ou o sável: As pesqueiras são redadas da seguinte maneira: do nascer ao pôr do sol. Mas este ano [2019] fixou-se um horário para ir às pesqueiras, sobretudo na abertura e no fecho da redagem da pesqueira: começamos no dia 15 [fevereiro] às 8 horas da manhã, e terminamos no dia 16 de maio às 8h da manhã. Isto em relação à lampreia. No sável entramos no dia 1 de abril às 8h da manhã, e terminamos no dia 1 de junho às 8h da manhã. (Venâncio, Pescador, 65 anos, Melgaço). Trata-se do período áureo das pesqueiras, ou seja, aquele em que são efetivamente usadas para a pesca. Estes homens classificam-se como pescadores da ‘pesca de sobrevivência’, por oposição aos pescadores ‘profissionais’ a jusante das pesqueiras. Se desde a foz do rio Minho até à zona das pesqueiras a safra inicia-se mais cedo (em Janeiro), todos eles vivem com ansiedade, e certa a angústia, a chegada do 15 de fevereiro. Enquanto preparam as artes de pesca para o dia de abertura, vão-se informando da qualidade do ano, ou seja, se há ou não muita lampreia a subir o rio. O medo de que ela não suba em quantidade suficiente, porque há pouca ou porque os pescadores profissionais não lhe dão descanso – por isso chegam a sugerir haver mais tempo de defeso, durante o período de pesca, na zona do estuário, para permitir a subida de um maior número de peixe até às pesqueiras – , vai ocupando os dias que antecedem a abertura do ano de pesca nas pesqueiras. E se o ano é muito mau, maior é a convicção desta necessidade. Era do interesse de todos. Se as lampreias não sobem o rio até aos locais de desova, ela não se reproduz e, depois, também não há lampreia à entrada do rio. Devia haver alguns dias, durante os meses de janeiro, fevereiro e Março, em que os pescadores paravam de pescar com as redes, entre Caminha e Valença, de forma que o peixe, nesses dias, não tivesse qualquer impedimento e subisse o rio. Primeiro, porque havia mais lampreias a subir e a desovar; segundo, porque o preço da lampreia subia, se não as apanhassem logo em grande quantidade na entrada do rio. Era do interesse de todos! Mas não há meio de se chegar a acordo sobre isto.(Venâncio, Pescador, 65 anos, Melgaço). A maior preocupação dos homens das pesqueiras é a alteração brusca e sem qualquer aviso do caudal do rio Minho, provocada pelas descargas ou retenção das águas na barragem da Frieira. Nas descargas, ficam, por vezes, em situação de risco no meio do rio, dado o aumento rápido da cota do leito. Nestes casos só o socorro de um barco ou corda permite salvar o pescador distraído. Com as descargas e o aumento do caudal também se perdem artes de pesca, levadas pelas correntes impetuosas, ou a pesqueira fica inacessível e sem possibilidade de ser redada ou armada, ou ainda de recolher as redes e armadilhas anteriormente montadas. Já com a retenção das águas, não permitindo a manutenção estável do caudal, as pesqueiras ficam ‘secas’ e os locais de desova do peixe ficam expostos e destruídos. Acho que nunca poderia haver um declínio tão grande do nível do caudal. [....] Há dias que não corre água nenhuma. É muito triste não ver a água e com tão má qualidade. Mas o rio tem dias que sobe três a quatro metros! Vai tudo à frente. Estas coisas são más! (António, Pescador, 57 anos, Arbo) A grande questão é a diferença dos caudais no rio. Isto porque a diferença dos caudais está conforme às necessidades das empresas hidráulicas... não com as necessidades do próprio rio. Na altura principal das desovas, que é ali pelo mês de maio/junho, acontece que no leito do rio, com as descidas acentuadas e as subidas acentuadas, a maior parte das desovas morre nas margens do rio. É por isso que vemos no rio corvos-marinhos e gaivotas, que são aves que alimentam com o que existe nas margens do rio. (Pescador, 72 anos, Melgaço). Trata-se de problemas constantemente referidos pelos pescadores das pesqueiras, e são de difícil resolução. Estes homens sentem-se perdidos entre tantas autoridades administrativas, quase sempre distantes. Sabem muito bem do papel da Comissão Permanente Internacional do Rio Minho na gestão das pescas do rio Minho. Uma organização de proximidade, partilhada entre os vizinhos, Portugal e Espanha, já deu provas de ser eficaz na legislação partilhada, tendo, depois, eficácia na gestão da Capitania de Caminha e da Comandancia de Tui. Mas não resolve parte dos problemas das margens do rio, dado em Portugal isso ser da competência da Agência do Ambiente, muito distante para estes pescadores. O mesmo se diga em relação às cotas e qualidade das águas, dependentes das decisões das hidroelétricas, perante as quais os pescadores têm um discurso de desconfiança, devido aos interesses divergentes e com quem têm pouca possibilidade de diálogo. Não estranha, portanto, o seu apelo à existência de autoridades mais próximas (como tem sido recentemente a atitude das capitanias marítimas) para a resolução de problemas que os afligem no quotidiano: Aqui quem tinha que resolver os problemas eram os concelhos e não o governo. Desde Tui para cima, até a Arbo. Eles deviam exigir aos grandes, do governo, que não deitassem ao rio os lixos e as descargas químicas. Proibir o que não deixava passar o peixe. E a Fenosa que nos deixasse passar um caudal de água mínimo para que os ‘pescos’ [pesqueiras] pudessem trabalhar as 24 horas. Normalmente temos um ‘subidão’ de três metros... e ‘baixão’ de três metros! (Manuel, Pescador, 74 anos, Arbo). Constata-se serem os mesmos problemas a afetarem os pescadores de ambos os países. E, tendo em conta a consciência que deles todos têm, reivindicam serem ouvidos pelas autoridades locais. A concordância entre pescadores portugueses e galegos justifica-se por estarem a falar do mesmo rio Minho, onde pescam da mesma forma e com as mesmas expectativas. Mas a expressão dos mesmos sentimentos e a partilha da vivência do rio decorre de uma longa e forte relação social entre as duas comunidades, portuguesa e galega. Uma relação de séculos, entre comunidades de uma das mais antigas fronteiras entre Portugal e Espanha. Foi uma fronteira sempre permeável e dialogante (entre pessoas, culturas e línguas próximas), se bem que isso não signifique que tenha sido sempre pacífica, como o demonstram as fortalezas de ambas as margens (cf. Garcia & Puente Lozano, 2015). Não estranha, portanto, o ter sido este o troço sobre o qual se fizeram os primeiros acordos transfronteiriços: El tramo fronterizo definido por el rio Minõ fue el primer sector de la raya en ser recorrido y examinado por las Comisiones Mixtas preparatorias del Tratado de 1864, de manera que sirvió, en buena medida, como laboratorio para la puesta en práctica sobre el terreno de dichas comisiones. En segundo lugar, y pese a la antiguedad histórica y el carácter eminentemente natural del mismo, la definición de los lìmites en este tramo fue motivo de una de las principales controversias territoriales suscitadas en el proceso de delimitación de la raya hispano-portuguesa, tanto antes como después del Tratado de 1864. En tercer lugar, aunque en estrecha relación con lo anterior, las tareas de delimitación y demarcación de la li´nea fronteriza del Minõ movilizaron y a la vez produjeron una copiosa documentación geográfica y cartográfica cuyo interés resulta, por diferentes motivos, excepcional: de un lado porque dicha documentacio´n ofrece la primera representación geogréfica y cartogréfica moderna, científica, de este sector de la frontera; de otro, porque dichas representaciones no sólo fueron un objeto de disputa e instrumentalización para apoyar los argumentos y reivindicaciones de cada país respecto de las cuestiones territoriales pendientes, sino que también fueron fruto de una intensa cooperación científica por parte de ambos países. (Garcia Alvarez & Puente Lozano 2015: 5). Uma fronteira feita por um rio, que no passado seria navegável até à Lapela, sempre ponteado por um sistema de barcas dispostas ao longo do seu curso para o cruzar, seja para ir a Santiago de Compostela, seja para transpor mercadorias, animais, vizinhos. Esta foi sempre uma fronteira viva de romeiros, comerciantes e parentes. Desde a Idade Média que as barcas de passagem estavam sujeitas a taxas e impostos locais. Desde época medieval, y hasta fines del Antiguo Régimen, la mayoría de estas barcas eran propiedad de la Iglesia y algunas de los concejos, los cuales arrendaban su usufructo a particulares. El mapa del partido de Tui elaborado por Juan Quintana en 1807, complementario probablemente del Reglamento de la Frontera de Portugal aprobado el 26 de agosto de ese mismo anõ por el Capitán General de Galicia, Francisco Taranco, representa la localización no sólo de las aduanas y contrarregistros sobre las cuales se articulaba la organización territorial fiscal y policial de la frontera, sino también la de las cerca de treinta barcas (incluyendo algunas “dornas” o pequenãs embarcaciones de pesca) que en aquel momento operaban legalmente para el pasaje de personas y mercancías entre las dos orillas del Minõ. Junto a ellas, existía también un importante tráfico con barcas que operaban o traficaban ilegalmente, ejerciendo el contrabando (de diversos productos, en especial sal, paãos y tabaco), un fenõmeno típico de la frontera y documentado desde épocas muy antiguas. (Garcia Alvarez & Puente Lozano 2015: 12). Acabado o Antigo Regime essas relações de poder foram alteradas e os Estados assumiram os direitos de fronteira. Na atualidade as relações são cada vez mais próximas, tanto a nível social, cultural, como económico e até administrativo, com as cidades e comunidades transfronteiriças, como o mandatário desta candidatura é exemplo particular. Já não há necessidade de barcas de passagem, pois multiplicaram-se as pontes e vias de acesso entre os dois países. Então, uma das primeiras evidências desta relação é o sentimento de pertença e herança comum, mesmo que as duas margens estejam separadas, há quase nove séculos, entre países diferentes. Existe um sentimento de irmandade, partilhada no rio. No passado, quando o número de pescadores era maior, encontravam-se junto ao rio, às mesmas horas e por isso havia oportunidade de uma maior convivência. Mas atualmente isso ainda acontece e as amizades ainda se mantêm. O rio é o espaço de conhecimento mútuo e interajuda. Várias são as estórias de encontros e de sucessos (muitos casamentos), e até de naufrágios e ajudas. Uma relação com muita tradição. E isso já se verificava desde o tempo do contrabando. Os nossos familiares já se conheciam em ambas as partes do rio. Não estranha termos encontrado famílias cujos membros do casal eram compostos por pessoas dos dois lados da fronteira, sendo que era mais