Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2020_001
  • Domínio: Práticas sociais, rituais e eventos festivos
  • Categoria: Conceções e práticas mágico-religiosas
  • Denominação: Culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé
  • Outras denominações: Mãe Soberana (de Loulé e dos Louletanos) (da Piedade), Mãe Santíssima da Piedade, Rainha de Loulé, Padroeira de Loulé.
  • Contexto tipológico: Manifestação religiosa que se insere no tipo de culto Mariano, característico da prática cristã global que tem grande expressão na cultura portuguesa, e que presta devoção a Nossa Senhora da Piedade, expressão da temática bíblica onde surge Maria no mistério da paixão e morte de Jesus, de modo particular no momento em que o seu corpo é descido da cruz e colocado no regaço de sua mãe.
  • Contexto social:
    Comunidade(s): População do concelho de Loulé
  • Contexto territorial:
    Local: Freguesias: Almancil, Ameixial, Alte, Boliqueime, Quarteira, Salir, São Clemente, São Sebastião, e União de Freguesias de Benafim, Querença, Tôr – Concelho de Loulé.
    Concelho: Loulé
    Distrito: Faro
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Algarve \ Algarve
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: Ver caracterização desenvolvida.
    Data(s): Ver caracterização desenvolvida.
  • Caracterização síntese:
    O Culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé – Mãe Soberana dos Louletanos consiste num conjunto de práticas religiosas, inseridas no âmbito doutrinário da Igreja Católica, em redor da veneração a Nossa Senhora da Piedade. Esta tradição tem expressão em Loulé desde, pelo menos, o século XVI, sofrendo alterações ao longo dos tempos.

    Presentemente esta manifestação mantém o culto à Imagem, que se encontra durante a maior parte do ano na sua ermida (séc. XVI), localizada num cerro à entrada sudoeste da cidade. Esta ermida faz parte de um complexo maior, que foi edificado no decorrer do século XX, e que é composto por uma moderna igreja, uma casa de velas e alguns complexos de apoio, a que se chama santuário.

    Considerada uma manifestação religiosa de grandes dimensões, ela expressa-se na devoção quotidiana dos seus fiéis, orientada ao longo do ano pelos rituais comuns à pratica da religião católica, e atinge o seu apogeu na celebração das Festas em honra da invocação Mariana a que nesta se presta culto – Nossa Senhora da Piedade. No seu dia a dia os fiéis deslocam-se à Sua ermida, a Ela consagrando as suas orações e colocando-Lhe os seus pedidos, participando da missa na igreja nova ou ali celebrando importantes momentos de passagem nas suas vidas. No Domingo de Páscoa realiza-se a primeira das Festas em Sua honra, a Festa Pequena, onde a Imagem é conduzida aos ombros de oito dos dez Homens do Andor, até à Igreja de São Francisco na cidade. E aqui fica durante os quinze dias que se seguem, para vigília e veneração dos seus fiéis, que diariamente lhe prestam homenagem. Durante este período realizam-se nesta igreja uma série de missas temáticas que dinamizam e incluem grande parte da comunidade, mas também outras atividades como concertos em honra de Nossa Senhora da Piedade. É uma altura de grande alegria e participação religiosa, aproximando os devotos do transcendente e fazendo-os sentir agraciados pela presença da Imagem de Nossa Senhora da Piedade. No terceiro Domingo de Páscoa dá-se a Festa Grande, que se estende ao longo do dia com diferentes momentos de celebração religiosa, terminando com o emotivo regresso da Imagem à sua ermida no cimo do Cerro da Piedade, sempre conduzida pelos Homens do Andor.

    Este culto é parte importante da identidade dos habitantes deste concelho, atravessando diferentes gerações e dimensões sociais da comunidade. Os valores, crenças, práticas tradicionais e experiências a este associadas são parte fundamental do seu património cultural, continuando de geração em geração a confirmar a pertença dos seus elementos a esta comunidade. Sendo uma manifestação praticada pela comunidade para a comunidade, ela confere agencialidade na construção da identidade da mesma. De forte índole popular, e apesar de intimamente ancorada à dimensão eclesiástica, apresenta elementos profanos que lhe conferem um caráter distinto.
  • Caracterização desenvolvida:
    O Culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé – Mãe Soberana trata-se de uma manifestação religiosa complexa, cuja prática é fundamentalmente coletiva mas que tem também uma importante expressão individual. Ele está mais presente no quotidiano dos louletanos, mas o seu alcance estende-se a todo o concelho e até para fora dos seus limites. As diversas práticas que o constituem acontecem ao longo do ano, embora culminem numa altura muito específica, quando se dão as celebrações em honra de Nossa Senhora da Piedade. O seu caráter popular expressa-se na forma bairrista com que os membros da comunidade se identificam com o mesmo, considerando-o uma parte fundamental da sua identidade, mas também na forma como a dimensão ortodoxa coabita com uma dimensão profana e de apropriação do religioso, que vai para além de alguns cânones comuns a outros cultos homólogos. Esta última é perceptível na alegria e caráter efusivo que caracteriza as Festas e que é um marco próprio da mesma e motivo de orgulho para os detentores desta tradição.


    Um culto que nasce com a gente

    Quando questionados acerca das suas memórias mais antigas sobre a Mãe Soberana, muitos louletanos têm dificuldade em indicar um momento inicial de contacto com o culto, dizendo que “são muitas memórias, que começam muito cedo” ou “oh, então isso é desde que nasci!”. O culto faz parte do processo de socialização de muitas crianças na comunidade, diz-se que muitos desenvolvem essa vontade por si próprios: “O meu neto pequenino adora ir à Nossa Senhora, um dia destes chorou tanto, tanto, que a mãe teve que o levar já era noite tardia”. Outro devoto lembra-se de ir sozinho, enquanto adolescente, assistir à descida de Nossa Senhora de sua ermida durante a Festa Pequena. Nas palavras dos próprios louletanos: “É uma parte muito importante da identidade louletana, se calhar é a coisa mais louletana que há.”; “O culto da Mãe Soberana é uma fé espontânea.” ou ainda “A Nossa Senhora da Piedade é Louletana... está tudo dito.”
    Este caráter intrínseco expressa-se no dia a dia, “a gente está sempre falando na Nossa Senhora e com a Nossa Senhora”, fotografias ou postais da Imagem encontram-se nos quartos, nas salas, nas carteiras pessoais, calendários nas repartições púbicas, lojas e cafés. Esta presença é visível no próprio património edificado da cidade, existindo uma Rua de Nossa Senhora da Piedade que faz a ligação do largo de São Francisco até à entrada da ladeira, uma sua perpendicular chamada Rua Homens do Andor Mãe Soberana, e uma Rotunda Homens do Andor, a meio da primeira rua, que exibe no seu centro uma escultura de homenagem a este grupo. Nossa Senhora da Piedade foi ainda feita padroeira da Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico nº1 de Loulé, que passou a chamar-se Escola Básica do 1º Ciclo Mãe Soberana.
    O culto está presente na tradição oral desta comunidade, havendo três lendas relacionadas com o mesmo. Esta é também objecto de atenção literária pela escritora Lídia Jorge, natural do concelho. A poesia popular é ainda rica em testemunhos sobre o culto, havendo vários louletanos que se dedicam à escrita de quadras. Na época das Festas há quem cole a sua poesia nas paredes da rua das lojas. As mais famosas porém, são da autoria do conhecido poeta algarvio António Aleixo (1889 – 1949). De autoria desconhecida é o Hino à Mãe Soberana, tradicionalmente cantado no final das missas solenes em honra de Nossa Senhora da Piedade e sempre na presença da Imagem:


    Ó doce Mãe da Piedade,
    Ó Maria Imaculada,
    Sede para sábio e rude
    A nossa mãe muito amada.
    (refrão)


    Sede a nossa Protetora,
    Ó doce Virgem Maria.
    Sede a Rainha, Senhora,
    Da nossa terra algarvia.


    Sede a nossa Mãe Soberana,
    Nossa esperança, amparo e luz.
    Sede a Guia carinhosa
    Que pobres e cegos conduz.


    Terra de Santa Maria,
    Ó bendita Mãe de Deus,
    Todo o povo em vós confia.
    No mar, na terra e nos céus.


    Recentemente foi criada uma página de Facebook por um dos devotos das gerações mais novas, com o intuito de divulgar a tradição da sua terra, a pessoas que não a conheçam. A página acabou por ter uma utilização muito grande fundamentalmente por parte dos próprios louletanos: “as pessoas sentem essa necessidade de partilhar constantemente a sua devoção, e a internet é um bom lugar para isso”. Para além disso, “a página criou também uma vertente de recordar memórias passadas, muita gente que inclusivamente emigrou para outros sítios e que recorda com muito carinho a Mãe Soberana. Para além disso tem sido muito útil também para informar as pessoas em relação ao horário das missas ou ao programa das Festas, as pessoas dirigem-se à página e perguntam diretamente.” A vontade de perpetuar e atualizar o culto está também na origem desta iniciativa.
    Por continuar a ser produzido pela população, para a população, o culto mantém-se dinâmico. O pároco local, representante de uma geração jovem do clero, reconhece isto e considera-o um factor de vitalidade: “O culto não é estático, vai sofrendo alterações. Isso vê-se na forma como determinadas dinâmicas sociais têm influência na participação das pessoas, mas também nas mudanças em relação ao programa das Festas, há sempre pormenores que se vão introduzindo, para que a Festa também não caia numa rotina.”


    A Mãe de todos os louletanos

    O Culto a Nossa Senhora da Piedade – Mãe Soberana é uma denominador comum na identidade louletana, sendo uma das características sublinhadas por muitos o facto de à volta deste se congregarem diferentes gerações e estratos sociais. Outra das intenções expressas pelo pároco local, ao promover o carácter dinâmico do culto tem também a ver com esta componente inclusiva:

    “Ao manter o culto aberto a alterações ou introdução de novas práticas pretende-se que todos os momentos sejam o mais aproveitados possível e também no sentido da inclusão de todos os louletanos. Por exemplo, no ano passado, durante a novena por altura das Festas associamos diferentes profissões a cada missa. Quando se dão este tipo de alterações é sempre no sentido de incluir mais gente e fazer sentir sempre a todos que a festa é sua, que a festa não é só daqueles que estão mais ligados à sua organização, não, a festa é de todos e todos têm lugar. Quando este ano decidimos incluir o desporto é para que também os desportistas participem. Se calhar não são pessoas que saibam rezar, se calhar não são pessoas que tenham hábito de ir à igreja, mas são pessoas que com certeza no dia da Festa aparecem e que podem com o seu desporto tornar a Festa mais cheia, mais bonita, e sentir a Festa como sua. O objectivo é sempre este: que todos se sintam parte ativa e pertença da Festa.”

    Esta retórica inclusiva é expressa pelos louletanos no sentimento em relação a Nossa Senhora da Piedade enquanto mãe de todos eles. Muitos dizem sentir uma união muito grande da comunidade, no dia da Festa Grande: “Naquele dia todos são iguais, todos são filhos de Nossa Senhora, todos têm o mesmo objectivo comum, o de celebrar esta graça e de focar a sua energia para que Nossa Senhora chegue à Sua ermida e para que por mais um ano, a tradição se cumpra.” Batizados e não batizados, praticantes e não praticantes, todos participam nem que seja com um “Viva!”, cantando o Hino, ou simplesmente estando presentes. Este sentido comunitário encontra-se na intenção expressa nas homilias realizadas durante as muitas missas da época das Festas, mas também no discurso popular. Ele caracteriza-se pelo apelo à ajuda ao próximo, pela prática do bem e da amizade na comunidade, expressões do amor materno de Nossa Senhora da Piedade. É também assim que os fiéis descrevem a sua devoção. Esta ligação maternal a Nossa Senhora da Piedade, que o pároco local caracteriza de umbilical, expressa-se na denominação carinhosa de Mãe Soberana, pelo qual os seus devotos A tratam: “Eu quando cá cheguei dizia: Nossa Senhora da Piedade rogai por nós. E depois apercebi-me que de facto o que enchia o coração do louletano era Mãe Santíssima da Piedade, nossa Mãe Soberana, rogai por nós. (...) Há aqui uma relação umbilical, de mãe para filho! No fundo é isso. É a mãe, é a mãe. Mas neste caso o cordão umbilical nunca foi cortado e há esta dependência de Nossa Senhora.”
    Estes sentimentos estão de alguma forma expressos num dos elementos que mais distingue as celebrações relativas a este culto de outras homólogas. Este é o espírito alegre e festivo com que se revestem. As procissões durante as Festas são repletas de efusão, com os presentes largando “Vivas!” a Nossa Senhora, aos Homens do Andor e à Filarmónica. Tais emoções são ainda mais manifestas no momento da Festa Grande em que a Imagem de Nossa Senhora da Piedade é conduzida pelo troço final do percurso, a caminho da Sua ermida. Para isto contribui grandemente o facto de este se dar pela íngreme ladeira de acesso ao complexo do santuário, fazendo da sua subida um ato de grande provação física e de devoção religiosa. Todos se juntam a dar força aos Homens do Andor, cada “Viva!” é também uma intenção de os ajudar. É dito comum, e os Homens do Andor confirmam, que sem a força dos devotos a missão não se cumpriria.
    Outro exemplo da forma como o culto reúne os louletanos em torno de causas comuns é o da fundação do Agrupamento de Escutas da cidade, em que o então chefe viu a atribuição do patronato a Nossa Senhora da Piedade como uma forma de conceder longevidade ao projeto. Ou ainda a organização de membros das comunidades imigrantes em torno do culto, que contribui para a sua integração na sociedade de acolhimento.


    Ao longo do ano

    A ubiquidade de Nossa Senhora da Piedade na vida dos seus devotos expressa-se coletivamente numa série de celebrações que por um lado preenchem todo o ano e por outro estão ligadas a diferentes dimensões da vida da comunidade, não só a vida familiar, mas também institucional.
    O referente espacial à volta do qual estas celebrações tomam lugar é o do complexo do Santuário de Nossa Senhora da Piedade, situado num cerro à entrada a sudoeste da cidade de Loulé. Este é composto pela ermida setecentista que alberga a Imagem de Nossa Senhora da Piedade, e pela igreja nova que é de maiores dimensões e foi construída no decorrer do século XX. Anexa a esta foi também construída uma casa das velas, para substituir a prática antiga de as acender dentro da ermida, evitando assim a sua danificação pelo fumo. Aqui colocam-se os pedidos a Nossa Senhora da Piedade, fazem-se votos de melhoras, pede-se a Sua proteção, a Sua ajuda para um exame final, ou acende-se a vela simplesmente pela alma de um ente falecido.
    A espacialidade deste complexo torna-se importante para a caracterização do culto, no sentido em que o seu lugar elevado concede a quem se encontra no mesmo, olhando em redor, uma posição de certa elevação espiritual, e a quem com o olhar o encontra ao longe, um marco de orientação e conforto. Desta forma o descrevem aqueles que com ele se cruzam no seu quotidiano, como por exemplo: “O santuário é a primeira coisa que procuro, quase que inconscientemente, ao aproximar-me de Loulé, é o primeiro sinal de que cheguei a casa.” Algumas pessoas, não necessariamente crentes ou praticantes, descrevem ainda frequentar o local como forma de meditação devido à paz que ali descrevem sentir. É ainda fundamental referir a ladeira empedrada que lhe dá acesso pedonal pela parte da frente, sendo complementada por um acesso alcatroado nas traseiras do complexo, e que é a via preferida para quem se desloca a pé. Ela assume mesmo um caráter algo probatório da fé, constituindo a sua subida elemento de promessas a Nossa Senhora da Piedade. Com uma inclinação de aproximadamente 15,45%, a sua descida e subida durante, respectivamente, a Festa Pequena e a Festa Grande, torna esta parte da condução da Imagem no pesado andor numa prova de esforço para os Homens do Andor e para muitos o ponto alto da Festa Grande. No início desta existe ainda um pequeno fontanário, hoje em dia seco e tapado, onde alguns devotos ainda acedem velas ou nas paredes do qual inscrevem os seus pedidos a Nossa Senhora da Piedade. A este local está ligada também a Lenda da Senhora da Piedade, que fala de uma pequena gruta que o saber popular associa ao mesmo.
    O complexo encontra-se aberto à oração semanalmente, com exceção da segunda-feira, sendo mais habitual encontrar fiéis rezando à Imagem na ermida do que na igreja nova, onde se encontra apenas uma réplica moderna da mesma. No entanto, é junto a esta última que por questões práticas são depositadas flores oferecidas por devotos a Nossa Senhora da Piedade, ou ainda réplicas de órgãos em cera, seguindo o costume comum a outros locais de fazer acompanhar os pedidos de melhoria de saúde por tais objetos. A ermida só ganha uso diferente, para além do da oração e meditação dos fiéis, no contexto das Festas. No santuário celebra-se normalmente a eucaristia ao sábado de manhã e ao domingo à tarde, excepto durante o período das Festas. É aqui também que se celebra a missa de Ano Novo da diocese, desde que em 2010 o bispo do Algarve decretou que a mesma deixaria de ser celebrada na catedral da Diocese, em Faro, fazendo do Santuário de Nossa Senhora da Piedade, a catedral do Algarve nesse dia. “É um dia em que o santuário está sempre cheio, é o agradecer do ano que passou e o entregar do que começa”, comenta o pároco local. No final de Janeiro, o mesmo local recebe a Semana da Família cujo ponto alto é a bênção dos bebés. No ano de 2015 recuperou-se a tradição de deitar a criança no altar da ermida, diante da Imagem de Nossa Senhora. A vontade de ver os seus filhos abençoados sob a égide de Nossa Senhora da Piedade leva pais de vários pontos do Algarve, e não só do concelho de Loulé, a participar nesta celebração. De modo similar, também para a bênção dos noivos, acorrem casais de outras paróquias. Durante o ano são ainda realizadas uma série de peregrinações até ao local, sendo que aquelas que são organizadas em conjunto com a paróquia de São Sebastião, são normalmente oficializadas com a celebração de missa ou recitação do terço.
    O ponto alto do culto a Nossa Senhora da Piedade dá-se durante as duas semanas em que acontecem as celebrações anuais, que têm início no Domingo de Páscoa. Os preparativos, e alguns eventos relacionados com as mesmas começam a acontecer um pouco antes. Em 2015 os alunos da escola primária que tem como padroeira Nossa Senhora da Piedade foram visitados por membros da Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva e dos Homens do Andor, que lhes falaram sobre as suas experiências de participação nas Festas. Os mesmos alunos realizaram ainda uma visita ao santuário, onde aprenderam alguns pormenores ligados ao culto, e foram convidados a realizar trabalhos no âmbito das artes plásticas que representassem as suas visões do culto. Estes estiveram expostos numa ala anexa à exposição A Força do Andor, que mostrou alguns dos resultados de um projeto de cinema documental em curso sobre algumas dimensões do culto. Esta exposição esteve patente ao público durante o período das Festas, à qual se juntou uma outra no mercado municipal, exibindo programas de edições passadas dos festejos.
    Na semana que antecede a Festa Pequena, os sinais da sua aproximação começam a ser visíveis nas ruas de Loulé: os vizinhos comentam a prontidão com que as obras no Largo de São Francisco, onde se situa a igreja do mesmo nome e que alberga a Imagem de Nossa Senhora da Piedade durante os quinze dias em que decorrem as celebrações, se terminam atempadamente; nas ruas a este anexas são colocados enfeites luminosos, bem como no santuário; nas montras da rua das lojas aparecem referentes à Mãe Soberana: um pano bordado com a Imagem ou sua insígnia, um postal ou um painel de azulejos com a sua representação, uma réplica da Imagem, medalhões de ouro ou de porcelana pintada; os cartazes anunciando as Festas encontram-se um pouco por todo o lado.
    Outras dimensões menos visíveis desenrolam-se ao mesmo tempo nos bastidores: o poder local e as forças de segurança preparam os últimos detalhes para que as procissões decorram dentro da normalidade, os repertórios musicais que a Sociedade Filarmónica interpretará são ensaiados, os Homens do Andor completam os seus treinos de preparação física, o pároco confirma os últimos detalhes do programa e distribui o guião pelos diferentes participantes na organização das várias eucaristias a celebrar durante as duas semanas das Festas. No Domingo de Ramos, uma semana antes da Festa Pequena, os Homens do Andor reúnem-se no santuário para proceder à chamada “experimentação” do andor. Este é trazido para o exterior do santuário, os seus membros ensaiam o seu transporte no adro da ermida percebendo assim que afinações são necessárias relativamente à altura de cada um e com fim a uma distribuição equitativa do seu peso. A experimentação, realizada sob a instrução de um dos antigos membros, consiste na regulação da altura das oito posições do andor. Quando este processo está terminado, o andor é colocado sobre cavaletes no interior da ermida, ficando assim pronto para a sua “armação”. Na quarta-feira seguinte, as responsáveis por esta tarefa começarão por colocar na parte de cima do baldaquino as flores artificiais de amendoeira e preparam ainda a sua base para a colocação das flores naturais. No dia anterior à Festa Pequena, alguns dos membros dos Homens do Andor voltam a deslocar-se à ermida retirando a Imagem do seu nicho no altar da ermida, que é em seguida cuidadosamente limpa com leite e colocada no andor, também previamente limpo. O manto processional substitui aquele que enverga aquando no seu nicho e é dado forma por uma estrutura em esponja colocada por debaixo do mesmo. Desloca-se o andor do corpo da ermida para dentro do altar mor. Segue-se a colocação de ramos de tomilho e das flores naturais aos pés da Imagem, na base do andor. Na noite anterior também a Igreja de São Francisco tinha já sido ornamentada com as mesmas flores, preparando-a assim para os quinze dias de celebrações.