comum o homem casar na Galiza, do que a rapariga casar com rapaz galego, o que também acontecia. [....] A relação permanece entre os mais antigos e entre aqueles cujas famílias já tinham laços, desde o tempo do contrabando. (Padre Américo, Pescador, 74 anos, Monção). No processo histórico das pesqueiras não podemos esquecer, então, o que tem acontecido com a criação desta autoridade internacional relacionada com a gestão do rio Minho, rio internacional que serve de fronteira entre o Norte de Portugal e a Galiza. O Decreto-Lei, nº 47 595, de 20 de Março, 1967, escrito em português e castelhano, fornece-nos a legislação sobre o Convénio Portugal/Espanha para a bacia do rio Minho. É este convénio que vai determinar toda a postura legislativa sobre as pescas e as posturas de uso do rio. À primeira vista apresenta-se como um feito diplomático e uma autoridade incontornável por parte dos pescadores. Na atualidade ele ajuda a uma melhor articulação da gestão da pesca e do uso do rio. Por outro lado, os pescadores locais têm um interlocutor próximo, junto das capitanias de Caminha (do lado Português) e de Vigo (do lado Espanhol), onde podem colocar os seus problemas e anseios. Isto tem facilitado a relação entre os pescadores e as autoridades marítimas para a resolução dos seus problemas e para uma educação ecológica e sustentável dos recursos. As Associações locais, como a de Caça e Pesca de Melgaço, estabelecem uma relação contínua com as autoridades e resolvem parte das questões, como a de licenciamento e de gestão dos recursos e uso dos artefactos no curso do rio. Alguns dos problemas, como o da gestão da água das albufeiras, não tem sido possível ser gerido por estas entidades, dado essas questões estarem sob a alçada de outras autoridades, não presentes na região. Viver atualmente o rio Minho é, assim, bem diferente de tempos passados. Se as margens se estreitaram e as fronteiras quase se não notam, tantas são as pontes e tão significativo é o impacto das condições de cidadania europeia na vida das comunidades ribeirinhas, o que sobrou foi uma menor visibilidade do rio. Voltar a descobrir o rio e as emoções vividas nas suas margens é uma nova descoberta. Assim, uma dimensão a ter em conta, aqui, é a que se refere aos afetos e emoções, suscitada pelo ‘estar no rio’: Eu não sei explicar... se não venho ao rio, sinto-me perdido! Parece que o mundo para e eu aqui... fico feliz, não sei. Com esta idade, qualquer dia não posso subir aos ‘pescos’, mas ao rio quero sempre vir. Quando não puder, posso morrer! (Manuel, Pescador, 79 anos, As Neves). A grande maioria dos nossos informantes refere este apelo do rio e as emoções sentidas em estar sobre as pesqueiras. Isso é reforçado pelo facto de serem, entre os habitantes do vale, poucos os que se aproximam do rio. Na verdade, neste troço internacional do rio, a não serem os pescadores das pesqueiras, e muito raros pescadores lúdicos, são raros os habitantes que se aproximam ou têm alguma fruição do rio. Um dado surpreendente, pois a beleza do espaço é cativante. Nos últimos anos há já um investimento por parte das autarquias locais para fomentar a fruição do espaço ribeirinho. Nos municípios portugueses algumas áreas têm sido melhoradas, principalmente junto das sedes de concelho. No caso galego há já outras abordagens, como é o caso de Arbo, que construiu passadiços junto ao rio, com um roteiro informativo. Estes passadiços são apelativos, pois situam-se a montante e jusante da ponte internacional que liga Melgaço a Arbo, num ponto onde é possível ver muitas pesqueiras no rio. Encontramos alguns pescadores lúdicos, cuja única explicação que nos foi dada para pescar à linha na margem do rio era ‘fugir’ para um local onde pudessem estar sós. Na sua maioria ex-emigrantes, a pesca estava mais próxima da experiência de um ‘naturalismo’ ascético, do que na procura de peixe para se alimentarem. Uma das razões deste afastamento do rio está na dificuldade de acesso a ele, neste troço, para além do parque de Arbo, anteriormente referido. Dadas as características orográficas das margens e da existência de uma pequena floresta ribeirinha, grande parte das pesqueiras está invisível aos transeuntes. Não estranha, assim, que um pescador, quando o questionamos sobre o que era uma ‘boa pesqueira’, respondesse: Uma boa pesqueira é, em primeiro lugar, aquela que tem um bom caminho. Como sabe, aqui os caminhos são um bocado acidentados. Em segundo lugar, uma pesqueira que dê rendimento..., que traga a gente contente: a gente vai ao rio e traz sempre algum peixe. E há outras que não! Há pesqueiras que um dia a gente vai ao rio e traz e noutras vezes não traz... passa outro dia e não traz. Há sempre umas pesqueiras melhores do que as outras! (Venâncio, Pescador, 65 anos, Melgaço). Ou seja, para a pesqueira ser boa, não basta ter rendimento. Ela deve também ter um bom acesso, na medida do possível, pois poucas têm acesso fácil. Assim, ir armar o botirão, lançar a cabaceira ou ir recolher essas artes de pesca, na esperança de uma boa ‘ceifa’, obriga a um primeiro sacrifício: percorrer o caminho até à pesqueira. E é esse percorrer e estar em cima dela a pescar, a razão de se experienciar um ‘apartamento do mundo’ (Pescador, 73 anos, As Neves). O sentimento de que se fazia algo de diferente, num ‘mundo diferente’. Há uma vida nos campos, nos negócios, nos empregos, partilhada com muitos dos seus conterrâneos e vizinhos; há uma outra que só eles conhecem e da sua magia ficam presos. E a consciência explicita destas emoções só é real quando são obrigados a confrontar-se com elas: quando, por alguma razão de força maior (como doença ou uma qualquer migração), não podem ir às pesqueiras; ou, recentemente, quando são procurados por jornalistas ou investigadores e são ‘obrigados’ a verbalizar os seus sentimentos. O mais surpreendente é verificar o nascimento desta experiência de pertença ao espaço e às artes de pesca nas pesqueiras quando são confrontados por estranhos. Contam-se pelos dedos os jovens que se iniciam no rio, na pesca tradicional. E se há pescadores que desde crianças seguiram os passos de seus familiares, a maior parte dos jovens que atualmente vão ao rio descobriram recentemente o quanto o rio e a pesca tradicional é uma experiência onde ao fascínio se segue um apego viciante. Durante muitos anos, nos tempos mais próximos, foram poucos os jovens a aderir a esta pesca, daí o envelhecimento do grupos dos pescadores. Muito recentemente, tanto na margem portuguesa como na galega, alguns jovens têm-se iniciado no rio, junto com os mais velhos, a que chamam de mestres. Apaixonam-se pelo rio e pelas artes da pesca das pesqueiras: O que mais me motiva vir ao rio é aprender com os pescadores mais velhos. Eles conhecem tudo e, com paciência vão dizendo e ensinando. Todos os dias aprendo coisas novas e sei que ainda me falta aprender muita coisa. Admiro-os e gostava, um dia, saber o que eles sabem, mas sei que isso só acontece com o tempo. E então a paixão que têm pelo rio e pelas pesqueiras é mesmo o que me motiva. Eu já tenho esse bichinho... só quero vir para o meio deles! (Diogo, Jovem Pescador, 32 anos, Alvaredo, Melgaço). Homem, eu comecei há pouco tempo, mas quero saber tudo. Estou a apreender. Fico contente por eles (os mais velhos) me ajudarem e aprendo muito. Quero continuar! (Jovem Pescador, 28 anos, As Neves) Os mais velhos acarinham estes novatos. Vêem-se a envelhecer e a não terem quem os substitua neste trabalho. São pacientes e, dia a dia, lá vão dizendo: “Olha a corrente como vai para ali..., [....] temos de redar para aquele lado... hoje não é bom dia de lampreia...” (Diogo, Jovem Pescador de 32 anos, Alvaredo, Melgaço). São outros tempos, bem diferentes daqueles quando eles mesmos (os mais velhos) iniciaram a ida às pesqueiras: Eu era miúdo, não tinha mais de 11 anos, e já ia de noite com o meu pai às pesqueiras. Houvesse frio ou não, lá ia com ele. Mas eu gostava, porque era sinal de que o meu pai confiava-me mim, de que já me tinha por um moço capaz de fazer alguma coisa. O meu pai dizia como se fazia, como eram as águas, o melhor tempo para pescar, etc., mas não era como se fosse um professor. Íamos falando, durante anos, e eu ia ouvindo e perguntando e, principalmente, vendo como ele fazia. (José, 67 anos, Pescador de Monção) Este processo de acesso ao rio e às pesqueiras, o convívio com os mais velhos e o assumir de responsabilidades conferia ao adolescente e, agora, ao jovem pescador, um sentido de pertença a um grupo privilegiado, mesmo que atualmente os colegas não compreendam a razão de tanta paixão pelo rio: Ainda um destes dias um amigo me disse: mas que raio vais fazer para o rio e para isso das pesqueiras? Não entendem esta paixão. Para eles é uma perda de tempo, sem qualquer sentido. A minha geração não conhece o rio, não se interessa por nada destas coisas. E há alguns que falam de ecologia e da natureza, mas pouco sabem do que estão a falar. Agora entendo porque é que o rio deveria estar limpo nas margens, a água não deveria estar poluída, etc. Eu mesmo estou a ver isto e quero que esta arte não se perca (Diogo, Jovem Pescador de Melgaço) Relevante para o património cultural imaterial é toda a terminologia adscrita às pesqueiras, desde os nomes dos artefactos usados (redes e seus componentes), até à descrição das diferentes partes das pesqueiras e sua variedade tipológica. O Glossário que apresentamos em Anexo (ver Glossário) é prova clara disto mesmo. Os pescadores, das duas margens, têm orgulho em descrever as pesqueiras, as artes, o botirão e a cabaceira, com todos os componentes, em termos totalmente desconhecidos aos que não praticam as pesqueiras. Cada termo, herdado do passado é um património linguístico conservado pelos pescadores, tem uma razão de ser, e conjugam-se entre os substantivos e os verbos, entre o objeto e a ação (“o ferro onde embida a pesqueira é o embibidouro”; o ‘redador’ do ‘redeiro’ [cabaceira] ‘redado’’ – etc.). Já a interpretação do rio Minho, os seus caudais, orientação das águas em diferentes pontos, próximos das pesqueiras, como as águas ultrapassam o ‘rabo’ da pesqueira ou fazem o redemoinho e criam zonas de águas calmas, onde a lampreia descansa, tudo isso passa de geração em geração, de tanto lidar com o rio. Qualquer alteração no leito do rio, uma margem onde o cascalho caiu, uma árvore que tombou ou cresceu demasiado, tudo pode interferir e ter consequências. As pesqueiras que eram boas, passaram a não redar; as águas vivas passaram a águas mortas. Este ano não tive tempo de limpar ali aquele cascalho e arbustos. Sempre a pesqueira foi boa e já cheguei a pescar aqui tanto sável e lampreia. Uma vez apanhei um salmão. Agora não. Agora, com esta água morta... Ou limpo ou espero por uma cheia que me leve tudo isto e volte ao normal. Sabe que o rio é uma coisa viva. Não está sempre na mesma. E cada ano temos de ver o que mudou e como se pode resolver um ou outro problema. Umas vezes é fácil, outras não (António, Pescador, 72 anos, Monção). O regime de águas é diverso em cada pesqueira, e para cada regime, o seu peixe preferido. As águas são diferentes: há águas mais paradas e águas mais mexidas. Por exemplo a água aqui da Fraga é uma água muito mexida, por onde a lampreia é obrigada a encostar. Por isso é a melhor pesqueira para a lampreia! Para o Sável... águas paradas. (Venâncio, Pescador, 65 anos, Alvaredo, Melgaço). E se há pesqueiras que já têm, no caudal normal, o seu próprio regime de águas, noutras, mesmo com esse regime normal, varia muito o seu uso. Um olhar atento à água em volta da pesqueira informa logo da qualidade e das possibilidades de se capturar algum peixe nesse dia, naquela pesqueira. A relação com a meteorologia é constante. Conhecer a temperatura exterior e a da água, saber como a claridade do dia e o tempo enevoado vai interferir na subida do peixe é fundamental para trabalhar. Temos de ter em conta que estes dados são importantes porque os dias de utilização da pesqueira podem ser curtos e não coincidirem com as melhores condições climáticas e meteorológicas. Na interpretação da natureza há informações preciosas para saber das pescarias. O tempo, a temperatura, a presença de certos animais, ou até as superstições. Quando a água está gelada, a lampreia não sobe. O mesmo quando está nevoeiro. (José, Pescador, 74 anos, Melgaço) Dizem que quando se vê muito bicho do pinheiro é ano de muita lampreia, (Mulher de 84 anos, Melgaço). No nosso trabalho de terreno não foi fácil ouvir dos pescadores estórias e narrativas associadas ao mundo mágico e do fantástico. Mas a literatura (Miranda & Reigosa 2006) é fértil nestas referências. E iremos tratar disso nos outros patrimónios culturais imateriais associados. Alguns informantes assinalavam os medos e a estranheza da noite, onde qualquer coisa poderia acontecer. Desde roubos, assaltos e o aparecimento de eventos estranhos, bem assinalados na cultura local. Mas facilmente justificavam esse medo no nevoeiro que tolhia a visão e era causa de quedas entre as rochas ou no próprio rio. Não falam disto, mas encontramos símbolos de proteção ou rituais antropopaicos, como as configurações antropomórficas e zoomórficas dos ‘marcos’ das pesqueiras. Encontramos também narrativas fantásticas sobre a pesca da lampreia e sua relação com o tempo e a fortuna da pesca. Uma informante disse-nos: “quando num certo ano há muitos bichos do pinheiro sabemos que é ano de muitas lampreias” (Mulher, 84 anos, de Melgaço). Ou então, “se o cuco canta, há boa pesca” (Pescador, 74 anos, de Melgaço). O mundo lendário abarca o próprio rio Minho (Lenda do rio Minho) e as suas margens estão cheias de lendas, como a lenda da “Mulher Marinha”, da “Lampreia Dourada” ou das feiticeiras. Transcorrer as margens e fazer a passagem do rio era também um meio para se chegar a locais de grande sentido religioso e mágico (os santuários e as romarias da região – Santa Marta de Ribaterme, na Galiza, ou Senhora da Peneda e S. Bento do Cando, em Portugal). A tradição oral das duas margens, portuguesa e galega, dá-nos conta de personagens mitológicas que habitam a bacia do rio. São as feiticeiras (hechiceras / meigas), as mulheres marinhas, os Xarcos que moravam em poços nas margens e leito do rio; os ‘hombres pez’, anfíbios que habitavam as águas e saíam às margens. Leite de Vasconcelos cita múltiplos lugares sobre lendas e práticas no rio Minho. Uma delas é a da famosa Lenda das Bruxas de Arbo. Trata-se de uma superstição que tem em conta a corrente forte do Minho por altura da localidade de Arbo e Melgaço. As pessoas para passar o rio sem problemas tinham de colocar uma pedra na boca, para não falarem e serem atraídas pelas bruxas que habitavam as águas (A seguir transcrevemos a Lenda, a partir do livro de Miranda & Reigosa (2006): “Según la leyenda, en la zona del Miño que separa Arbo de Melgaço las aguas estaban habitadas por algo más que peces. Estos peculiares habitantes eran conocidos como feiticeiras y, según cuentan, eran muy hermosas. Capaces de encandilar a los mozos y llevarlos consigo a las profundidades. Según dice la tradición, las feiticeiras se metían con las personas que cruzaban el Miño de una vera a la otra fuesen pescadores, barqueros o cualquier tipo de persona y condición y, por este motivo, "Quem atravessar o río Minho en Melgaço há de levar na boca um seixinho para durante a viagem nao poder falar se as feiticeiras se meteram con ele". (Leite de Vasconcelos 1931,70, en Alonso Romero F 1996,75). Es decir, que si querías cruzar el río en Arbo a Melgaço era mejor llevar una piedra pequeña en la boca para no poder hablar. Al parecer, las feiticeiras también actuaban contra las embarcacións y la pesca, seguramente de lamprea en muchos casos. Para combatirlas en este caso, los pescadores le daban unos golpes con un palo a la red repetían "¡Ah desgraciada! ¡Toma! ¡Toma!". Si al volver a lanzar la red esta flotaba es que las feiticeira aún estaban en la red, así que volvían a hacer lo mismo pero cambiando las palabras por ¡Sae de aquí, filla de puta!” A água tanto mata (nos afogamentos) e as forças do mal tanto atraem para os poços e profundezas do leito do rio, como a água dá vida e as forças do bem compensam com generosidade os rituais propiciatórios para a pesca. Os autores (Alonso 1989; Vasquez 2005) referem muitos rituais mágicos, do passado: bênção de redes; gravação nas embarcações de símbolos de proteção; colocação de ervas e até medalhas de ouro seguras dentro das redes, para atrair o peixe e a fortuna, e afastar o mal e as bruxas; levavam-nas para as encruzilhadas (o local onde as bruxas se encontram) para as defumar quando a pesca era má e tentavam alterar a sua sorte; ou então gritavam impropérios para afastar o azar (Campelo 2002c); o próprio rio cobra cada ano o seu foro de vidas (e assim justificam alguns afogamentos); os túneis subterrâneos ao rio Minho, a ligar as cidades de Monção e Salvaterra, de Tui e Valença..., com raízes nas lendas dos castros, dos mosteiros do vale, onde se contam as ligações secretas ao rio, etc. No trabalho de terreno estas narrativas não foram expressas. Somente quando se referem estas informações e lendas já escritas é que temos uma reação dos pescadores. E dizem: “Isso era a gente do passado que acreditava! Não há bruxas nenhumas. Dizem que há túneis por debaixo do rio, mas eu nunca vi nenhum! Agora azar há e bem gostava de saber como acabar com ele!” (António, 59 anos, Pescador, Bela, Monção). “Com o rio é preciso ter respeito. Ele é muitas vezes teimoso e cheio de novidades. Olhe que não acredito muito nisso das bruxas e outras coisas... Mas que tenho respeito pelo rio, tenho. Sou homem de poucas rezas, mas há aflições para tudo. E quando há coisas que não entendemos, olhe... viramo-nos para qualquer coisa!” (José, Pescador, 67 anos, Melgaço). Os rituais prendem-se mais com o saber repetir e fazer as coisas como sempre fizeram. Quando há pouca sorte e má pescaria, tentam alterar as coisas fazendo de forma diferente, escolhendo melhor o local da pesqueira para a cabaceira, e pedem, isso sim, sorte e boa pesca. Seja o ano bom ou mau, sempre falam da sorte a acompanhar aquilo que todo o tempo souberam fazer. Desaparecida a força mágica dos seres fantásticos, permanece o entendimento de que o tempo, as condições atmosféricas, a água e sua temperatura, os sinais que veem na natureza, nos bichos do pinheiro, no cantar das aves, no nevoeiro e seu curso, são sinais que anunciam algo que devem entender. E o que esperam é que esses sinais cumpram o que estava prometido; ou, então, que não surjam, quando anunciam má pescaria e mau ano. Importa concluir que não é só a construção e manutenção dos aparelhos de pesca que exige saber e destreza. O saber utilizá-la, em que local, em que circunstância e de que forma, o interpretar a natureza, é o mais difícil de transmitir e aprender. Este é um saber adquirido com a experiência acumulada, feita de tentativas e erros, sempre sob o escrutínio e conselho dos mais velhos e experimentados. As profundas mudanças a que assistimos entre os pescadores do rio Minho, onde se observa a existência de uma quebra na transmissão dos saberes e práticas de pesca tradicional, pois os pescadores de décadas estão a ficar idosos e a deixar o rio, sem ter havido uma nova geração que tenha convivido largos anos com eles, fazem perigar a transmissão destes saberes e técnicas. Isto não acontece porque haja uma vontade de esconder estes saberes ou ‘segredos’, mas porque não há oportunidade de os transmitir. Estamos, por isso, num risco de perda de património cultural importantíssimo. Não será suficiente estudar e musealizar os artefactos, as técnicas, as embarcações, as espécies vegetais, animais, etc., que um estudo e investigação podem permitir. Fundamental é estabelecer contextos de práticas e fornecer oportunidades de experienciar estas técnicas a novas gerações. Mas só aqueles que convivem assiduamente com o rio e seus praticantes poderão ter acesso ao conhecimento profundo deste saber.