    A Festa Pequena

    Na manhã do Domingo de Páscoa um dos Homens do Andor, em conjunto com o pároco, substitui a coroa que habitualmente adorna a Imagem pela coroa festiva de prata, certificando-se de que tudo está a postos para as celebrações na parte da tarde. Às 16 horas os Homens do Andor concentram-se em frente ao lar da 3ª idade da Santa Casa da Misericórdia, à espera da Sociedade Filarmónica que sai a tocar da sua sede. Ao chegar, os músicos tocam uma vez a Marcha da Nossa Senhora da Piedade em frente ao lar, para agrado dos idosos que ali vivem. Inicia-se em seguida a marcha pelas principais artérias da cidade, em formação e a passo certo, em direção à Igreja de São Francisco. Os Homens do Andor seguem à frente, de acordo com as posições do andor e segurando as suas luvas na mão direita, imediatamente seguidos pelos músicos. Alguns devotos e populares acompanham a marcha entre os homens e os músicos, ou juntam-se-lhes nas alas ou traseira. Outros observam o cortejo dos passeios e varandas por onde este passa. A Marcha continua a ser tocada ininterruptamente até à chegada à igreja, que se encontra ornamentada com panos de damasco azul, bordados a dourado com as insígnias da Mãe Soberana. À chegada os Homens do Andor entram na igreja, dirigindo-se à sacristia para vestir a opa e pôr a orquídea na lapela, voltando a sair. A acompanhá-los vão outros três homens, fardados de igual modo mas que não pertencem ao grupo, encarregues de encabeçar a procissão com os ciriais, alfaias religiosas que consistem numa cruz processional e duas velas.
    Entretanto mais pessoas se juntam no adro da igreja, havendo um momento de socialização que em 2015 culminou com três dos membros dos Homens do Andor, que tendo sido pais recentemente, pegam nos respetivos filhos ao colo, e com eles voltam a entrar em formação preparando-se para continuar a caminhada até à ermida. As restantes posições são retomadas, um membro do clero segue agora entre os ciriais e os Homens do Andor, a Marcha volta a soar, e mais pessoas se juntam ao grupo. Outras esperam a sua chegada junto à ermida ou na ladeira de acesso ao complexo do Santuário de Nossa Senhora da Piedade. Ao chegar a esta os Homens do Andor entrelaçam os braços, numa manifestação do espírito de grupo. Começam a ouvir-se “Vivas!” aos Homens do Andor e à Sociedade Filarmónica. Todos se dirigem ao santuário, onde a solene recitação do terço começou às 16.30 e continua até às 17.00 horas. Ao terminar canta-se o Hino de Nossa Senhora da Piedade, e dirigem-se o pároco e os Homens do Andor até à ermida onde se encontra o andor já preparado. A população comprime-se dentro do pequeno espaço. O pároco posiciona-se perto do altar mor, junto à Imagem no seu andor, os Homens do Andor ajoelham-se à volta desta e o membro mais sénior profere algumas palavras. Pede a bênção e proteção a Nossa Senhora da Piedade, referindo em particular os bebés dos seus colegas mas estendendo o pedido para toda a comunidade. Solicita ainda a Sua ajuda na tarefa que têm em mãos, para que cumpram sem percalços a missão de conduzir Nossa Senhora.
    Por volta das 17.15 horas os Homens do Andor pegam no andor. A Imagem começa a ser conduzida fazendo o caminho inverso, até à Igreja de São Francisco, onde a missa começa às 18.00. Ao descer, a procissão toma a seguinte configuração: cruz processional, ciriais, alas de fiéis, pároco e restantes membros do clero e acólitos ao centro entre as alas, os dois Homens do Andor que empunham as tochas abrindo caminho para a Imagem, a Imagem conduzida pelos restantes oito que amparam a descida com os forcados que trazem na mão, alguns dos antigos membros deste mesmo grupo, a Sociedade Filarmónica, e restantes devotos. Muitos vão de braço dado, ou apoiam-se no ombro da pessoa à sua frente, para ajudar a manter o passo ritmado. A população torna os “Vivas!” mais fortes, e agora o “Viva a Mãe Soberana!” é o mais ouvido. Lançam-se alguns foguetes. Alguns acenam com pequenos lenços brancos. A marcha é momentaneamente parada em frente à casa de um antigo Homem do Andor, na Rua de Nossa Senhora da Piedade, em jeito de homenagem. Diz-se que foram os antigos que começaram esta tradição. A partir daqui formam-se duas alas e cria-se mais solenidade. Pára a Marcha da Nossa Senhora da Piedade e entram marchas processionais de ritmo mais solene. No entanto, os “Vivas!” não param e algumas pessoas jogam pétalas de rosa à passagem da Imagem. Ao aproximar-se da igreja os antigos Homens do Andor, que acompanham a marcha em volta da Imagem, substituem simbolicamente os atuais por pequenos momentos bastante emotivos. Há quem de entre os devotos diga que “esses é que sabiam dançar”, “antigamente havia mais arte, agora há mais força, antigamente dançava-se melhor” e ainda que “é um gesto bonito, fazer a ligação dos antigos e os novos, querer perpetuar a família dos Homens do Andor.” Ao chegar à igreja o celebrante da eucaristia espera à porta, em sinal de respeito à Mãe Soberana, há um momento em que os Homens do Andor viram a Imagem de frente para a população e “dançam” um pouco com esta ainda em ombros. É um momento de grandes “Vivas!” e em que se batem palmas. Pousa-se o andor em cima de cavaletes dentro da igreja, que são envoltos por uma pano azul de cetim. Este é posicionado do lado direito da coxia central, perto do altar-mor, onde ficará durante as duas semanas seguintes. Canta-se o Hino de Nossa Senhora da Piedade, seguido por mais “Vivas!” e às 18.00 horas dá-se a eucaristia solene da Páscoa da Ressurreição. No fim da missa volta-se a cantar o Hino de Nossa Senhora da Piedade, há quem o entoe quase que gritando, com grande devoção. Os Homens do Andor vão de novo em formação pelo centro da cidade, acompanhados pela filarmónica para receber agradecimento da população e agradecendo por sua vez aos músicos. As celebrações deste dia terminam com as últimas notas da Marcha, e com o agitar das opas, no Largo Doutor Bernardo Lopes.

    As duas semanas de “visita” de Nossa Senhora da Piedade à cidade de Loulé
    Durante o período em que a Imagem de Nossa Senhora da Piedade se encontra na Igreja de São Francisco, acontecem uma série de celebrações diárias em Sua honra, os devotos exultam com a Sua proximidade, a igreja ganha maior vida. Todos os dias está aberta desde as 8:00, até às 23.00 horas, sendo que depois do seu fecho há quem ainda ofereça mais algum do seu tempo para preparar a igreja para o dia seguinte e, sobretudo, compondo o arranjo floral do andor, certificando-se de que a Imagem continua composta. No período de segunda a sexta-feira a seguir à Festa Pequena o programa diário consiste na recitação do terço seguida de eucaristia às 9.00 horas e às 18.30, sendo que às 21.00 horas a recitação do terço é seguida da novena em honra de Nossa Senhora da Piedade, com pregação. Nestes momentos a igreja enche-se, mas durante todo o dia há sempre devotos, que no meio dos seus afazeres encontram uns momentos para ir rezar a Nossa Senhora da Piedade, alguns depositam flores aos pés do andor, ou ainda ofertas para os pobres. Durante as duas semanas, aqueles que por já serem idosos ou com dificuldades de locomoção não têm oportunidade de se deslocar frequentemente à ermida, podem mais facilmente encontrar-se na presença da Imagem.
    Em cada ano as celebrações têm uma temática diferente, relacionada com Maria. No ano de 2015 esta foi a seguinte: “Construindo com Maria a civilização do amor”. Esta temática é dividida em subtemas que presidem diariamente à celebração das novenas e a organização de cada uma delas é entregue a uma, ou mais, das diferentes zonas em que se dividem organizacionalmente as paróquias de São Sebastião e São Clemente. Em cada noite, os seus responsáveis escolhem e performatizam os cânticos e as leituras das Sagradas Escrituras durante esta eucaristia noturna, que termina sempre com todos os presentes na igreja a cantar o Hino de Nossa Senhora da Piedade e com a aclamação dos “Vivas!” a Nossa Senhora da Piedade. Para além disto as zonas realizam também um ofertório, que hoje em dia consiste em bens de primeira necessidade a ser distribuídos aos mais pobres, mas que antigamente eram bens agrícolas provenientes de cada zona. No fim de semana a seguir à Festa Pequena, para além dos mesmos momentos de celebração eclesiástica que acontecem durante a semana, existem ainda atividades complementares. No sábado realizou-se em 2015 um concerto em honra de Nossa Senhora da Piedade pelo Coro Polifónico de Castro Verde e Grupo Coral da Universidade Sénior de Loulé na Igreja de são Francisco e ainda um evento desportivo, entre o Convento de Santo António e o Santuário de Nossa Senhora da Piedade. Este consistiu numa crono escalada de BTT, em que os ciclistas subiram a ladeira de acesso ao complexo.
    No domingo a Igreja de São Francisco voltou a encher-se para aplaudir a Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva, que realizou um concerto com interpretação de temas variados, terminando emotivamente com a Marcha da Nossa Senhora da Piedade e mais “Vivas!”. Neste dia há uma eucaristia solene, animada por membros das comunidades imigrantes no concelho, que tal como os membros das zonas durante as novenas, têm a função de escolher e interpretar os cânticos e as leituras. Há um momento especial de ofertório por cada comunidade, e os seus membros percorrem a coxia da igreja ao som de música e entregando simbolicamente as bandeiras de cada país a Nossa Senhora da Piedade, enquanto o pároco faz a consagração dos diferentes povos à Sua proteção. Uma das organizadoras explica: “Portugal é o país que nos acolheu, então essa bandeira está sempre em primeiro, é a terra mãe, é o país que fez-nos sentir esse crescer da fé. Com as bandeiras vamos levar o ofertório (produtos para bebés, comida – é a nossa partilha com os outros. O que temos para partilhar), vamos colocar ao pé de Nossa Senhora e vamos pedir-Lhe que consagre esses países todos representados pelas bandeiras: Cabo-Verde, São Tomé, Ucrânia, Angola, Roménia, Brasil, Moçambique... Essas são as nacionalidades das pessoas que vivem aqui em Loulé, porque essa missa é para as pessoas que vivem aqui em Loulé. É para pedir a Nossa Senhora que proteja os imigrantes que aqui vivem, muitos no desemprego ou em condições desoladoras.” A presença do executivo camarário nas filas da frente da igreja como que confirma a homília, que celebra a inclusão destes imigrantes na comunidade e na partilha da fé através do culto a Nossa Senhora da Piedade. Outro momento de inclusão, promovido pela Câmara Municipal de Loulé, é o jantar dessa noite entre os elementos da Sociedade Filarmónica e dos Homens do Andor, em que se proferem discursos aclamatórios do papel de cada uma das partes nas Festas e se dirigem agradecimentos mútuos. O ambiente é alegre e de confraternização. O dia termina com um outro concerto na igreja, desta vez o músico Rão Kyao interpreta temas Marianos de autores portugueses.
    Na segunda, terça e quarta-feira seguintes, o esquema da semana anterior volta a repetir-se, com as recitações do terço e as novenas diárias. A partir da quinta-feira e até sábado celebra-se em vez das novenas, o tríduo solene em honra de Nossa Senhora da Piedade. Todos os anos, é convidado um pregador vindo de fora para presidir a estas três eucaristias e proferir a homília, sendo também este que preside à celebração da eucaristia da manhã no domingo seguinte e oficializa o término das celebrações no fim do mesmo dia, ao realizar a “pregação da chegada” no retorno da Imagem à ermida. O tríduo de quinta-feira é celebrado com os colaboradores paroquiais às 21.00 horas, na sexta-feira há a celebração dos doentes e idosos às 15.00 horas e a das famílias às 21.00. No sábado às 11.00 horas dá-se a homenagem das crianças do 2º ano da catequese, com a entrega do Pai Nosso, às 15.00 a homenagem das crianças do 1º ano da catequese, com a entrega da Avé Maria, às 18.00 horas a eucaristia com as crianças do 3º, 4º, 5º e 6º anos da catequese, e às 21.00 horas a celebração com os jovens. Durante estes três dias, os jovens membros dos Escutas e das Guias de Loulé realizam guarda de honra à Imagem de Nossa Senhora da Piedade no decorrer da eucaristia da noite. Esta é uma atividade que os jovens sentem como uma honra e em relação à qual comentam: “Há pessoas que choram em frente à Imagem, a agradecer pedidos que tinham feito e se realizaram. Há estudantes que vão deixar as fitas da Universidade no chão da igreja, para a Nossa Senhora abençoar”, ou ainda “Impressiona-me ver a devoção das senhoras mais velhas, quando na Igreja de São Francisco rezam em frente à Imagem. Hoje em dia já não estamos muito habituados a ver essas manifestações de fé, principalmente na geração dos jovens, que é a minha.” A última celebração do tríduo acaba com a homenagem do Clube Hípico de Loulé a Nossa Senhora da Piedade, em que uma criança cavaleiro entrega no altar algumas oferendas, enquanto à volta do adro da igreja vários cavaleiros e amazonas montados, ou em charretes, aguardam. Após o término da Missa, e do habitual Hino de Nossa Senhora da Piedade seguido dos “Vivas!”, o pregador convidado e o pároco local dirigem-se para o exterior e procedem à bênção dos cavaleiros e seus cavalos. Esta noite acaba tarde para aqueles que na igreja ficam a preparar o andor e a Imagem para o dia seguinte: esta sairá com novo arranjo floral a seus pés e ornada com a coroa de ouro e vários cordões e medalhões de ouro. Estes, tal como os diversos mantos que são parte do seu património, são ofertas dos seus devotos acumuladas ao longo de anos de graças concedidas.