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: A cada ano a ‘época da lampreia e do sável’ decorre entre os meses de fevereiro e maio. É um tempo de azáfama, de desassossego, pois vem aí o grande período do ano de presença do rio na vida dos pescadores! As artes de pesca são limpas e preparadas, toda a documentação está pronta e olha-se para o tempo e para as promessas de lampreia que os pescadores da foz vão anunciando. Será o ano bom? Os consortes de cada pesqueira, sob a orientação do seu ‘patrão’, o responsável perante a administração pública, reorganizam a divisão do uso das pesqueiras pelos quinhões que cada um tem, herdados ou comprados, ou simplesmente cedidos pelos seus donos reais; iniciam a sua peregrinação diária pelas pesqueiras, ora para armar o botirão ou lançar a cabaceira, ora para os levantar e, sempre ansiosos, ver se há lampreia na rede, ao levantá-la dos caneiros e bocas onde estiveram toda noite ou todo o dia (as redes colocam-se à noite e levantam-se de madrugada, voltam-se a armar e vai-se ver a ‘ceifa’ ao fim da tarde. É este o ritual tão esperado durante o ano. Para o fazer, em primeiro lugar, há que cumprir as regras estabelecidas: 1) renovar o registo da pesqueira e pagar a licença de pesca, caso contrario a pesqueira pode ficar inativa; 2) cumprir a da data de início e fim do tempo de uso das pesqueiras para cada espécie, lampreia ou sável (lampreia: 15 de fevereiro a 15 de maio; sável e salmão: 01 de abril a 31 de maio); 3) cumprir com as normas estabelecidas para o tamanho da malha das redes para a lampreia e para o sável e ter o colete salva-vidas para quando for ao rio, à pesqueira; 4) tratar de preparar os botirões e cabaceiras para a faina. A partir destes preparativos há que colocar em prática vários saberes: aproveitar o uso de cada pesqueira, olhando para o tempo e cota das águas, as correntes, optar por aquela que tem mais possibilidades de mais sucesso; deixar junto de cada pesqueira alguns artefactos, o gancho, uma escada, tábua de passagem ou acesso a piais mais afastados ou perigosos; saber preparar e colocar em cada caneiro ou boca da pesqueira, devidamente assente e seguro, o botirão; ter a capacidade de lançar a cabaceira e saber bem como a dispor no rio, conforme as correntes e a disposição / orientação da pesqueira ou coto de penedo; ter preparado, em certos locais do rio, um barco para aceder às cabaceiras, onde é mais difícil aceder por terra; limpar um ou outro acesso por terra, quando durante o inverno cresceu a erva, a vegetação, um arbusto ou caiu uma árvore; saber onde guardar a lampreia e saber como a vai trabalhar e preparar; organizar ou dar cumprimento a tantas promessas de refeição partilhada com familiares e amigos, no ritual da refeição de lampreia, sempre repetido todos os anos com certas pessoas e certos compromissos; saber também negociar uma ou outra lampreia, pois embora não sendo pescadores profissionais, algum ganho têm de ter para suprir os custos e acompanhar as despesas e expectativas pessoais e da família. E porque muito do saber trabalhar nas pesqueiras tem muito do saber compreender o rio, e seus ‘feitios’, é o homem da pesqueira um profundo conhecedor do rio Minho, que aprendeu a amar e defender. Sofre ao ver as margens devastadas, as árvores mal tratadas e caóticas sobre as pesqueiras; ao ver piorar, de ano para ano, a qualidade das águas, a poluição, o desprezo de tantos pelo rio; não compreende alguns dos poderes económicos que usam o rio sem pensar que ele é vivo, tem uma ‘alma’, e não serve para um único fim; e começa a entender e compreender cada vez mais a autoridade marítima, que lhe exige o cumprimento das normas, seja da pesca, seja das condições de segurança, o que tem aproximado partes anteriormente desavindas e conflituosas. E também já entende a curiosidade e preocupação de entidades públicas e culturais pelo seu trabalho, pelo seu mundo, pelas artes de pesca e pelas suas pesqueiras, assumindo também o protagonismo que lhes compete na divulgação deste património cultural e na sua proteção. Tudo isto tem de fazer e saber o pescador que cada dia vai às pesqueiras. E tudo isto aprendeu de seus pais, amigos próximos, um mestre mais velho e experimentado, durante longos anos de vida no rio, junto das pesqueiras do rio Minho. E se aprendeu, também tem de o comunicar e transmitir às gerações seguintes. A transmissão destes saberes faz-se em diferentes contextos: 1. nos espaços de convívio, em conversas informais; 2. nos momentos em que se vai ao rio para ver o estado do rio e a possibilidade de ‘armar’ a pesqueira; 3. Durante a pesca. No primeiro caso, relatam-se casos do passado e formas como os antepassados ou como os presentes, em momentos passados, resolveram problemas e superaram dificuldades. Este processo de transmissão, unicamente oral, possibilita a troca de informação e a passagem de memórias. Normalmente são recordadas as maiores desgraças e as maiores pescarias. Quem gere a conversa são os mais velhos e seus companheiros. Aos mais novos compete colocar questões e pedir, muitas vezes repetidas, a informação sobre acontecimentos e formas de usos de determinadas pesqueiras. É aqui que os nomes de cada uma das pesqueiras surge e se vai tornando frequente para os novos pescadores que, na atualidade, como vimos, são muito poucos. Nas idas ao rio, que vão aumentando conforme se aproximam as datas de início da pesca, fazem-se as leituras das cotas das águas, dos momentos mais apropriados para colocar o botirão, o estudo do rio e da qualidade das diferentes pesqueiras. Nestes momentos verificamos um conteúdo mais abrangente sobre a interpretação do ano de pesca que se aproxima e da necessidade de preparar os apetrechos de pesca para o seu uso. Mais uma vez, os mais novos questionam os mais velhos sobre as margens e as limpezas das pesqueiras; a forma como devem interpretar a temperatura das águas e os melhores locais das pesqueiras sobre as quais têm direitos de uso. Percebe-se, ao acompanhar os pescadores, o prazer que os pescadores desfrutam destas idas ao rio, onde mostram claramente o saber de o interpretar e a vontade de passar esse conhecimento aos outros. Por fim, podemos dizer que a melhor escola desta arte de pesca é a própria prática. Não havendo um conteúdo formal e uma forma de transmissão oficializada ou tradicionalmente estabelecida, é na ida conjunta ao rio, pois raramente essa ida se faz de forma solitária, mas sim entre compartes da mesma pesqueira, que se passam os saberes. Uma pequena alteração da cota da água, uma corrente que se criou com a alteração de uma parte da margem, uma temperatura atmosférica inesperada, os sons dos pássaros, etc., tudo concorre para dar uma sugestão, uma nova forma de colocar a cabaceira, o abandono ou a procura da melhor pesqueira, por saber-se ser essa a mais adequada às condições observadas. Esta transmissão faz-se no imediato momento em que se está a trabalhar. É por esta razão que ouvimos frequentes vezes o registo do apreço dos mais novos aos ensinamentos dos seus ‘mestres’ mais velhos, pois é a colocação de um novo problema a obrigar a tomar imediatamente uma nova solução. Para os mais novos isso pode parecer uma qualidade de invenção ou de desenrasque dos mais velhos, mas não é isso que eles lhes transmitem. Ou seja, não conseguem pensar em tudo o que devem comunicar e transmitir. São as circunstâncias a lembrar soluções já testadas com sucesso, aplicadas no passado. O mais difícil de transmitir são os inúmeros nomes dos artefactos e dos elementos constituintes das pesqueiras. Por já não se construírem mais pesqueiras, mas apenas serem sujeitas a manutenção, não é fácil para as gerações mais novas entenderem a funcionalidade dos constituintes e seus nomes. O mesmo se diga das artes de pesca, do botirão e da cabaceira, hoje construídos em materiais de ferro, onde apenas as redes são sujeitas a manutenção e substituição. Aqui importa mais o conhecimento da lei imposta sobre as medidas das redes. No que respeita à gastronomia, note-se ser esta praticada tanto pelos homens como pelas mulheres. É muito frequente a discussão e debate sobre os diferentes pratos culinários da lampreia e do sável existentes na tradição local. E um dos pontos mais referidos aos que estão no processo de iniciação a esta culinária é do da preparação prévia da lampreia, uma parte do processo essencial para a qualidade final do prato gastronómico. Outro dos pontos sempre referidos tem a ver mesmo com a origem da lampreia e a relação desta com a qualidade gastronómica. Só a lampreia de Monção e Melgaço tem a qualidade requerida para uma boa degustação de cada um dos pratos: ela tem a ‘carne’ vermelhinha’ junto da cartilagem interior, pois é ‘tesa’ pelo facto de ter de lutar durante tanto tempo para subir o rio. À escassez da lampreia (por ter sido a maior parte apanhada logo no início da desembocadura do rio Minho, em Caminha e Cerveira) respondem com a maior qualidade, os de Monção e de Melgaço. A transmissão do saber gastronómico faz-se nas cozinhas familiares, de mães para filhas e filhos. Mas cada vez se faz mais entre conversas de pescadores, agora que os homens ocupam sem reservas os espaços domésticos da culinária. Modos: Para uma boa pesca, é muito importante saber armar a rede (o botirão ou a cabaceira). Para além das características de cada arte de pesca, importa os atributos e situação da pesqueira no leito do rio, daí a existência de uma ‘pesqueira que rede bem’ e de outras que não! A altura ideal em relação ao leito do rio e à corrente da água são tidas em consideração no momento de decisão de armar a rede. A transmissão destes saberes tem-se alterado ao longo dos últimos tempos. Se no passado aprendia-se olhando e vendo os mais velhos da família, desde tenra idade, durante anos, agora já não é assim. Os pescadores, de idade avançada, julgavam ver esta arte desaparecer e as suas pesqueiras serem abandonadas. Falta o peixe, são grandes as obrigações, e a sociedade valoriza outras vidas e outros lucros. O abandono da atividade de pescador, por parte das gerações mais novas, é evidente. Surgiram, no entanto, nos últimos anos, alguns jovens que se sentiram questionados por essa paixão de familiares, vizinhos e amigos. Instigados e encorajados pelos mais velhos, que sentem orgulho em ver jovens interessados no que sempre eles fizeram, procuram dar-lhes apoio e informação. Já não o fazem durante muitos anos, pois a idade de ambos o grupo a isso não se presta. Mas, no local, informam-nos sobre as artes, ensinam como ler o rio, chamam à atenção sobre perigos e sobre os riscos de comportamentos, seja para segurança deles, seja para terem mais sucesso na pesca. Não o fazem como os seus pais fizeram, pois conversavam pouco e eles aprendiam vendo e repetindo. Agora têm preocupação em passar mais depressa a informação, capacitando-os para serem melhores pescadores. Mas os jovens, como muitas vezes ouvimos, sabem que pouco sabem, que têm de estar mais atentos e treinar mais. Um dizia-nos: Todos os dias aprendo. Não deixo de ver coisas novas cada dia! Hoje fala-me das correntes e de como melhor lançar a cabaceira; logo me diz que não vai haver peixe porque o dia não é bom, por isto e por aquilo; como, noutro dia, me avisa que o botirão, assim pousado, e com determinada água, não vai pescar nada! É assim: todo os dias aprendo. É mesmo um mester! (Diogo, jovem pescador de Alvaredo, Melgaço). É desta forma que os conhecimentos se transmitem e se vão sedimentando nas novas gerações. Eles sentem-se orgulhosos de terem uma outra forma de ver o rio, sabendo que há entre eles e os jovens da mesma idade alguma diferença e dizem que se sentem bem felizes por isso! Os modos de transmissão são, essencialmente, a comunicação oral sobre as artes de pesca e uso das pesqueiras, a interpretação das condições do rio, e a experimentação das técnicas durante a pesca da lampreia e do salmão, sempre com a colaboração e superintendência dos mais velhos, os melhores conhecedores da pesca nas pesqueiras.