    A Festa Grande

    O terceiro Domingo da Páscoa amanhece em Loulé sob grande entusiasmo. É o dia da Festa Grande, a celebração religiosa que para muitos louletanos é a mais querida do ano. Para os peregrinos que se dirigem de diversas localidades da serra concelhia, a pé, até à cidade, a alvorada foi cedo. Do Ameixial saiu-se às 3.00 horas da manhã, de Benafim, Tôr e Querença umas horas mais tarde. Os que vêm do sul, de Quarteira, têm menos que andar saindo por volta das 8.00 horas da manhã.
    Na cidade as celebrações começam com a eucaristia matinal na Igreja de São Francisco, pelas 10.00 horas. A igreja está repleta de fiéis, muitos ouvem-na do adro de igreja, através dos mesmos altifalantes que fazem a transmissão das novenas e do tríduo de preparação para a Festa. A estes começam a juntar-se os peregrinos de Quarteira, chegados da sua caminhada. Normalmente a eucaristia é oficiada, tal como no tríduo, pelo pregador convidado, mas no ano de 2015 tal não foi possível pois este fez questão de acompanhar os fiéis oriundos das sua paróquias, de Tavira, no caminho até à Festa. Em frente à Imagem, sentados nas primeiras filas, estão os membros dos Homens do Andor, a quem compete a leitura dos textos sagrados. Neste ano, a honra foi dada aos membros mais novos do grupo. A solene eucaristia foi então proferida pelo pároco local, que na homília exultou a alegria que se sentiu nas duas semanas decorridas por ter sido possível mais uma vez aos louletanos cumprir a tradição, e sublinhou a importância da participação em todos os momentos da mesma:

    “A Festa começa agora e nós temos de a testemunhar do princípio ao fim porque temos de falar do amor e da ternura de Maria, não só de uma parte da festa, não só do fim, mas de tudo. Porque a Festa tem este fim alegre e feliz, porque antes começou com uma novena, com uma Festa Pequena, com um tríduo, e tudo isso faz parte de uma Festa que tende a tocar e a mudar os nossos corações. Caríssimos irmãos, nós temos de ser as testemunhas de todas estas coisas e deixar com a mesma alegria, com a mesma responsabilidade, com a mesma coragem, às gerações vindouras, uma Festa digna, bela e alegre, como os nosso antepassados nos deixaram porque é graças aos seus testemunhos de fé, de tantos homens e mulheres de Loulé, que nós hoje podemos festejar e hoje podemos com alegria, com Maria Santíssima exultar e dizer com Ela ‘a minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito de alegra em Deus, meu Salvador, porque o Todo Poderoso fez em mim maravilhas’. Deus não se cansa de fazer maravilhas em nós e nós temos que testemunhar isto e temos que ensinar isto aos mais novos e temos que fazer com que amanhã os mais novos saibam dizer o que é a Festa da Mãe Soberana. É uma procissão, é uma Festa cheia de energia e de alegria, mas é antes e em primeiro lugar, uma Festa que prende o nosso coração ao coração da mãe, e com o coração da mãe todos nos apresentamos diante de Deus. (...) Caríssimos irmãos, continuemos a nossa Festa dando graças a Deus por tudo o que através de Maria Santíssima nos permite viver, e pedindo que hoje a Festa seja mais uma vez um ponto alto. Corrijo até, não um ponto alto mas o verdadeiro ponto alto desta cidade, porque Loulé só é Loulé pela Mãe Soberana. Viva a Mãe Soberana! Viva!”

    No fim desta concorrida e emocionada eucaristia, e após a última entoação do ano do Hino na Igreja de São Francisco, os Homens do Andor dirigem-se à sacristia para vestir a opa e colocar uma flor na lapela, os tochas pegam nas suas velas. Há nova oração feita pelo membro mais sénior Homens do Andor, com o grupo ajoelhado ao pés da Imagem de Nossa Senhora da Piedade. Repete-se o pedido de bênção para a comunidade feito na primeira oração, na Festa Pequena, convocam-se forças para a boa condução da Imagem neste dia. O pároco coloca as mãos sob as cabeças prostradas dos homens, abençoando-os. Os fiéis mais devotos ouvem com atenção, respondendo ao “Viva!” fervoroso proferido no final desta oração. Os ciriais saem em primeiro lugar, vão à frente da procissão. Alguém próximo do grupo dos homens pega nos forcados na sacristia, entregando-os a estes já no adro da igreja. Por volta das 11.30 o andor é trazido para fora da igreja, cá fora uma multidão espera já, realizando uma ovação acompanhada de muitos “Vivas!” à aparição da Imagem. Um outro hábito dos devotos da Mãe Soberana, presente em menor escala na Festa Pequena, faz-se notar: muitos lenços brancos são agitados à sua passagem. A Filarmónica convidada e os restantes participantes na procissão esperam em diferentes grupos e começam a organizar-se: primeiro os três homens que levam a cruz e os ciriais, seguindo-se as crianças da catequese, os estandartes processionais levados por fiéis – a quem em 2015 se juntaram alguns trazidos de Tavira representando as paróquias do pregador convidado, as Guias e os Escutas empunhando as respectivas bandeiras, o clero e acólitos, os tochas e restantes Homens do Andor conduzindo a Imagem, alguns dos antigos Homens do Andor, a Filarmónica convidada, e todos os devotos que desejem acompanhar a procissão. Entre este vão os peregrinos de Quarteira. Alguns destes, após chegar ao monumento ao Engenheiro Duarte Pacheco, para onde a procissão se dirige, voltam a percorrer as ruas da cidade em direção ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade, ponto de chegada dos peregrinos que vêm da serra.
    As varandas das ruas por onde passa a procissão exibem as tradicionais colchas, sinal de reverência à passagem da Santa Imagem. A Filarmónica entoa marchas processionais, os “Vivas!” multiplicam-se à Sua passagem. A procissão faz uma primeira paragem em frente à Câmara Municipal e uma segunda já na avenida 25 de Abril, que dá acesso ao monumento, pousando-se o andor em cima dos forcados para descanso dos Homens do Andor. Por volta do meio dia e meia chega-se a este local, onde um palco foi previamente montado para a celebração eucarística e onde mais fiéis se encontram esperando. Muitos têm terços nas mãos, rezam à passagem de Nossa Senhora da Piedade. Alguns escuteiros vendem-nos a quem dos seus se esqueceu, tendo também disponíveis para venda bonés com uma impressão relativa à Festa, para ajudar a suportar o calor que se faz sentir. Como sempre, diz-se, quando Nossa Senhora da Piedade sai à rua não chove e na maior parte das vezes o sol brilha num céu limpo. A cidade está repleta de gente. A procissão desfaz a formação, o clero sobe até ao palco seguido pelo andor que é colocado em cima de cavaletes, ao centro e por detrás do altar. Membros das Guias e dos Escutas iniciam a guarda de honra, revezando-se em equipas de quatro. Ao meio dia e meia o pregador da Festa celebra uma missa para as crianças da catequese que incorporam a procissão. Segue-se uma paragem para almoço.
    Entretanto, no complexo do santuário, os últimos peregrinos estão a chegar e reúnem-se a descansar e a conviver. Cada um traz vestida uma t-shirt comemorativa da ocasião, que assinala a sua proveniência. Algumas das devotas de Quarteira, dizem que foram das primeiras a começar esta tradição: “A peregrinação de Quarteira foi a primeira a começar. Nós fazemos isto há uns 13, 14 anos e no início era só a nossa família, depois começou a juntar-se um grupo maior. Claro, antes disso já vínhamos à Festa Pequena e à Festa Grande, sempre. Começámos a fazer a caminhada por promessa, devido a uma tia que teve cancro e depois leucemia passados uns anos, e eu prometi que enquanto ela esteja viva eu venho a pé à Mãe Soberana agradecer o facto de ela estar cá. Já fomos levá-La ao monumento mas vimos sempre cá acima pôr uma velinha a agradecer. É muito emotivo, e quando se passa por algo que pensa que não vai sobreviver, ainda é mais.” Nem todos fizeram a caminhada em pagamento de promessas ou por motivação religiosa, muitos aproveitam a ocasião para se exercitar e fazer um passeio fora do habitual: “Nós viemos mais para aproveitar o dia, mas apesar de não sermos católicas praticantes, acreditamos à nossa maneira e aproveitámos para pôr uma vela e fazer os nossos pedidos. É uma tradição de todos os louletanos, quando éramos pequeninas passávamos o dia inteiro aqui a fazer piquenique e à espera de ver a Nossa Senhora chegar.” Alguns ficam o resto da tarde, esperando a subida da Imagem, outros deslocam-se para a cidade a fim de almoçar e acompanham a procissão de novo até ao santuário. Voltando ao monumento, às 15.00 procede-se à recitação do terço e às 16.00 horas celebra-se a missa campal, uma missa mais demorada em que o bispo do Algarve faz a consagração das diferentes zonas do concelho e dos seus habitantes a Nossa Senhora da Piedade, pedindo a sua proteção para o resto do ano. Vários padres cocelebram esta missa, que é presidida pelo bispo do Algarve. No fim desta volta-se a cantar o Hino. Às 16.30 os Homens do Andor concentram-se em frente ao lar da Santa Casa da Misericórdia, repetindo o ritual da Festa Pequena, a Filarmónica Artistas de Minerva chega e toca a Marcha da Nossa Senhora da Piedade e seguem marchando até ao monumento. Ao chegarem, os “Vivas!” a Nossa Senhora, aos Homens do Andor e à Filarmónica sucedem-se, os Homens do Andor voltam a pegar no andor, membros dos Bombeiros Municipais posicionam-se dos dois lados do andor, formando uma guarda de honra, e os restantes participantes refazem a formação da manhã, encabeçada desta vez por cavaleiros da GNR. Imediatamente atrás do andor seguem antigos Homens do Andor. A Filarmónica convidada segue atrás da louletana que vai por sua vez atrás dos antigos Homens do Andor, e as duas tocam marchas processionais alternadamente. À medida que a procissão vai andando, muitos fiéis se vão juntando ao cortejo, por vezes aumentado a distância entre o andor e os músicos. O percurso da tarde é mais extenso que o da manhã, havendo três paragens antes de chegar à Igreja de São Francisco: uma na Rua David Teixeira, outra na Avenida José da Costa Mealha e por último em frente à Câmara Municipal, que fica localizada na praça da República, em que o executivo camarário desce da varanda para cumprimentar os membros do clero e os atuais Homens do Andor, incorporando depois a procissão entre o clero e o andor. Os Homens do Andor vão “passeando” Nossa Senhora com elegância e arte, para deleite dos espectadores: de cada vez que o seu passo é mais dançado os “Vivas!” sobem de tom. As pessoas acotovelam-se para poder chegar mais perto da Imagem, pétalas de rosa caem das varandas, devotos vertem lágrimas e recitam o terço entre dentes. Crianças, jovens e idosos, todos denotam um frenesim emocionado neste momento especial da sua comunidade. Todos se sentem mais próximos, diz-se com frequência. Em frente a um dos mais antigos cafés da cidade há um abrandamento, para se ouvir os habituais “Vivas!” proferido pelo seu dono, que é um dos mais vibrantes do percurso.
    À chegada à igreja o andor é colocado no adro em cima de cavaletes, a formação desfaz-se, a partir daqui a solenidade diminui no cortejo, só os ciriais, alguns membros do clero, o andor e a Filarmónica louletana continuarão o percurso. Há uma paragem que dura cerca de vinte minutos, em que os Homens do Andor entram para a sacristia e têm um momento de descanso com amigos chegados e se preparam para a subida. Alguns semblantes nervosos denotam o esforço de concentração, o momento mais delicado de toda a Festa Grande a aproximar-se. Antes de voltarem a sair da sacristia, abraçam-se e entre si proferem o seu grito de equipa: “Um por oito e oito por um!” Ao longo da coxia da igreja e na entrada, as devotas mais idosas vão-lhes tocando nos braços e dizendo: “Boa viagem menino, boa viagem!”, “Força! Que Nossa Senhora vos ajude.” Para alguns dos homens, este é o momento mais marcante das Festas, receber esta atenção dessas senhoras é o último alento que necessitam para levar a bom porto a sua missão. Em seguida, voltam a pegar no andor, o cortejo forma-se com a cruz e os ciriais à frente, alguns padres, o pároco e acólitos de braços dados, devotos e população preenchendo cada espaço, os tochas numa azáfama para manter os mais entusiastas à distância suficiente e assim garantindo a segurança da condução do andor, cordões de homens mais chegados ao grupo ajudando na tarefa, a Filarmónica tocando a Marcha Triunfal atrás, e às vezes afastando-se demais pela quantidade de pessoas que se vão enfiando no cortejo atrás do andor. Quando os Homens do Andor deixam de a ouvir claramente, param à espera que os músicos se aproximem. Uma destas paragens é tradicionalmente feita em frente ao Convento de Santo António, antes de chegar à entrada da ladeira, com o objectivo de agraciar as muitas pessoas que aí se encontram, sentadas em bancadas ali colocadas pela Câmara Municipal para o efeito. À entrada da ladeira há ligeira pausa e começa a subida, todos se preparam para não parar até chegar ao cimo, os braços enlaçam-se mais fortemente, quem fica com um livre apoia-se na pessoa da frente para manter uma distância de segurança e o ritmo certo. Centenas de lenços brancos são acenados, as pessoas amontoam-se nos muros que ladeiam a ladeira, os foguetes rebentam, os gritos e “Vivas!” de alento ouvem-se por todo o lado. São momentos em que a percepção do tempo se perde, segundo muitos dizem, a energia coletiva ao seu rubro. Chegando ao cimo, uma expressão de contentamento na face de todos, os homens recuperando do esforço ao colocarem o andor em cima dos cavaletes. Muitos esperam no adro da ermida e do santuário. Alguns universitários chegaram mais cedo para colocar as capas do seu traje no adro da ermida e no seu interior, para que a Imagem passe por cima destas, uma tradição que começou com a abertura do instituto de educação superior na cidade. O pregador convidado já espera num púlpito, proferindo o tradicional sermão da chegada. Ao terminar, dá o mote para os últimos “Vivas!” e canta-se o Hino a Nossa Senhora da Piedade. Segue-se um momento de convívio e de pose para inúmeras fotografias, todos se congratulam pelo sucesso de mais uma Festa. Mas momentos depois, a Marcha volta a soar, os Homens do Andor e alguns louletanos que lhes são mais próximos, ou que tenham vontade de se lhes juntar voltam a descer a ladeira, todos de braços entrelaçados e a exultar de alegria. Tal como na Festa Pequena, Filarmónica e Homens dirigem-se para o centro da cidade, em agradecimentos mútuos, acabando aplaudidos pela população. As Festas encerram-se com o espetáculo de fogo de artifício a partir do santuário e das imediações do Convento de Santo António, que muitos observam do Jardim dos Amuados, num ponto elevado da cidade e de frente para o santuário.


    Os Homens do Andor

    Na segunda-feira a seguir à Festa Grande é celebrada uma missa de ação de graças no Santuário de Nossa Senhora da Piedade, momento de agradecimento eucarístico e simbólico dos Homens do Andor pela graça concedida na realização de uma Festa plena e pelo sucesso da sua missão. Nesta reforça-se o laço entre Nossa Senhora da Piedade e os homens, que mais um ano confirmaram a proteção da sua Mãe Soberana, na árdua tarefa da condução da sua Imagem durante as celebrações. A população havia já agradecido a dedicação e esforço dos homens no dia anterior, com os aplausos a estes e à Filarmónica dedicados, nesta missa é a vez do grupo fechar o ciclo, agradecendo também a proteção de Maria. Segue-se a esta missa um dia pleno de convívio, em que os laços entre a equipa atual e entre esta e equipas antigas de Homens do Andor são confirmados e reforçados, performatizando-se uma série de atividades que assumem um caráter ritualístico nesta confirmação como o contar de histórias, rever memórias ou dançar ao som da marcha.
    O grupo é tido em grande conta na comunidade, e para além dos momentos de agradecimento referidos existe uma outra data que celebra a sua existência e reconhece a sua importância no seu seio. No dia da cidade, feriado municipal celebrado na quinta feira de ascensão ou dia da espiga, que em 2015 se celebrou a 14 de Maio, comemora-se também o dia oficial dos Homens do Andor, numa confraternização proporcionada pela Câmara Municipal de Loulé que junta atuais e antigos membros do grupo. Durante o mesmo alguns membros do executivo camarário marcam presença, proferindo algumas palavras alusivas à ocasião. As histórias do antigamente e o recordar de memórias queridas preenchem a tarde, os mais novos pedem aos mais velhos que cantem aquela música, que recontem aquela história. Estes momentos são muito importantes: “Os nossos encontros são uma partilha de conhecimento. Os homens mais velhos são um poço de conhecimento, é um poço de força, e é um poço do que é ser Homem do Andor.” A união e o sentimento de fraternidade entre os membros do grupo são, segundo os mesmos, dos elementos mais importantes para o sucesso da sua tarefa: “essa fraternidade é algo muito peculiar nos Homens do Andor, algo muito forte. Nós sabemos que quando pegamos, todos estão em sofrimento, no sentido em que estão pesados, e isso dá-nos uma união muito forte. Vê-se nas coisas mais simples, vê-se no olhar, nós olhamos uns para os outros e já sabemos o que se está a passar. Depois há outras coisas que nos unem, nos nossos encontros, há um humor muito peculiar, muito fraterno. Isso aproxima-nos muito, mas o que nos aproxima acima de tudo é saber que todos nós passamos pelo mesmo quando pegamos no andor.” O grupo é constituído por dez elementos, oito dos quais são responsáveis pelo transporte do andor. Aos restantes dois, intitulados de tochas, cabe orientar a marcha do andor seguindo ao lado do mesmo e empunhando duas velas, ou tochas, durante as procissões e à frente na subida para a ermida na Festa Grande, onde lhes compete zelar pela abertura de caminho para o resto do grupo. As oito posições no andor são as seguintes: cantoneira frontais (esquerda e direita), meio à frente, duas palhetas ou eixos, cantoneiras traseiras (esquerda e direita), e porta do quintal.
    A escolha de novos membros é feita pelos mais velhos do grupo e guiada por uma série de critérios: físicos, morais e de parentesco. Primeiro o Homem do Andor deve ter compleição física, em termos de altura e força, que lhe permita realizar a tarefa. O facto de pertencer a uma família que esteja ligada ao culto é também importante, se um dos membros da família não levou o andor antes dele este pertence pelo menos a uma família de comprovada prática católica ou que tenha contribuído ativamente na organização das Festas. Mas talvez mais importante, o Homem do Andor tem de ser um exemplo para a sociedade, honesto, homem de família, trabalhador, pronto a ajudar o próximo, valorizado na comunidade. E claro, devoto de Nossa Senhora da Piedade. Segundo um dos membros, “Nossa Senhora é que escolhe e Ela não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos”. É com a força espiritual que retira da sua devoção que o Homem do Andor é capaz de levar a sua missão a cabo: “Eu tenho a convicção, e não digo isto porque parece bem, tenho mesmo a convicção de que chegamos lá em cima com a ajuda de Nossa Senhora e do Seu Filho. E sei também que os meus avós estão lá a olhar por mim. Isto fortalece a nossa fé, fortalece a nossa fé e também o espírito de grupo, dos Homens do Andor. O grupo é fechado porque precisa dessa união.” A composição do grupo é variada em termos de idades, tendo o membro mais novo 31 anos e o mais velho 58. A quantidade de anos em que se mantém no ativo não é determinado à priori, tendo fundamentalmente a ver com a continuação da apresentação das condições necessárias para o mesmo. É um orgulho para os mais velhos poder passar o testemunho para um filho ou para um familiar próximo, para que a tradição possa ser continuada na sua família: “Ter um filho como Homem do Andor de Nossa Senhora da Piedade significa que o seu carácter é o de um homem de bem da sociedade, um homem que a respeita, que representa transparência, verticalidade, e portanto isso é um orgulho para um pai.”
    Os louletanos reconhecem esta devoção, considerando o seu trabalho mais que uma simples tarefa: “Não é uma tarefa, que eles têm. É mais que tarefa. Aqueles homens para mim são muito devotos. É a fé que os leva a realizar essa missão, é uma lição bela que eles nos transmitem. É algo que cativa, muita gente vai lá para os ver e dar-lhes força e calor humano. Eu emociono-me muito quando é feita por eles a oração no fim da missa, antes de pegarem na Imagem, quando se dirigem à Mãe a pedir-Lhe ajuda nessa missão.” Embora sejam pessoas muito queridas na cidade, todos sublinham a importância de manter a humildade e afirmam que o Homem do Andor é um homem como outro qualquer, que não deve nunca sobrepor-se socialmente ao outro. A consciência de que muitos outros homens gostariam de estar no seu lugar, de ter a honra de poder conduzir Nossa Senhora como eles conduzem, deve no seu entender reforçar a sua humildade: “Todos gostavam de pegar no andor, não por uma questão de protagonismo, mas simplesmente porque são louletanos. (...) Não somos egoístas a esse ponto, quando pegamos, pegamos um pouco por cada um dos louletanos. Às vezes valoriza-se demais o Homem do Andor, o Homem do Andor é um homem normal.”
    Existem vários elementos que fazem deste grupo um grupo distinto e com características muito próprias. A sua roupa é composta de calça e camisa branca, casaco preto, laço preto na Festa Pequena e laço branco na Festa Grande, mais a opa e as luvas usadas no momento de pegar no andor. A forma como conduzem a Imagem durante a procissão, como a fazem “brilhar” ou “dançar” no dizer local, é um dos motivos de orgulho da Festa e que confere um carácter diferente à procissão. O saber acumulado ao longo de gerações de Homens do Andor produziu uma série de maneirismos, hábitos, formas de fazer e ainda de dizer muito próprios. A este respeito existe mesmo um glossário com 53 termos usados pelo grupo, recolhido pelo historiador João Romero Chagas Aleixo.


    A Sociedade Filarmónica e a Marcha da Mãe Soberana

    A música tem também um papel de relevo no culto a Nossa Senhora da Piedade. A Marcha de Nossa Senhora da Piedade, composta por Manuel Martins Campina por volta de 1870, é um referente para todos quantos a ouvem: “A música mexe connosco, cá dentro. Eu não sou religiosa mas estou habituada a ir à festa desde que nasci, a ouvir aquela música. O simples ouvir da música mexe com as pessoas. O meu avô este ano chorou imenso.” De andamento alegre e energético é esta que marca o compasso da procissão nos seus momentos mais ritmados, ganhando grande importância na subida da ladeira por dar alento aos Homens do Andor. A fama da Marcha acompanha o alcance do culto para fora de Loulé, o maestro da Filarmónica conta que há um par de décadas ela foi efusivamente pedida num concerto que deram na Fuzeta. Hoje em dia, no entanto, a Filarmónica só toca a Marcha por altura das Festas: “Há uns anos atrás em qualquer concerto que se fizesse pediam para tocar a Mãe Soberana, mas não era tocada com o mesmo espírito e nós entendemos que não era digno para a Marcha ser tocada sem ser durante as Festas em honra de Nossa Senhora da Piedade.” Os próprios músicos dizem sentir um fervor especial quando a tocam, e que fazê-lo fora desse contexto não tem o mesmo significado. Segundo conta o maestro, esta é a festa religiosa que mais diz aos músicos, aquela em que mais orgulho têm de tocar. Os louletanos também dizem preferir ouvir a sua Filarmónica a tocar a Marcha, do que as que são convidadas para o dia da Festa Grande. Embora o tocar da Marcha pela Filarmónica esteja restrito à época de celebração das Festas, muitos ouvem-na diariamente, pois usam-na como toque de telemóvel. Quanto às restantes marchas processionais tocadas nas procissões, durante as Festas de Nossa Senhora da Piedade, elas são escolhidas de forma a “fazer brilhar o andor, quando os homens fazem o dançar do andor a Imagem está a brilhar e isso dá outra vida, porque se for só ali sem mexer a Imagem, não tem o mesmo sentimento. Nem para quem a conduz, nem para quem está a ver de fora.”
    A interpretação do Hino de Nossa Senhora da Piedade começou em anos recentes, depois de ter sido feito a sua orquestração para Filarmónica, que não existia, a entrar no reportório, não das procissões, mas dos concertos realizados pela Filarmónica na Igreja de São Francisco.