    Data: 2019/02/01
    Modo de transmissão oral
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Pescadores e autoridades marítimas
  • Origem / Historial:
    Uma história das pesqueiras do rio Minho tem de se fazer com evidências arqueológicas e material documental. Antes de termos estas evidências, podemos supor que no rio Minho, um curso fluvial dos mais ricos em recursos haliêuticos da Península Ibérica, a pesca será uma atividade existente há milénios. Havendo comprovações como as que já temos da existência de comunidades humanas ribeirinhas desde o paleolítico no vale do rio Minho (veja-se o trabalho desenvolvido, desde 2016, pelos arqueólogos do projeto “Minho/Miño: os primeiros habitantes do Baixo Minho”, J. P. Cunha Ribeiro, UL; Sérgio Rodrigues e Alberto Gomes, UP; José Meireles, UM; Eduardo Mendez-Quintas, Manuel Santoja e Alfredo Pérez-González, Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana de Burgos), que nos deram a conhecer os mais antigos testemunhos da presença humana nesta região, de bifaces com cerca de 200 mil anos (freguesia de Valadares, Monção), é de supor que estes homens aproveitassem os recursos disponíveis no rio. Representações de diferentes espécies piscícolas em pedras são comuns na nossa pré-história, do que se poderia concluir serem elas ou importantes para a dieta destas comunidades, ou figurações simbólicas do seu imaginário mágico e sagrado, ou as duas coisas. É assumido por todos os autores o aproveitamento dos recursos do rio pelas comunidades desta região que construíram e viveram nos chamados castros; conhecemos por textos o valor que os romanos davam ao peixe e, particularmente, à lampreia, e como o tratavam o peixe e o conservavam (o célebre garum). Mas deste conhecimento, atestado a nível arqueológico e documental, nada podemos aferir, com certeza, para a história das nossas pesqueiras. As obras de Antero Leite (1999) e de Lois Ladra (2008) iniciam-se com a evolução das artes da pesca e das referências paleolíticas a peixes e sistemas primitivos de pesca, onde prevaleciam os materiais vegetais na construção de armadilhas e estacadas. Ressalve-se uma significativa diferença pelo facto de Lois Ladra não ser da mesma opinião de Antero Leite quanto à época da origem das pesqueiras, colocada pelo autor português nas primitivas construções dos homens da ‘civilização da pedra’, como chama aos castrejos. O autor vê no aparelho dos muros (corpos, piais) das pesqueiras similitudes com as construções dos castros; e, ainda, correlaciona o facto de a ‘zona das pesqueiras’ coincidir, na sua maior parte, com a da “implantação fluvial dos núcleos castrejos” (Leite 1999: 17), o que o leva a concluir serem estes os primeiros construtores das pesqueiras. Tomada por certa esta conclusão, não foi difícil ao autor desenvolver depois o papel dos romanos na evolução da construção das pesqueiras, conhecidas que são as capacidades construtivas dos romanos, as descrições de autores latinos sobre a pesca no rio Minho, ou, até, o seu apetite por lampreias, no meio de algumas narrativas fantasiosas associadas à alimentação das mesmas em seus viveiros. A verdade é que estas afirmações, sem evidências arqueológicas (como pedia Antero Leite 1999: 18), são meras suposições, o que nada infirma sobre essa possibilidade. A falta de estudos baseados em metodologias científicas rigorosas deixava no limbo as diferentes propostas. Mas esta indefinição mereceu algum reparo a partir da investigação de Willem Viveen et al (Viveen et al. 2014). Estes autores analisaram, durante sete anos, os sedimentos depositados no rio Minho ao longo de séculos, com metodologias de análise da estratificação dos sedimentos (OSL dating), fazendo uma relação entre as alterações nos sedimentos e o impacto humano nessas alterações, nomeadamente através da construção de barragens (das pesqueiras) que influenciassem o depósito dos sedimentos e a erosão das margens. E as conclusões dão-nos preciosas informações sobre a datação das pesqueiras do rio Minho. Começam os autores por dizer (Viveen et al. 2014: 7) que a grande transformação da paisagem que se inicia no século IV (AD), com o incremento da agricultura e a construção de pequenos terraços suportados por muros, fez com que fosse diminuindo a presença do pólen das árvores nos sedimentos, dado evidente no século VIII, onde essa diminuição é assinalável, sinalizando a fortíssima atividade humana. Os autores colocam numa data entre os séculos IV e V a possibilidade da construção das primeiras pesqueiras. Mas, com a invasão dos Visigodos (585 AD), elas talvez tenham sido destruídas ou simplesmente impedidas de se construírem, por estes povos imporem leis que não permitiam construções a impedir a navegabilidade dos rios (sabemos que o troço do rio Minho onde se situam as pesqueiras é já de difícil navegação pelas características do seu leito, rochoso e baixo, e das margens pedregosas que penetram no leito). Quando o domínio visigodo perde poder (715 AD), passa a não haver impedimento ao desenvolvimento das pesqueiras e essa situação política coincide com as profundas alterações verificadas nos sedimentos do rio Minho, pois estas (as pesqueiras) teriam causado desvios no curso do rio, verificados na criação de grandes depósitos de sedimentação (734+_75 AD – 827+_ 66 AD). Essa sedimentação diminui entre 800 e 1000 AD. Os autores não têm explicação histórica para isto, mas especulam para a existência de grandes cheias e possíveis destruições de pesqueiras. A seguir ao ano 1000 (Viveen et al. 2014: 8), aumenta novamente a sedimentação e o efeito de ‘barragem’. É o momento histórico em que temos significativas referências às pesqueiras, sob o controlo do rei, da igreja e da nobreza, que constroem novas e reparam as antigas. Entre o século XII e os séculos XVI - XVII, as pesqueiras sofrem graves contrariedades: inundações (anos 1100 – 1290) que as destroem; a grande marca da epidemia da praga (1347-1348), que impede a sua reconstrução; novas inundações (1400-1500 e 1600) a fazer com que as pesqueiras se mantenham na sua maior parte inativas. No final do século XVII, verifica-se um novo aumento da sedimentação e uma reparação das pesqueiras. Os autores dizem que entre 1856 e 1909, há uma perda de sedimentos provocada por grandes inundações, que “possivelmente eliminaram as pesqueiras” (Viveen et al. 2014: 8). E os autores concluem, assim, a sua investigação: The deposit recorded phases of intense usage of the ‘pesqueiras’ and phases when the ‘pesqueiras’ were not used. Tim periods when the ‘pesqueiras’ were out of use can be traced to various flooding events in the Miño River basin, and decimation of the local population by the plague. Construction of the ‘pesqueiras’ can be traced back to ~700 AD and is consistent with the regional transformation of a predominantly natural to an agricultural landscape. Because the ‘pesqueiras’ were built over a relatively short time period of one to two centuries, it is unlikely that more ancient ‘pesqueiras’ exist elsewhere in the Miño River valley. The ‘pesqueiras’ are therefore several hundreds of years older than mentioned in historical records, but not as hypothesise by some authors. (Ibidem: 9). Do trabalho destes autores há a reter alguns pontos que devem ser sujeitos à sua devida análise critica. As correlações entre a menor ou maior presença de sedimentos e a atividade humana (a construção de barragens no rio que interferem no seu curso, neste caso através das pesqueiras) pode ser interpretada com certo risco, pois numas vezes temos fatores antrópicos, mas noutros temos os climáticos e noutros ainda os epidémicos. A relação das datas de início de transformação da paisagem por forte intensidade agrícola, pela primeira vez, no período suevo (séc. V), do que se pode concluir um maior uso dos recursos, nomeadamente os do rio, está de acordo com os dados históricos. Por sua vez, o incremento das pesqueiras nos séculos X a XII, é apoiado pelos dados documentais e pelo reforço do poder régio na ‘reconquista’, pelo forte domínio nesta região das ordens monásticas, principalmente, e do poder da nobreza. Não estranha o impacto da peste negra no abandono da terra e na perda de capacidade das sociedades, à época, de manterem, consistentemente, grandes obras de construção e restauro. Mas se estes dados podem ser apoiados por documentos e pelo que conhecemos da história medieval (e não falamos aqui dos efeitos das inundações, porque para eles não temos dados documentais precisos). Já no que se refere ao século XIX e princípios do XX (datas referidas 1856 a 1909), as conclusões dos autores, a partir dos dados recolhidos, confrontam-se com a documentação conhecida, pois é neste preciso momento que temos maior documentação administrativa e legal sobre a pesca no rio Minho! Em primeiro lugar, todos os documentos de preparação para o Acordo de Lisboa de 1864, que definia os limites da fronteira na zona do rio Minho e que vão ser terminados com a Ata Geral de Demarcação, em 1906. Os informes do português Francisco Pegado e do espanhol Celedonio Uribe, em 1852, poucos anos antes da formação da Comissão Mista de Limites (trabalharam para a preparar) (cf. Garcia Alvarez & Puente Lozano 2015: 14) falam precisamente dos problemas de navegabilidade com os muitos bancos de areia presentes no meio do rio e as suas ilhas. Estas islas y bancos se formaban esencialmente por la deposición de sedimentos transportados por el rìo, siendo modelados y retocados constantemente en función de fenómenos naturales (sobre todo por las variaciones estacionales de su curso), pero también por ciertas intervenciones humanas, como la construcción de pesquerías a ambos lados (con estacas de madera o gruesas paredes de piedra dispuestas perpendicularmente a la dirección del rìo) para la pesca del salmón, la lamprea y otras especies abundantes en este curso. Las variaciones introducidas por la construcción incontrolada de pesquerías en los mecanismos naturales de circulación del río propiciaron no sólo la formación de nuevas islas y bancos de arena, sino también de seixos y ranãs (montículos formados por la acumulación de cantos y guijarros, que dan lugar a pequenõs saltos y cambios en la velocidad de la corriente). Con el tiempo, todos estos accidentes se fueron convirtiendo en un peligro serio para la navegación e incluso para ciertas prácticas agrícolas, pues, de un lado, los islotes y bancos dividían el río en brazos y dificultaban la navegación a lo largo de todo el curso fronterizo; y, de otro, modificaban el cauce del rìo y causaban el anegamiento de zonas cultivables (pinares, maizales, parrales bajos, etc.) en las márgenes opuestas a