    A devoção popular, a proximidade com o divino

    A vivência quotidiana da devoção a Nossa Senhora da Piedade apresenta características de um tipo de religiosidade popular que reclama para si uma proximidade privilegiada com o divino. Embora talvez a parte mais visível do mesmo se encontre contido na ortodoxia da prática católica, muitos sentem que a sua ligação com Nossa Senhora da Piedade ultrapassa e não necessita da mediação da Igreja. A prática mais comum que disto dá conta, e descrita por grande parte dos devotos, é a de diariamente “falar com Ela”, sentindo-se acompanhados e protegidos em todos os momentos. O funcionário responsável pela abertura e manutenção do santuário diz ser comum encontrar pessoas, muitas vezes homens, no complexo do santuário que lhe confessam preferir chegar a Nossa Senhora por si mesmos, sem que seja necessário participar de uma missa, ou ter um padre a dizer-lhes como deve ser vivida a sua fé. Esta fé é muitas vezes descrita como algo que não se controla, que é muito forte: “Isto fica com a gente, isto bate aqui no nosso coração, mesmo que a gente não queira. A devoção é boa, é grande!”; “O que mais impressiona nesta festa é ver a devoção das pessoas, a forma como olham para a Imagem ao Seu passar, como choram em veneração e proferem aqueles Vivas!” ou ainda “Esta proximidade de Nossa Senhora, e as características desta Festa... que pode ter muito de folclore, mas é um folclore santo. Em que as pessoas têm uma sensibilidade e uma devoção tal, que até os que se dizem não crentes em Deus se ajoelham a Nossa Senhora.”
    Esta forte devoção expressa-se nas promessas e ofertas, não só materiais mas também de esforço físico ou moral, realizadas. Uma das participantes na peregrinação da Festa Grande diz: “A Nossa Senhora da Piedade tem-me ajudado muito na minha vida, dá-me forças para superar as dificuldades. Tenho uma imagem dela coladinha no meu guarda fato e todos os dias falo com Ela. Este ano tinha pensado não fazer a caminhada, ando cansada, mas depois chegou o dia e não consegui. É mais forte do que eu. Vim eu, a minha mãe e a minha filha.” Outra descreve uma promessa paga: “Eu pedi muito à Nossa Senhora para passar na carta, eu disse à minha mãe que se passasse vinha fazer a subida da ladeira de joelhos. A minha mãe disse para eu pensar melhor, mas assim foi. Eu passei e dias depois fiz a subida de joelhos. Custou um bocadinho, mas valeu a pena.” Estas práticas, juntamente com o caráter apaixonado e efusivo da manifestação da fé durante as Festas, são frequentemente do lado da ortodoxia consideradas profanas e muitas vezes pagãs, tendo sido já alvo de críticas por alguns membros mais conservadores do clero. A posição do pároco atual, que representa uma geração mais nova, é a de respeito pela forma de viver a fé de cada um. Na sua opinião a Igreja não deve virar as costas a expressões de alegria na fé dos devotos, nem deixar de estar presente em todos os momentos de devoção popular. Por isso faz questão de seguir com o cortejo, para além do término da procissão na Igreja de São Francisco, na Festa Grande, e representar a Igreja no momento de subida da Imagem pela ladeira.


    A participação no culto

    A participação no Culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé extravasa os limites do concelho e tem expressão regional. Diz-se haver uma devoção muito grande das zonas de Olhão e Fuzeta, onde é frequente encontrar casas ornadas com o painel de azulejos representando a Imagem de Nossa Senhora da Piedade no seu andor processional. Ninguém sabe dizer ao certo o porquê da devoção nestas localidades em concreto, mas alguns apontam para a importância das suas comunidades piscatórias como uma possível explicação. Um dos louletanos conta: “O pessoal de Olhão é muito devoto, davam a volta à cidade descalços a pagar promessas. Ainda há pouco tempo veio uma senhora pedir para batizar o neto na Senhora da Piedade.” Também em Quarteira, a devoção é importante entre os pescadores confiando estes a Nossa Senhora da Piedade as suas vidas, que diariamente arriscam na faina do mar. Quanto às diferenças na participação entre géneros, há um sentimento generalizado de que a frequentemente mais visível religiosidade das mulheres é, no caso deste culto, razoavelmente contraposta por participação masculina. Alguns, relacionam esta participação com a eventual impressão que o grupo dos Homens do Andor possa causar nos outros homens da comunidade: “É possível que o fato dos Homens do Andor terem essa tarefa e serem homens, aproxime mais os restantes homens do culto. Eu parece-me até que nos últimos anos se vê mais homens nos atos litúrgicos.” Ou ainda, nas palavras do pároco: “Em comparação com outras manifestações, os Homens do Andor de Nossa Senhora da Piedade são presentes no culto, têm uma relação com os devotos, acompanham os diferentes passos de realização das festas. Ou seja, os homens aparecem e aparecem a rezar. O seu exemplo faz com que outros homens percam a vergonha, desmistifica-se aquela ideia de que a oração é só para as mulheres ou que quem manda dentro da igreja são as mulheres. Os Homens do Andor mostram que a vida da Igreja, a vida religiosa, a devoção a Nossa Senhora é uma coisa também de homens.”
    Há ainda uma participação diferenciada entre gerações. Ela é maior nas gerações mais velhas, que recordam como na sua mocidade se via mais jovens na igreja. O pároco local diz ainda assim sentir um ligeiro aumento da participação de casais novos, nos últimos anos. Casais que vão regularmente à missa no santuário, durante o ano, noivos que pedem a bênção a Nossa Senhora da Piedade. Na casa das velas encontram-se muitos escritos na parede, de casais de namorados dando testemunho do seu amor.
    Também estudantes lá deixam o seu pedido, para que os exames lhes corram bem. Ainda assim, o sentimento geral é de que “a comunidade está envelhecida, precisava de ser renovada com a juventude. Deveria ser um grupo mais forte, com mais gente.” Os jovens mais ativos são naturalmente aqueles ligados à catequese ou aos Escutas e em relação a estes diz o antigo chefe do agrupamento: “Não há dúvida de que os mais novos continuam a devoção, seguindo os passos dos seus pais. Aceitam, gostam e participam em tudo o que diz respeito à Mãe Soberana.” Todos concordam que na Festa Grande a participação é maior, mas há uma preocupação de que a parte espiritual seja por estes esquecida e que o hábito de fazer a subida se torne vazio de devoção nas gerações vindouras. Na missa da manhã, no dia da Festa Grande, o padre chama a atenção:

    “Continuemos a fazer deste dia uma Festa que não seja só folclore, mas que nos una a Maria por dentro, que nos una a Deus por dentro, que mova o nosso coração e que a Festa não seja simplesmente uma tarde, mas que seja todos os dias (...) Nós temos de ser as testemunhas de todas estas coisas, temos de deixar às gerações vindouras a nossa fé, a nossa devoção. E por isso quase em jeito de provocação eu perguntava assim: onde estão os filhos dos louletanos? Vejo alguns graças a Deus, mas onde estão os filhos dos louletanos?”

    Este excerto da homília aponta também para outra preocupação da comunidade, que tem a ver com a participação de turistas no culto e mais particularmente nas Festas. Enquanto há uma vontade de divulgação, que parte de um orgulho no culto enquanto parte do património comum e das tradições locais, ao mesmo tempo há a consciência por parte da paróquia da importância de não “transformar o sentimento, a vida, as preocupações e alegrias colocadas nesta devoção, numa espécie de espetáculo que os outros vêm ver de fora.” Uma última nota para ilustrar ainda a forma como alguns sentem que o período de crise económica dos últimos anos, afecta a participação no culto: “Nota-se em anos recentes que diminuem as ofertas mas aumenta o número de pessoas presentes. Há um aumento da venda de velas e há uma diminuição daquelas ofertas espontâneas, da esmola. Provavelmente aumenta a preocupação e a devoção porque as pessoas já não levam uma vela, muitas levam um molhe de velas, isto significa muitas vezes o rezar por diferentes pessoas ou a existência de diferentes preocupações. De facto a crise aproxima as pessoas à devoção a Nossa Senhora.” Ou ainda: “Parece-me que a crise também influi na quantidade de pessoas que vêm à Festa Pequena, se as pessoas não têm dinheiro para se deslocarem duas vezes a Loulé, preferem vir à Festa Grande.”