ellas. (Ibidem: 15) Apesar de se falar em inundações nestes documentos da Comissão Mista, também se fala da omnipresença de pesqueiras, o que obrigava a uma decisão sobre a sua gestão, daí se concluir ser este problema um dos três que a Comissão Mista tinha a resolver. Os problemas eram: i. ter um critério geral para traçar a linha divisório no rio; ii. atribuir a soberania a ilhas fluviais cuja titularidade era motivo de disputa; iii. solucionar o problema causado pela proliferação de pesqueiras em ambas as margens do rio (cf. Ibidem 16). Portanto, os autores ao afirmarem de que com as inundações quase não havia sedimentação após 1836, supondo a possibilidade de desaparecimento das pesqueiras, dão-nos informação que colide com os dados reportados pelos engenheiros que fizeram o levantamento do Atlas do rio Minho nessa época! A razão de termos abordado o tema da datação mais acuradamente deve-se ao facto de ser este um ponto de debate ainda não resolvido. Para alguns dados históricos há consenso: as profundas alterações da paisagem ocorrida nos séculos IV e V, onde se passou, nesta região, de uma paisagem preponderantemente natural para uma agricultada fizeram com que esta estabilidade promovesse um maior aproveitamento dos recursos. Voltar-se para o rio e nele intervir para potenciar o seu aproveitamento mais eficaz coincide com o facto de existirem autoridades eclesiásticas com capacidade de organização e poder, bem como de senhorios locais, neste caso os suevos, já terem uma administração capaz de gerir estes investimentos no território do Noroeste Peninsular que governavam. A crise provocada pela ocupação visigótica, por terem leis diferentes em relação aos impedimentos de navegabilidade dos rios, ou a esporádica presença dos invasores muçulmanos, terá influenciado o uso das pesqueiras. As deduções que façamos das intenções dos novos senhores do antigo reino suevo, do Código Visigótico, ou dos riscos e receios das populações locais a eventos graves de invasão do território, como foi a incursão de Almançor (974 AD), ou depois dos povos invasores vindos do mar (mouros ou normandos), pouco nos dizem da existência das pesqueiras, pois a existirem já, não era devido a um ou outro evento grave, mas de alguma forma excecionais, que desapareceriam, mesmo que o uso tivesse diminuído. Um dos problemas para a datação das pesqueiras, como as que aqui tratamos, é a dificuldade em saber o que as palavras ‘nasseiras (nassarii) ‘pescarias’ (piscariae) / ‘pesqueira’ (pescariis) / ‘caneiro’ significariam ao momento da escrita dos documentos medievais. Lois ladra (2008: 44-49) faz um recorrido entre várias investigações, em diferentes contextos geográficos europeus, para mostrar o surgimento das técnicas de pesca semelhantes, dentro do mesmo espaço temporal. Cita Garcia Conde (1951) para situar na metade do século VIII, no testamento de Avezano (757), as primeiras referências conhecidas na Galiza a nasariis et piscariis, o que confirmaria os dados de Viveen et al (2014). Este documento coloca estas artes de pesca na mesma era das evidências arqueológicas da existência de artes semelhantes nas ‘fisheries’ britânicas. Daí, concluí-a o autor, “as primeiras arquiteturas piscícolas galegas elaboradas en materiais perecedoiros poderian datar dos séculos VII ou VIII, tal como acontece noutras zonas europeias” (Lois Ladra 2008: 48). Num ponto parecem estar de acordo os investigadores (Lois Ladra 2008; Segura 1998; Carrillo 1999), as artes da pesca nos rios do noroeste peninsular tiveram, certamente, influências desde a engenharia romana, a influência mediterrânica do mundo muçulmano com suas obras hidráulicas ou ainda dos contactos com o mundo anglo-saxão pela costa atlântica, mas que o desenvolvimento e afirmação destas artes de pesca tiveram uma era que as marcou: aquela em que o domínio das instituições eclesiásticas se afirmou nesta região. São muitas as razões económicas, sociais, políticas e religiosas para avaliar da importância que o pescado tem na Idade Média. Seja a dieta alimentar, sejam as restrições quaresmais e do restante ano litúrgico, seja o crescente poder das ordens religiosas e dos poderes eclesiásticos na sociedade medieval, tudo isso contribuiu para que entre os mosteiros e as pesqueiras houvesse uma relação tão próxima, observada em toda a Europa. Não estranha, por isso, duas consequências: terem-lhes sido atribuída, por doação régia, uma parte das pesqueiras já existentes; terem herdado, por doações pias, outras pesqueiras; ou negociado uma permuta de propriedade, com os senhores ou o rei; terem investido na compra; ou mesmo na construção e renovação de outras pesqueiras. Os membros da igreja, junto com as famílias senhoriais, eram, afinal, os únicos grupos sociais com poder de negociação, com capacidade financeira. Era também nas comunidades monacais que vivia gente com domínio de técnicas hidráulicas, dados os contactos possíveis com outros centros de saber, regionais e internacionais. Assim, podiam aceder, dominar e aplicar a engenharia hidráulica apropriada à eficácia destas construções. Na sua abordagem história às pesqueiras, Antero Leite (1999: 25-30) desenvolve os vários conceitos administrativos e de exercício do poder, aquando do período de reorganização do espaço do noroeste peninsular com a chamada ‘reconquista cristã, primeiro e, depois, a afirmação do Condado Portucalense, futuro reino de Portugal. Dentro desta reorganização na margem esquerda do rio, surgem os coutos monásticos de S. Salvador de Paderne (1141), de Longos vales (1197), Fiães (sem data precisa, mas a data de uma doação de 1157 corresponde a uma data em que “o mosteiro passou à condição de um território coincidente com a área do couto” [Marques 1990: 24]), e Sanfins de Friestas (1172), que irão dominar o espaço do vale do rio Minho durante séculos. Escusado será dizer, que tanto os monges como as famílias senhoriais não praticavam a pesca nas pesqueiras, mas aforavam-nas a pessoas, que por sua vez pagavam o foro ou renda acordados entre as partes. Mas antes de se afirmar a independência do Condado Portucalense, toda a região já estava povoada de mosteiros e de senhorios, e também nela se afirmava o poder das sedes episcopais. Todos eles tinham sobre as pesqueiras títulos de propriedade já reconhecidos. E estes mosteiros situavam-se em ambas as margens do rio Minho. Atente-se que a própria localização dos mosteiros e cenóbios era bem pensada, situando-se em locais próximos de rios, para lhes ser fornecido o peixe necessário para os dias de abstinência do ano, que eram muitos. Contribuíram muito estas ordens religiosas para a expansão da pesca fluvial. Convém referir que existem cenóbios no noroeste peninsular desde os séculos V-VII, época germânica, e que os beneditinos e cistercienses fundam, entre os séculos VIII e XII mosteiros que marcaram a paisagem religiosas, social e económica desta região. Não estranha, assim, que grande parte dos documentos chegados até nós, referentes a pesqueiras, são de comunidades monásticas ou autoridades eclesiásticas, (por ex. os Tombos e Cartulários dos Mosteiros), e fazem-no precisamente para registar a titularidade da posse, as doações, a compra e venda, e troca, questões de direitos de exploração e pagamento de foros, rendas, em disputas, ‘preitos’, juízos e desacordos. Sintetizando, podemos referir alguns casos, entre outros, dos detentores das pesqueiras e os documentos que confirmam a doação, posse, compra, etc. Assim, temos, entre muitos, os seguintes exemplos: i. Século IX (853), confirmação de doação do rei Ordoño I (sucessor de Ramiro I), por parte de seus antepassados, ao mosteiro de Samos de, entre outros bens, umas “piscariis que sunt super portum ubi se miscent Sile et Mineo ex ambobus partibus fluvii” (Lucas Alvarez 1986: 135-136). ii. Século X (951), Ordoño III confirma a doação de outras pesqueiras (piscarias) no Minho ao mosteiro de Samos (Lucas Alvarez 1986: 63-64). iii. Século X (989) faz-se uma permuta de propriedades entre Didacus e o bispo Pelágio de uma herdade “Cum omnes suas piscarias” (Ferro 1995: 129). iv. Século X, na segunda metade, Vermudo II confirma escritura de doação de pesqueiras ao mosteiro de Celanova (Sánchez Belda 1953: 66). v. Século XI (1071), a concessão régia ao Cabido de Tui, por Dona Urraca, da metade indivisa que tinha em S. Paio de Paderne, onde consta a referência “com suas pesqueiras”, e metade do mosteiro de Álveos, com suas pesqueiras. vi. Século XII (1180) Urraca Peres, senhora de Ramirães, Galiza, e seu irmão vendem ao Mosteiro de Fiães a sexta parte do que possuem, em Merelhe, Paços, Melgaço, com as respetivas pesqueiras. (Cartulário de Fiães Nº 19). vii. Século XII, Afonso II doou a Oseira uma pesqueira do rio Minho (Sánchez Belda 1953: 139). viii. Século XII (1118), a doação de Onega Fernandes ao Cabido de Tui, entre vários bens, de “as pesqueiras do rio Minho” (Alonso 1989: 42). ix. Século XII (1190), testamento de Afonso João a favor do mosteiro de Fiães , de uma herdade, “cum suiis piscariis pró remedium anime mee” (Ferro Couselo 1995: 61). x. Século XII (1125), a concessão à Catedral de Tui, por parte de Dona Teresa, de uma ‘coutada de pesca no rio Minho’ (Alonso 1989: 41). xi. Século XII (1155), a Ordem do Hospital de Jerusalém, em Valadares, recebe de Nuno Dente, “a metade da sua herdade no campo de Gondufe (Chaviães) incluindo o quinhão de uma pesqueira” (Pintor 1975: 48). xii. Século XII, o Mosteiro de Fiães, entre outras doações recebidas neste século, recebe em 1189 uma doação de Pedro Gonçalves com sua mulher e filhos., para além de outros bens, “... a pesqueira de Touca” (Alonso 1989: 42). xiii. Século XIII, Nuno Fernando oferece ao mosteiro de Fiães “nostros quiniones de pescariis Minei” (Ferro Couselo 1995: 70). xiv. Século XIII (1217), João Afonso vende ao Mosteiro de Fiães a décima sexta parte (1/16) da pesqueira de Castro (cf. José Marques [1990], Cartulário de Fiães, Nº 141), (ver PDF: “CARTOLÁRIO DO MOSTEIRO DE FIÃES”). Em relação ao rio Minho, pode-se encontrar referências a pesqueiras nas coleções diplomáticas dos Tombos de Sobrado, Ribas de Sil, Fiães, Samos, Celanova, Melon, Paderne e Longos Vales. Os próprios reis tinham senhorio sobre as pesqueiras, como se pode constatar no Tombo das Viñas de Ribadavia (Séc. XIII), no reinado de Afonso IX. Ou no caso português, o senhorio real sobre a pesca era também estabelecido, tendo tanto os senhores como a igreja de solicitar autorização régia para a construção das pesqueiras. A documentação aponta para que até ao século IX o direito de pesca era um privilégio dos reis; e que, a partir do século X há já nobres a possuírem pesqueiras e caneiros, os