  • Manifestações associadas:
    A devoção Mariana é em Portugal uma forte dimensão da religiosidade católica (cf. DIAS, Geraldo J. A. Coelho, 1987), estando o Culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé – Mãe Soberana a esta associada. Existem no país centenas de invocações Marianas (cf. REIS, 1967), celebradas por todo o território de forma mais ou menos fervorosa, havendo muitos elementos comuns, próprios da doutrina cristã, à celebração destes cultos.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: O Culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé, encontra-se em estado de transmissão ativa tal como é descrito na caracterização desenvolvida, embora algumas tradições particulares a este associadas e de que há registo no século XIX e XX tenham deixado de se praticar. Designadamente: a) Missa dos finados: era costume realizar-se na Ermida de Nossa Senhora da Piedade de Loulé a missa anual de finados, na véspera do Dia de Finados, na ermida. b) Festa de Manuel Joaquim Pedro: Manuel Joaquim Pedro Mone (1884-1946) foi um abastado louletano que deixou uma parte da sua herança a Nossa Senhora da Piedade de Loulé. A partir de 1947, realizou-se conforme vontade expressa no testamento deste benfeitor uma festa em sua memória, no dia 1 de Janeiro de cada ano. Esta festa deixou de se realizar no princípio da década de 70. c) Peditório da coroa: há registo desta tradição, que ao mesmo tempo era fonte de receita para a Mordomia, desde o início do século XIX até 1993. O pároco local visitava as casas da vila (e a partir de 1989, cidade) e estabelecimentos comerciais, durante o período em que a Imagem permanecia na igreja de São Francisco, em Loulé, levando consigo a coroa de ouro de Nossa Senhora da Piedade e abençoando as habitações, lares e casas comerciais dos devotos, que em troca ofereciam uma esmola. d) Peditório dos Homens do Andor: na primeira metade do século XX, em simultâneo com o peditório da coroa, fazia-se um peditório para os Homens do Andor. Um dos elementos do grupo levava um saco que era utilizado para colocar as esmolas oferecidas. e) Peditório pelos campos: este peditório existiu, pelo menos, entre o início do século XIX e no mínimo até 1911, não sendo possível comprovar quando se deu o seu desaparecimento. Este começava três semanas antes da Festa Pequena. Contratava-se um cavaleiro e uma cavalgadura que percorriam os campos recolhendo ofertas em géneros que posteriormente eram vendidos, em leilão, revertendo as receitas para a comissão de Festas. f) Mesa de Festa Grande: pelo menos até 1911, uma mesa era montada, em frente à Igreja de São Francisco, na manhã da Festa Grande. O andor era apoiado em cavaletes ao seu lado e ali os devotos colocavam oferendas em géneros, geralmente fruto da atividade agrícola do concelho. Descrição: A transmissão da devoção a Nossa Senhora da Piedade de Loulé faz-se em primeiro lugar no seio familiar e como parte do processo mais largo de socialização na comunidade, sendo frequente ouvir justificações como “isto já vem de família”. O papel das mães e avós é aqui preponderante, embora com menor expressão os homens conduzam também os seus descendentes ao contacto com o culto. Um dos entrevistados mais idosos conta: “o meu pai todos os domingos depois da missa na Igreja Matriz subia a ladeira a pé até à Ermida de Nossa Senhora da Piedade, e eu ia com ele”. A transmissão das práticas associadas ao culto implica em grande medida uma educação católica ativa, que se efetiva não só através do já mencionado papel da família mas essencialmente pelo seu enquadramento em instituições como a Igreja, tendo especial importância a função educadora da catequese, ou os Escutas. Um jovem entrevistado diz: “onde eu aprendi mais sobre a Mãe Soberana foi nos escuteiros, aprendemos por exemplo como o culto evoluiu a partir do povo”. Nem toda a comunidade participa da mesma forma na prática do culto, resultando também numa transmissão diferenciada do mesmo. Muitos assumem-se inclusivamente como não crentes mas ainda assim apreciadores da tradição, considerando-a como parte da sua identidade e do seu património comum. Alguns confessam mesmo que não acreditando em Deus, recorrem ainda assim à ajuda espiritual de Nossa Senhora da Piedade. É algo inerente, dizem, ao facto de se pertencer a esta comunidade. Formas mais informais de transmissão, associadas a este tipo de identificação com o culto são por exemplo as descritas por jovens estudantes, inclusive alguns não originais da comunidade, como parte das suas práticas de socialização: “Quando vim para Loulé estudar deparei-me com o hábito dos jovens louletanos, meus colegas, darem vivas à Mãe Soberana ao brindarem entre amigos nas saídas de sexta-feira à noite”. Esta entrevistada, hoje devota, não tinha tido contacto com o culto antes de ter começado a estudar em Loulé, e descreve atualmente ter uma prática individual de veneração a Nossa Senhora da Piedade que não corresponde no entanto a uma participação ativa nos rituais católicos quotidianos: “Gosto mais de ir à ermida para estar com Ela sozinha, não sinto necessidade de mostrar aos outros a minha devoção, é uma coisa pessoal”. Mãe de um rapaz, faz no entanto questão de lhe transmitir o gosto pela tradição, mostrando grande satisfação no facto de o seu filho ter sido batizado aquando da presença da Imagem de Nossa Senhora da Piedade na Igreja de São Francisco, sentindo-o mais abençoado desta forma. Aqueles que têm uma participação mais ativa, nomeadamente na dimensão mais visível do culto – as Festas em honra de Nossa Senhora da Piedade de Loulé – são por excelência os principais agentes de transmissão dos saberes especializados relativos ao mesmo, na comunidade. É o exemplo da “experimentação” e “armação” do andor – o experimentar e afinar das posições de transporte do andor, e a colocação da Imagem e ornamentação do andor, respetivamente –, a interpretação musical da Marcha da Nossa Senhora da Piedade, ou ainda a própria procissão ou outros momentos rituais de celebração católica relacionados com o culto. A transmissão destes saberes faz-se no seio da sua prática, com as gerações mais velhas a passar o seu conhecimento para as gerações mais novas. De forma geral a transmissão destes conhecimentos é aberta a qualquer membro da comunidade que mostre interesse na sua aprendizagem e continuação, obedecendo no entanto a sua aprovação no seio dos grupos a determinados requisitos, consoante o grupo em questão. Da mesma forma que é impossível a aprendizagem da Marcha a alguém não versado em música, a leitura de textos sagrados durante uma das eucaristias em honra de Nossa Senhora da Piedade está vedada àqueles que não foram iniciados na religião católica, assim como a possibilidade de se tornar Homem do Andor só é dada a homens que para além de serem devotos de Nossa Senhora da Piedade, demonstrem o seu valor e retidão na comunidade. Modo(s): A transmissão destas práticas é essencialmente feita por via oral e performativa. Como explica um dos entrevistados: “Isto não é nada que se ponha no livro, é vendo e aprendendo. Vocês viram não viram? Agora já podem ensinar aos vossos netos também”. Aprende-se a ver fazer e a ouvir dizer como se faz. A interiorizar e imitar os familiares e amigos que contam as suas experiências de devoção, a presenciar ou a ser iniciado nos rituais que fazem parte do culto. No caso específico dos Homens do Andor e da Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva, a visualização de registos fotográficos e fílmicos pode por vezes complementar a aprendizagem, sendo no entanto mais orientada para o aperfeiçoamento dos conhecimentos. Tanto a “experimentação” como a “armação” do andor são momentos de preparação das Festas de carácter mais restrito, sendo a transmissão de conhecimentos feita entre os membros responsáveis pela sua realização. Na “armação” há que destacar o papel da esposa do já referido antigo Homem do Andor, que tem vindo a passar o seu conhecimento a uma florista, rapariga mais nova e que herdou o costume de sua mãe. Os respetivos maridos e alguns Homens do Andor dão apoio a esta tarefa, embora a autoridade da execução seja das mulheres, acabando por ter um carácter do domínio feminino.
    Data: 2015/08/21
    Modo de transmissão oral
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Toda a comunidade do concelho de Loulé tem um papel enquanto agente de transmissão desta manifestação. Alguns dos seus membros têm no entanto um papel preponderante.
  • Origem / Historial:
    Pouco se sabe sobre a origem deste culto Mariano em Loulé. A sua referência mais antiga, que nos chegou até aos nossos dias, faz parte das Visitações da Ordem de Sant’Iago às Igrejas dos Concelhos de Faro, Loulé e Aljezur que data de Maio de 1565. Ora, acontece que a Visitação imediatamente anterior – a Visitação da Ordem de Sant’Iago às Igrejas do Concelho de Loulé no ano 1534 – nada refere em relação à existência da ermida. De onde se deve pressupor com enorme certeza que, pelo menos, em 1534 ainda não existia a ermida. Assim sendo, na Visitação de 1565 pode-se ler a seguinte passagem: «Achamos que averaa doze anos que foy esta irmyda edificada de novo por Bartolomeu Fernandez, çeralheyro, a sua custa, e jaz nella enterrado, e nas costas da dita irmyda estaa huma casa madeyrada de castanho, de telha vãa, em que vive ho irmytão per nome Francisco da Payxão» (cf. MARTINS e CABANITA, 2001/2002, p. 247). De onde é possível concluir que a ermida terá sido edificada em 1553. Mas quem a terá mandado edificar? Ao certo não se sabe quem foi. As dúvidas preexistem. A Visitação refere Bartolomeu Fernandez, um serralheiro, que a terá edificado às suas custas. José Hermano Saraiva defende outra interpretação. Baseando-se na Chronica da Provincia da Piedade, primeira Capucha de toda a Ordem, & Regular Observancia de nosso Seraphico Padre S. Francisco, dedicada ao Serenissimo Senhor Dom Joam, Principe de Portugal, e Duque da Real Casa de Bragança (cf. MONFORTE, 1751 [1696], Livro III, capítulo XXIII, pp. 348-352.), Hermano Saraiva afirma que a Imagem de Nossa Senhora da Piedade veio da Alemanha, por intermédio da louletana (natural de Quarteira) D. Francisca de Aragão (1536 ou 1537-1615) que lá se encontrava no tempo da Reforma. Nesse período, em que várias igrejas, abadias, mosteiros e imagens foram queimadas, D. Francisca de Aragão enviou várias relíquias para a sua terra natal, Loulé, e, segundo Saraiva, esta imagem terá sido uma dessas peças enviadas. As relíquias e outras peças de arte sacra eram enviadas para o Convento de Santo António da Piedade, pertença dos frades franciscanos Capuchos Descalços, convento que tinha sido fundado pelos pais de D. Francisca de Aragão, Nuno Rodrigues Barreto e Dona Leonor de Milão, em 1546 (cf. programa A Alma e a Gente, R.T.P., de 28 de Maio de 2004). Por outro lado, João Romero Chagas Aleixo defende a tese de que foram os frades franciscanos de Loulé a encomendar a Imagem e a edificar a ermida. Chagas Aleixo baseia-se num conjunto de argumentos, dos quais se destacam os seguintes: a) Ao longo do século XVI «alguns lugares de peregrinação dedicados à Virgem tiveram um novo impulso sob a iniciativa de membros das ordens religiosas, os quais propagaram a devoção a determinadas evocações marianas», com foi o caso «da Senhora do Carmo da Penha (Guimarães), obra de carmelitas calçados» ; b) Ora, no caso do culto a Nossa Senhora da Piedade sabe-se que foram os franciscanos os seus grandes introdutores e disseminadores em Portugal. Em 1500 foi fundada, em Portugal, a Província da Piedade, num convento a meia légua de Vila Viçosa, em sítio onde existia uma antiga ermida dedicada a Nossa Senhora da Piedade. Os frades franciscanos Capuchos ou Observantes concederam a invocação de Piedade à sua nova casa, bem como ao título da nova província - que englobava todos os conventos do Alentejo e do Algarve - por eles formada (cf. ALMEIDA, 1968, p. 168 e, igualmente, MONFORTE, 1751 [1696], p. 27 e seguintes); c) A proximidade temporal na edificação destes dois templos católicos a isso também ajuda a induzir. Se o convento de Santo António começou a ser construído em 1546, a ermida de Nossa Senhora da Piedade terá sido edificada, apenas sete anos depois, isto é, em 1553; d) A proximidade geográfica entre os dois templos católicos, tendo a ermida sido edificada numa «conexão visual», assim como numa «conexão viária» do primitivo convento de Santo António; e) A Visitação de 1565 informa-nos, ainda, que na ermida havia «huma vestimenta muito velha que lhe derão os padres do mosteiro» e que Dona Leonor de Milão, fundadora do Convento de Santo António, tinha deixado «hum caliz de prata» à ermida (cf. MARTINS e CABANITA, 2001/2002, p. 247 e ALEIXO, 2013, pp. 7-8 e p. 213). No que diz respeito, mais concretamente, à proveniência da sagrada Imagem as teses também se dividem. Francisco Lameiras defende que a Imagem de Nossa Senhora da Piedade tenha sido, provavelmente, executada por um imaginário farense nos finais do século XVI ou nos princípios do século XVII. Imagem que se insere no formulário maneirista dessa época (cf. LAMEIRA, 2000a). Constituída primitivamente de forma maciça, ter-lhe-á sido, posteriormente, feita uma cavidade nas costas de forma a aligeirar o seu peso. Por outro lado, José Hermano Saraiva defende que a Imagem foi executada na Flandres ou na Alemanha e que, posteriormente, foi enviada da Alemanha para Loulé (cf. programa A Alma e a Gente, R.T.P., de 28 de Maio de 2004). Sobre a origem da celebração das festividades cíclicas anuais em honra de Nossa Senhora da Piedade, Joaquim Romero Magalhães apresenta a sua tese. Para o historiador a Festa – a face mais visível deste