quais vão doando e cedendo quinhões à igreja e comunidades monásticas. E este processo vai-se desenvolvendo com o acumular de bens por parte da igreja e mosteiros, que vão herdando, construindo e comprando pesqueiras, de tal maneira que a partir do século XIII é a igreja a principal proprietária de pesqueiras, aforando a exploração a terceiros. O trabalho de José Marques (1990: 29) sobre o Mosteiro de Fiães dá-nos conta dos direitos do rei, em dízimos e quinhões de pesqueiras, com particular interesse pelas lampreias, sáveis e enguias (irizes). No Foral Novo de Melgaço (1513) constam os direitos do rei sobre as pesqueiras. Interessante ver que já nos finais do século XVI havia pesqueiras designadas por “pesqueiras antigas” e “pesqueiras novas”! De facto, neste Foral Novo há um incentivo à construção de novas pesqueiras, desde que não fizessem dano às antigas, construindo-as em locais que não desviassem a corrente do rio. Ou seja, este ponto reforça a ideia de que os séculos a seguir à peste e a uma certa desorganização do mundo rural, por falta de pessoas, tenham sido menos produtivos, havendo agora necessidade de incentivar a construção e o aproveitamento dos recursos. Se o rei reivindicava direitos de impostos e foros dos seus quinhões, também se preocupava com a sustentabilidade da pesca e proibia certas artes de pesca em certas partes do ano ou durante todo o ano. Assim, no mandato de D. Sebastião (Colecção das Leis Extravagantes) surge a primeira legislação sobre as artes de pesca, que depois integrarão as “Ordenações Filipinas”, de 1603. A salientar que desde a Idade Média os materiais de pesca eram de origem vegetal. Esta organização da posse e do poder eclesiástico e monástico sofreu profundas alterações a partir da era filipina, com um conjunto de decisões régias que vieram colocar em causa o acumular de bens, comprados, herdados ou doados. No princípio deste movimento acentuou-se um reforço do poder régio. Neste ponto histórico é importante sublinhar o papel que a pesca no rio Minho tem, para ser referência à peça literária trabalhada por M. Ferreiro (1983): o entremez de Gabriel Feixó de Araúxo, “Entremés sobre a pesca no rio Miño” (1671), considerada como a primeira peça teatral conservada escrita em galego. O século seguinte, XVIII, é um dos mais bem documentados sobre pesca fluvial na Galiza, o que mostra a importância desta atividade na economia local. Mas os tempos começaram a mudar, e o século XIX vai alterar definitivamente os poderes estabelecidos e a ordem do Antigo Regime. É um século de grandes convulsões políticas, de um lado e outro da fronteira. A desorganização social e política não vai anular a prática da pesca, mas vai alterar os seus regimes de posse e gestão. Na Galiza, as guerras carlistas têm impacto também na parte portuguesa, entre guerrilhas e bandoleiros de ambas as margens. A sociedade raiana fica perturbada por incontáveis episódios. No entanto, enquanto se manteve uma normatividade em relação aos impostos sobre a pesca, em Portugal, nomeadamente na foz do rio Minho, os vizinhos galegos não pagavam qualquer imposto (Tavares 1920). De realçar, no entanto, que havia poucos pescadores profissionais galegos no século XIX a pescar na foz do rio Minho, e só no século XX eles retomam essa atividade, o que não acontecia nas pesqueiras, onde sempre se mantiveram. Em Portugal, o fim dos dízimos (30 de Julho de 1832), a extinção das Congregações Religiosas (30 de Maio de 1834), e consequente integração dos bens na Fazenda Nacional e sua posterior venda em hasta pública, junto com a desamortização e venda de foros, são as decisões administrativas que mais impacto vão ter na nova ordem e na reorganização da posse e uso das pesqueiras. Por sua vez, os compradores e herdeiros das famílias senhoriais vão, também eles, vendendo os foros dos quinhões que têm nas pesqueiras, mesmo que uma parte significativa das casas senhoriais mantenham ainda posse sobre muitas das pesqueiras que, depois, arrendam. Antero Leite faz um desenvolvimento de todos este processo, referindo dados de arquivos e alguns dos valores presentes nas vendas, onde se pode constatar o alto valor, relativo a outras propriedades também alienadas, das pesqueiras (Leite 1999: 87-101). Está nesta grande transformação no século XIX, e a sedimentação das leis e convénios que surgem com o Tratado de Limites de 1864, a razão do reforço das autoridades de ambas as margens no controlo da pesca e das construções de novas pesqueiras. Não estranha que a partir do estabelecimento, no final deste séc. XIX (1892), dos Serviços Hidráulicos do Douro (Campelo 2010), com uma delegação em Viana do Castelo (em cujo Arquivo Distrital estão os arquivos das hidráulicas esta região - “Fundo dos Serviços Hidráulicos”), tenham surgido processos e multas pelo não cumprimento das leis estabelecidas. A construção de marachões e paliçadas, ou mesmo de várias pesqueiras, estava a provocar alterações no curso do rio. E estas novas pesqueiras ilegais surgiam em ambas as margens do rio Minho. Em 1897 temos um novo Regulamento de Pesca para o rio Minho, que obrigava a registo (“das pesqueiras ou caneiros exclusiva ou acidentalmente destinadas ao exercício da pesca”), e a um requerimento para a obtenção de licença de pesca, para cada temporada. É esse regulamento que irá fornecer aos pesquisadores informação preciosa sobre as quantidades pescadas de cada espécie, ao ano, bem como informação sobre as pesqueiras e o número de pesqueiras no ativo. É com esta informação que Antero Leite (1999) faz um levantamento quantitativo e qualitativo, a nível económico e social, das pesqueiras, em várias épocas e, quanto ao número e nome das pesqueiras, até aos anos 90 do século XX. Dos dados levantados por Antero Leite, podemos verificar que uma percentagem significativa dos registos (85%) acontece entre 1897 (427 pesqueiras) e 1900 (no total 564; ou seja, nos três primeiros anos após a regulamentação. O último registo acontece em 1942, com o número 664. Já no início do século XX (1903) se verifica um número significativo de pesqueiras (327) divididas por grupos de consortes, e entre estas, 46,8 % pertencem a grupos grandes de consortes, sendo que apenas temos 11 proprietários individuais, com o número de 75 pesqueiras (14,7%) (cf. Leite 1999: 116). Os proprietários registados, e os detentores de quinhões, entre os quais se destacava o coproprietário com melhor quinhão e que titulava a pesqueira registada, dominam, quanto ao número, a posse das pesqueiras. Alguns grupos tinham um número significativo de pesqueiras. Veja-se, por exemplo, o caso citado por Antero Leite (1999: 117), de haver em Cristóval um grupo com 66,7 % das pesqueiras da freguesia. Verifica-se, também, a existência de grupos de consortes que tinham pesqueiras em diferentes freguesias, para maximizar as possibilidades de pesca, a cada dia, tendo em conta as características de cada pesqueira, do leito e cotas do rio e seu local de implantação. Com o tempo, em razão da herança entre vários herdeiros, alienação de quinhões, venda, etc., a propriedade das pesqueiras foi sendo sucessivamente dividida em múltiplos quinhões, principalmente nas pesqueiras com vários piais e respetivos caneiros, onde, no mesmo dia, se podiam armar várias armadilhas de pesca. Constata-se que a permanência de proprietários individuais era mais comum onde as pesqueiras tinham um só corpo. Por sua vez, havia outras, por razões não apuradas totalmente (mas que se poderiam supor estarem ligadas ao aumento de subdivisão exagerada de quinhões ou não registadas, para não pagarem impostos) em que os proprietários dos quinhões não eram (oficialmente) conhecidos. Algumas eram dadas como ‘abandonadas’ há mais de 40 anos! Não havendo proprietários registados, passaram algumas pesqueiras, em 1940, para a Fazenda Nacional, e foram vendidas, num processo não muito transparente (Leite 1999: 122-123), a outros proprietários. Sendo a propriedade das pesqueiras, na sua grande maioria, constituída por coproprietários, em regime de consortes, donos de diferentes quinhões, não só havia que registar e pagar as respetivas licenças administrativas, mas proceder-se às necessárias e sempre constantes reparações, ou seja, na sua manutenção. Esta situação tinha (e tem) resultados ambivalentes: em primeiro lugar, obrigava cada consorte a contribuir para as licenças e obras, segundo a percentagem que lhe cabia, conforme a parte do quinhão possuído, o que frequentemente causava algumas disputas, conflitos e problemas no pagamento; em segundo lugar, tratando-se de vários consortes que poderiam estar, alguns deles, ao mesmo tempo na pesqueira, para armar o seu botirão na boca de um dos caneiros, isso fortalecia a entreajuda e colaboração, tanto no armar da pesqueira, como na recolha das artes de pesca. Esses laços fortaleciam-se com o tempo e criava entre eles um ‘espírito de corpo’, que ainda é verificável atualmente entre os pescadores. A situação contemporânea da posse e uso das pesqueiras é sucedânea deste processo dinâmico de herança, venda ou alienação de quinhões de pesqueiras. A relativa perda de interesse de muitos dos proprietários de quinhões das pesqueiras ativas tem levado a que estes cedam o direito de pesca a pescadores familiares, amigos, a alguns mais apaixonados e com mais experiência de pesca, dentro de relações de família, de vizinhança ou, simplesmente de amizade, num sistema de reciprocidade de certos favores, ou, simplesmente, da retribuição, em cada época de lampreia ou sável, com algum do pescado. Apresentamos em Anexo (ver PDF: “Registo de Posse de Pesqueira portuguesa”), um grupo de consortes, junto com os documentos oficiais de registo e pedido de licenciamento de pesca. A evolução histórica das artes de pesca acompanha a disponibilidade dos diferentes materiais para as redes e armações de pesca. O uso de materiais naturais para armar, como paus de vime e de salgueiro e para as redes, como fios naturais de linho e lã, usaram-se até bem tarde. As redes de nylon só chegam em 1938. Já a armação tradicional em vergas de madeira chegou bem até nós, com as nassas. Ainda há poucos anos vimos utilizar nassas, no rio Lima e Minho. A armação em ferro e vergas de ferro do botirão substituiu a armação em madeira e em varas de madeira. Esta substituição fez com que aumentasse a durabilidade das armadilhas e a segurança da pesca. A utilização das redes seguiu as outras artes de pesca, como as redes de emalhar simples. No Aquamuseu do rio Minho, em Vila Nova de Cerveira, podemos ver alguns exemplares deste tipo de artes de pesca usados no rio Minho, entre os quais temos as nassas de vergas, os botirões e as cabaceiras.
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  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direitos de propriedade intelectualO AECT Rio Minho efetuou as necessárias diligencias com vista a assegurar a devida identificação e respeito pelos direitos de propriedade intelectual que recaem sobre a documentação referida no Anexo 2. Documentação. Fundamentação do pedido de inventariação / 2. Documentação da relevância da manifestação, nomeadamente a documentação bibliográfica, fotográfica, videográfica, cartográfica e outra documentação escrita.
    Direito à imagemO AECT Rio Minho através da equipa de trabalho, efetuou as necessárias diligências para que os espécimes fotográficos e fìlmicos integrantes do presente Pedido de Inventariação observem o devido respeito pelo direito a` imagem dos indivi´duos neles retratados. Todos os inormantes foram convidados a participar, com a informação de que podiam dar ou não autorização para s emencionar os seus nomes no processo de investigação. Também foram informados de que se garantia o anonimato nas declarações em que pedissem esse anonimato. As declarações mantidas em vídeo, estão autorizadas pelos participantes, os quais foram informados do destino desta investigação. Este acordo foi verbal, aquando da realização das fotos e filmagens, informando-se os indivíduos dos futuros usos das mesmas.
    Proteção de dados pessoais O AECT Rio MInho efetuou as necessárias diligências para que toda a informação constante do presente Pedido de Inventariação, independentemente da sua natureza ou suporte, e designadamente no âmbito do disposto no artigo 29º do Decreto-Lei no 139/2009, de 15 de junho, observe o disposto na legislação aplicável em matéria de proteção de dados pessoais.
    Declaração de compromissoAnexa-se, a este Pedido de Inventariação, em suporte digital e formato PDF, a Declaração de Compromisso do AECT Rio Minho, atestando a veracidade dos factos e motivos expostos no presente Pedido de Inventariação.
    Pedido de inventariação e procedimentoA apresentação deste pedido de inventariação e´ da responsabilidade do AECT Rio Minho, tendo sido elaborado através de Álvaro Campelo, Doutorado em Antropologia pela universidade Paris IV, Sorbonne, integrando a equipa técnica da empresa Coletivo Criatura, sediada em Poiares, Ponte de Lima. Foi responsável pela constituição do processo e pela produção dos conteúdos audiovisuais que fundamentam o referido pedido. Colaboraram na constituição deste pedido, na qualidade de realizador dos Documentários, o Mestre Tiago Pereira, com o contributo do senhor Venâncio Fernandes para a escolha dos intervenientes. O trabalho obteve ainda a colaboração das autarquias de Monção e Melgaço (Portugal), As Neves e Arbo (Espanha), os técnicos do AECT Rio Minho, e o responsável pelo AquaMuseu do Rio Minho, Dr. Carlos Antunes. Colaboraram também as Associações de Pescadores de Monção e Melgaço e Presidentes da Junta das freguesias raianas, junto com vários pescadores, que prestaram o seu testemunho, os quais foram devidamente informados quanto ao destino da informação recolhida. A estes foi-lhes dada plena liberdade de se escusarem a participar, em qualquer momento das entrevistas ou do andamento do processo de inventariação. O procedimento deste projeto de inventariação decorreu entre os anos de 2018 e 2020, com dois anos de trabalho de terreno, sendo que o terceiro foi impedido pela epidemia COVID-19. Iniciou-se o projeto com a programação da recolha de informação junto dos responsáveis institucionais. A partir do apoio destes, contataram-se alguns pescadores de ambas as margens do rio Minho que, por sua vez, nos introduziram dentro das atividades de vários grupos de pescadores. Foi com estes pescadores que frequentamos tanto os lugares das pesqueiras como as casas familiares onde se tratavam as lampreias e se apresentaram as diferentes receitas gastronómicas. Após a recolha de terreno, procedeu-se à elaboração dos documentos previstos na lei, e à introdução dos mesmos na plataforma Matriz.
    Recolha e tratamento da informaçãoO processo de recolha para identificação, estudo e documentação de que resulta o presente Pedido de Inventariação da Pesca nas Pesqueiras do rio Minho foi efetuado, ao longo do ano de 2018, 2019 e 2020, com recurso a trabalho de campo, com metodologia etnográfica. Antes da primeira abordagem ao trabalho de campo, fizemos um levantamento da principal bibliografia existente sobre esta temática e sobre a produzida especificamente sobre as pesqueiras do rio Minho. Depois, ao longo do tempo fomos contatando com os pescadores em diferentes locais (casa familiar, locais de convívio e junto do rio e das pesqueiras). Foi particularmente escolhido o tempo de pesca da lampreia, que decorre nos meses de fevereiro, março e abril, de cada ano. Em vários dias acompanhamos os pescadores para armar as artes de pesca (botirão e cabaceira), primeiro, e para as recolher, depois, o que acontece em duas ocasiões do dia: de madrugada, ainda de noite, com partida para as pesqueiras por volta das 5 horas da manhã; e de tarde, ao final do dia, por volta das 18h. Sempre que se recolhe a arte de pesca, deixa-se depois a mesma armada para o segundo momento, ou seja, a pesca da manhã é o resultado da armação da tarde, e a da tarde resulta da armação da manhã. Durante este tempo interrogamos os pescadores, solicitamos informação conforme se desenvolviam as atividades e registávamos as conversas mantidas entre eles, onde passavam os nomes e as ‘artes de fazer’ a pesca. Era quando permanecíamos mais tempo junto do rio que surgiam as conversas sobre o espaço ecológico, as condições do rio e os problemas que os pescadores enfrentavam, principalmente com as leis, as autoridades e o poder das barragens. Organizamos seis sessões para gravação audiovisual de entrevistas, para as quais convidamos pescadores de Portugal e Galiza. Durante o tempo de pesquisa visitamos, para recolha de informação, dois museus dedicados ao rio Minho e à pesca da lampreia, em Vila Nova de Cerveira e em Arbo. Durante o trabalho de terreno fizemos o registo das nossas notas de campo e construímos o diário de campo, onde recolhemos informação que nos ajudaram, primeiro, a construir o campo temático do nosso instrumento de trabalho principal, que foram as entrevistas abertas e as entrevistas semi-orientadas, e, segundo, a confrontar os dados recolhidos através da nossa observação de terreno, com os dados fornecidos verbalmente pelos informantes e os constantes na bibliografia. Ao longo do tempo de pesquisa fizemos registo fotográfico e vídeo; realizamos um levantamento de todas as pesqueiras existentes (ativas e não ativas) por georreferenciação; continuamos a recolher informação bibliográfica; e fizemos recolha documental histórica, presente em publicações que trataram os Tombos e Cartulários medievais dos mosteiros, sendo que outra foi levantada em arquivos e junto da Capitania de Caminha e Comando Naval de Tui. Para o tratamento da informação recolhida usaram-se dois instrumentos de análise qualitativa: análise crítica, documental e histórica da diplomática, e da informação bibliográfica da histórica e etnográfica; análise de conteúdo das entrevistas aos pescadores. Usou-se somente uma análise quantitativa para tratar a informação sobre o número de pesqueiras. 8.2. De acordo com o definido pela Portaria no 196/2010 de 9 de abril, especificamente o constante do artigo 8, que diz respeito ao cumprimento dos requisitos em habilitações académicas e curriculares dos responsáveis pela elaboração de pedidos de inventario, o estudo e documentação das Pesqueiras do rio Minho resulta do trabalho desenvolvido no terreno por Álvaro Campelo, doutorado em antropologia, ao longo de 2018, 2019 e 2020, do que resultou a organização e formalização do pedido de inventariação, e a produção de conteúdos audiovisuais de suporte a todo o processo, da responsabilidade da empresa Coletivo Criatura, e cuja conceção respeita os princípios adequados a` utilização de meios audiovisuais em contexto de investigação na área das ciências sociais. O Professor Álvaro Campelo, antropólogo, Doutorado pela Sorbonne Paris IV, há já vários anos realiza trabalho de campo nesta região, tocando temas como a organização simbólica do espaço (Campelo, 2010a; 2013; 2017), bem como sobre o mundo lendário (Campelo, 2002b; 2002c). Para além disso, no que respeita ao tema da pesca da lampreia, com outras artes, desenvolveu pesquisa na foz do rio Cávado (Campelo, 2002a), e na foz do rio Lima (Campelo 2018). A temática dos rios, das obras hidráulicas e políticas da água desenvolveu-as no livro Dos Serviços Hidráulicos a` ARH do Norte, IP (Campelo, 2010b). Colaborou na pesquisa o mestre Eng. Tiago Pereira, licenciado em engenharia ambiental pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo e com mestrado em engenharia de reconstrução e renaturalização de rios, pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Tem já experiência sobre os ecossistemas ribeirinhos e sua sustentabilidade e recuperação. Juntaram-se as metodologias etnográficas e antropológicas com as das ciências naturais, dada a especificidade do contexto desta expressão cultural imaterial. Anexamos o CV dos dois principais investigadores que construíram esta inventariação.
    Direito consuetudinárioOs detentores dos direitos culturais da Pesca nas Pesqueiras do Rio Minho são os proprietários e pescadores que mantêm as pesqueiras.
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Álvaro Campelo Martins Pereira
    Função: Coordenador do Projeto
    Data: 2019/02/01
    Curriculum Vitae
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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