culto Mariano – terá surgido de forma espontânea e por intermédio das populações rurais. Romero Magalhães defende que terão sido as populações rurais, que necessitavam de água para as suas colheitas, os primeiros devotos da Virgem. O historiador esclarece: «A intervenção religiosa oficial eclesiástica, pouco ou nada tinha inicialmente com o caso. Era popular e espontâneo o requerimento, quanto muito encabeçado pela Câmara, autoridade civil e laica». Para, de seguida, concluir: «Água indispensável aos campos, em especial nos fins de Março e princípios de Abril. Ora esse é o tempo da Páscoa. Aí a disciplina eclesiástica terá agido. Preces por água misturadas com a paixão não fariam sentido. Festa possível só depois da Páscoa – que não pode ultrapassar 25 de Abril. Por que não conciliar uma fé e uma necessidade popular com o calendário religioso? Por que não fazer as rogativas em concordância com os tempos litúrgicos?» (cf. MAGALHAES, 1985, p. 4). Do ponto de vista documental, a documentação mais antiga referente à administração e à gestão do culto que nos chegou até aos nossos dias trata-se do Livro de Registo de Contas da Confraria de Nossa Senhora da Piedade, 1652-1683. Confraria que existiu, pelo menos, até 1786 (cf. ALEIXO, 2013, p. 16 e p. 138). Sem que se saiba ao certo o motivo, no início do século XIX (1803) a entidade que gere o culto passa a designar-se por «Mordomia de Nossa Senhora da Piedade», designação que conservaria até 1931, data em que todos os bens da Mordomia, depois de nacionalizados durante a Primeira República, são devolvidos, através de escritura pública, à recém constituída «Corporação Fabriqueira Paroquial de São Sebastião de Loulé» (cf. ALEIXO, 2013, pp. 53-55). No século XVIII a Imagem de Nossa Senhora da Piedade era já bastante popular na vila, como em toda a província. Prova dessa popularidade são as inúmeras procissões extraordinárias decretadas pelas várias vereações municipais, uma vez que era a Câmara Municipal a entidade responsável pela organização desta parte mais visível do culto (cf. SANTA MARIA, 1716, p. 412). Deste modo, sempre que assim entendesse, a Câmara Municipal de Loulé mandava conduzir a Imagem da sua ermida para a vila. Foi isso que aconteceu, pelo menos, em 1605 (cf. Arquivo Municipal de Loulé, Livros de Actas de Vereações, 1604-1606, sessão de 30 de Março de 1605, fl. 97), em 1750 (cf. «Curiosidades», in O Algarvio, n.º 3, de 14 de Abri de 1889, p. 3 e ALEIXO, 2013, pp. 36-37) e em 1773 (cf. ALEIXO, 2013, pp. 36-37), por motivos de seca; em 1835, para comemorar o casamento de Sua Alteza Real a rainha D. Maria II (1819-1853) (cf. Arquivo Municipal de Loulé, Livro das Actas de Vereação de 1834-1837, fl. 46 v.º. e fl. 47 e ALEIXO, 2013, pp. 37-39 e p. 217); e em 1856 por causa de um tremor de terra que assolou toda a região (cf. OLIVEIRA, 1989 [1905], pp.62-63 e ALEIXO, 2013, pp. 39-40 e p. 218). Durante todo o século XIX competia à Mordomia administrar e gerir o culto. As suas principais fontes de receitas eram as seguintes: receita obtida através dos foros, receita obtida no peditório pelos campos antes do período das Festas, receita obtida através do peditório com a coroa, e receita obtida pela Mesa no dia da Festa Grande. Do lado das despesas, as principais rubricas encontrava-se relacionadas com a aquisição de novas alfaias religiosas para a ermida, a realização de obras na ermida, a compra de novos andores processionais, o melhoramento de caminhos no Monte da Piedade, entre outras situações (cf. ALEIXO, 2013, pp. 16-35). O grande crescimento populacional da vila na segunda metade do século XIX provocou um aumento das pessoas que assistem às Festas como nos comprovam os inúmeros relatos jornalísticos constantes em periódicos locais, regionais e até nacionais, que, para vários anos, avançam com projeções quanto ao número de fiéis que terão assistido à mesma (cf. ALEIXO, 2013, pp. 68-72). As receitas obtidas no dia da Festa Grande aumentam, praticamente, de ano para ano, desde 1835 até 1900 (cf. ALEIXO, 2013, pp. 27-30). Em contraponto, as receitas anuais obtidas no peditório pelos campos registam uma tendência decrescente entre 1886 e 1911 (cf. ALEIXO, 2013, pp. 24-26). As «esmolas para a Virgem» sofriam uma alteração económica: as esmolas em géneros, como, por exemplo, azeite, trigo, milho, grão, figo, chícharos, alfarroba e amêndoa (economia de subsistência) eram, aos poucos, substituídas pelas esmolas em dinheiro (economia monetária). O processo de urbanização do concelho avançava lentamente (cf. ALEIXO, 2013, pp. 19-21 e pp. 34-35). No dia 2 de Abril de 1893 ocorre um facto que mudará para sempre o desenrolar das festividades anuais. Os progressistas locais, querendo criar dificuldades ao executivo camarário recentemente eleito (regeneradores) deslocam-se à ermida e raptam a Imagem, trazendo-a para a vila. A polémica foi muita. Houve acusações de ambos os lados. E somente o bispo do Algarve poria fim ao desacato, ordenando que a Imagem regressasse à sua ermida. Porém, este inusitado acontecimento estaria na origem de duas importantes alterações no decorrer das festas. A primeira relaciona-se com o local de permanência da Imagem na vila: se até essa altura a Imagem permanecia na igreja Matriz de São Clemente (sede paroquial da freguesia de São Clemente), a partir desse ano começará a permanecer regularmente na igreja da Ordem Terceira de São Francisco (sede paroquial da nova freguesia de São Sebastião, criada em 1890). A segunda alteração diz respeito à data em que se realiza a Festa Grande: se até essa altura a Festa Grande celebrava-se, tradicionalmente, no dia de Nossa Senhora dos Prazeres, isto é, na segunda-feira a seguir às oitavas da Páscoa, a partir desse ano a mesma passa a realizar-se no terceiro Domingo de Páscoa (cf. ALEIXO, 2013, p. 16 e pp. 41-50). Nos finais do século XIX aparecem os primeiros relatos escritos do extravasamento do culto além província. Relatos que nos descrevem a vinda até Loulé de inúmeros devotos provenientes do Baixo Alentejo (por exemplo: Almodôvar e Castro Verde) que se deslocavam até à vila para oferecer «esmolas de trigo» à Virgem (cf. «Festividade», in O Algarvio, n.º 6, de 5 de Maio de 1989, p. 2). Tendência que terá aumentado com a chegada do caminho-de-ferro até Faro (1889). Este progresso tecnológico vem encurtar as distâncias e possibilitar a deslocação de cada vez mais pessoas a Loulé no dia da Festa Grande; facto que nos ajuda a explicar o aparecimento, na segunda década do século XX, de vários anúncios na imprensa local e regional de excursões organizadas de comboio a saírem das várias «estações de Beja», assim como «de todas as estações e apeadeiros do Algarve» (cf. «Festas em Loulé», in O Heraldo, n.º 210, de 25 de Abril de 1914, p. 2). Com a implantação da República em Outubro de 1910, o mundo religioso em Portugal sofre uma forte ofensiva. Entre Outubro de 1910 e Abril de 1911, o novo regime republicano publica um conjunto de leis que visa laicizar as consciências individuais e, por conseguinte, a própria sociedade. Com a entrada em vigor da Lei de Separação do Estado das Igrejas, promulgada em 20 de Abril de 1911, a «Mordomia de Nossa Senhora da Piedade» vê todos os seus bens serem nacionalizados (cf. ALEIXO, 2013, pp. 53-55). Situação, aliás, comum a todas as restantes mordomias religiosas do país. O clima de confronto político-religioso imprimido pelos principais responsáveis políticos republicanos vai originar inúmeros conflitos em várias manifestações religiosas, um pouco por todo o país. E em Loulé a situação não seria diferente. Nos primeiros anos após a implantação da República regista-se um conjunto de escaramuças, altercações e confrontos entre devotos e não devotos, tendo mesmo, num caso (Festa Pequena de 1913), sido aberto um processo judicial (cf. ALEIXO, 2013, pp. 55-67 e pp. 133-134). Todavia, o desacato mais grave terá ocorrido na Festa Grande de 1912, onde o delegado do Procurador da República e um conhecido republicano local foram agredidos no decorrer da Festa por assistirem «cobertos», isto é, sem retirarem os seus chapéus em sinal de deferência, ao sermão (cf. ALEIXO, 2010a, p. 15; ALEIXO, 2010b, p. 15; ALEIXO, 2013, pp. 58-61). Este facto levou a que os lideres republicanos locais (administrador do Concelho e presidente da Câmara Municipal de Loulé) tentassem, por todos os meios ao seu alcance, impedir a realização das Festas de 1913 (cf. ALEIXO, 2010c, p. 23) e de 1914 (cf. ALEIXO, 2010d, p. 19), à imagem do sucedido com a maior parte das manifestações religiosas ao ar livre realizadas no Algarve e no restante território nacional. No entanto, a fé e o bairrismo local assim não o permitiu. Na segunda metade do século XX o culto Mariano Louletano ultrapassa os limites da esfera regional, alcançando uma maior projeção à escala nacional. Para isso concorrem um conjunto alargado de factores. Vejamos, apenas, alguns. Em 1954 o estandarte processional de Nossa Senhora da Piedade é, juntamente com os estandartes processionais representativos dos santuários de Nossa Senhora da Conceição, de Vila Viçosa, de Nossa Senhora do Sameiro, de Braga, e de Nossa Senhora de Fátima, um dos quatro estandartes de santuários Marianos portugueses que se deslocam a Roma para participarem na «Festa da Realeza de Maria» em representação do culto Mariano em Portugal, onde se fizeram representar os quatrocentos estandartes dos mais importantes santuários marianos de todo o mundo católico (cf. ALEIXO, 2013, pp. 77-80). Em Abril de 1959 a Rádio Televisão Portuguesa (R.T.P.), apenas dois anos após ter iniciado as suas emissões regulares, desloca uma equipa de profissionais até Loulé para realizar uma reportagem da Festa Grande desse ano. No dia 31 de Julho de 1961, e por sua iniciativa pessoal, o cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira desloca-se propositadamente a Loulé para conhecer a Imagem e o santuário de Nossa Senhora da Piedade (cf. ALEIXO, 2013, pp. 80-82). Por outro lado, a expansão do culto também é passível de ser comprovada através dos locais de onde são oriundas as pessoas que registam as suas promessas à Virgem. Se a maior parte dos fiéis que registam as suas promessas continuam a se deslocar de todas as latitudes do Algarve, outros há que se deslocam do Alentejo, da grande Lisboa, da região Norte e até do estrangeiro. O culto rompia, cada vez mais, as suas fronteiras regionais. Alastrava-se ao restante território nacional. Para este fenómeno terá concorrido a conjugação de dois factores: por um lado, a melhoria dos meios e das vias de comunicação a nível nacional; e, por outro, a emigração louletana para outras localidades do país e até do estrangeiro (cf. ALEIXO, 2013, pp. 94-97). No que diz respeito ao desenrolar da Festa Grande esta sofreu algumas alterações ao longo do século XX. Desde do itinerário do percurso processional até às corporações que eram convidadas a incorporarem a procissão. Se durante o período do Estado Novo (1933-1974) a Legião e a Mocidade Portuguesa marcavam presença no seio da procissão, a partir de 1970 o Agrupamento de Escuteiros de Loulé (Agrupamento n.º 290 do C.N.E., fundado a 25 de Maio de 1969 e tendo como patrona e padroeira a Nossa Senhora da Piedade) também passa a incorporar a procissão. Por outro lado, nos primeiros anos da década de 1970, por decisão do pároco responsável pela paróquia de São Sebastião, deixam de ser cobrados bilhetes de acesso à ladeira, prática que terá tido o seu início nos anos trinta do século XX. Durante esse período o acesso à segunda ladeira (caminho de pedra paralelo à ladeira por onde sobe o andor) era cobrado a todos aqueles que quisessem visualizar mais de perto a condução da Imagem à sua ermida; revertendo a receita obtida, através da venda desses lugares, para a Comissão Promotora das Festas da Piedade (cf. ALEIXO, 2013, p. 106). O acesso à última parte da Festa Grande, aquela que suscita mais espectativa entre todos os fiéis, democratizava-se. Finalmente, no final da missa campal da Festa Grande de 1980 surge a tradição, mantida até aos nossos dias, da cerimónia de Consagração do concelho de Loulé a Nossa Senhora da Piedade, Mãe Soberana dos Louletanos (cf. ALEIXO, 2013, p. 176).
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direito privadoNo que diz respeito à devoção pessoal e prática dessa devoção, são detentores dos direitos de carácter privado os crentes que individualmente praticam a sua devoção, como assim o entendam e desde que observando o respeito pelo direito público e demais liberdades individuais. Devotos em geral
    Direito canónicoNo que diz respeito à componente eclesiásticapertencem à Igreja Católica e presidem à dimensão litúrgica do culto através dos membros do clero que a representem, conforme a respectiva lei eclesiástica. Igreja Católica
    Direito consuetudinário localNo que diz respeito às tradições populares, nomeadamente as associadas à realização das Festas em honra de Nossa Senhora de Piedade de Loulé. É detentora dos direitos coletivos de carácter consuetudinário a comunidade do concelho de Loulé, competindo-lhe a definição dos modos específicos em que se praticam as tradições coletivas relativas ao culto. Comunidade do concelho de Loulé
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Vanessa Cantinho de Jesus; João Romero Chagas Aleixo (consultadoria científica e responsável pela escrita dos campos Origem/Historial e Bibliografia e Fontes)
    Função: Vanessa Cantinho de Jesus: Antropóloga; João Romero Chagas Aleixo: Historiador.
    Data: 2015/08/21
    Curriculum Vitae
    Declaração de compromisso
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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