Ficha de Património Imaterial

  • N.º de inventário: INPCI_2014_001
  • Domínio: Expressões artísticas e manifestações de carácter performativo
  • Categoria: Manifestações musicais e correlacionadas
  • Denominação: Danças Tradicionais da Lousa
  • Outras denominações: Dança das Virgens: Dança das Donzelas, Bailado das Virgens, Varrunvena; Dança dos Homens: Dança da Genebres ou Geneves, Farrombana; Dança das Tesouras: Farsa das Tesouras
  • Contexto tipológico: Trata-se do conjunto de danças cerimoniais realizadas na aldeia da Lousa, em Castelo Branco, por ocasião das festas anuais em honra de Nossa Senhora dos Altos Céus. Ao contrário de muitas outras danças tradicionais da Beira Baixa que foram caindo em desuso, na Lousa mantêm-se esta tradição cuja origem está associada à Lenda da Praga de Gafanhotos que assolou a região por volta de 1640.

  • Contexto social:
    Comunidade(s): Habitantes da Lousa
  • Contexto territorial:
    Local: Lousa
    Freguesia: Lousa
    Concelho: Castelo Branco
    Distrito: Castelo Branco
    País: Portugal
    NUTS: Portugal \ Continente \ Centro \ Beira Interior Sul
  • Contexto temporal:
    Periodicidade: As Danças realizam-se anualmente por ocasião da Festa em honra de Nossa Senhora dos Altos Céus, padroeira da povoação.
    Data(s): Decorre no terceiro fim-de-semana de maio, sendo que as Danças das Virgens e dos Homens se realizam no domingo após a procissão religiosa e a Dança das Tesouras na segunda-feira seguinte.
  • Caracterização síntese:
    As Danças Tradicionais da Lousa consistem num conjunto de manifestações musicais e coreográficas, específicas desta povoação, integradas nos festejos em honra de Nossa Senhora dos Altos Céus. As Danças têm lugar no domingo, pela tarde, imediatamente após a procissão religiosa, cabendo ao grupo das Virgens a primeira atuação. No adro da Igreja, o grupo de oito jovens do sexo feminino, trajadas de branco e adornadas com ouro, recitam quadras evocativas à padroeira. Em seguida executam uma coreografia ao ritmo dado por um tocador de guitarra portuguesa. Junto do grupo e do tocador, destaca-se a figura do Guardião que empunha uma espada e cuja função consiste, por um lado, em afastar os observadores, garantindo o espaço adequado para a realização da Dança e, por outro, zelando pela “pureza” das Donzelas e pelo ouro que elas transportam.

    À Dança das Virgens segue-se a dos Homens, onde seis indivíduos vestidos de branco, com faixa de cor azul à cintura e envergando na cabeça a Capela envolvem na sua coreografia três jovens vestidas e adornadas tal como as Virgens e denominadas por madamas. Atualmente o papel de madama é desempenhado por jovens do sexo feminino mas, por tradição, eram os rapazes que interpretavam este papel. Enquanto dançam, todos os homens tocam viola beiroa, à exceção de um que toca genebres. As madamas tocam os trinchos.

    Na segunda-feira seguinte, pela parte da tarde e no intervalo da garraiada, tem lugar a Dança das Tesouras (até há uns anos atrás a Dança das Tesouras tinha lugar no final da garraiada, no entanto, porque se verificava que alguns lousenses e muitos visitantes se dispersavam decidiu-se, em data incerta, alterar a actuação da Dança para o intervalo deste espectáculo taurino, garantindo assim uma audiência mais elevada). Esta é executada por um grupo de homens que utilizam tenazes em ferro simulando tesouras de tosquia, que afiam simbolicamente num grande pau suportado pelo ombro de um elemento fundamental do grupo, o Mandador. Três crianças, encenando borregos, movem-se por entre as “tesouras” tentando escapar a esta tosquia simbólica. Menos coreografada que as outras duas, esta Dança proporciona ao público momentos divertidos de descontração.

  • Caracterização desenvolvida:
    As Danças Tradicionais da Lousa são práticas coreográficas e musicais específicas desta aldeia da Beira Baixa que se integram na sequência festiva e na dinâmica das Festas em honra de Nossa Senhora dos Altos Céus. A festa decorre ao longo de quatro dias, iniciando na sexta-feira e prolongando-se até segunda-feira que se sucede ao terceiro domingo de maio.


    Preparação da Festa

    A preparação da festa tem início no final da festa do ano anterior, após ter sido escolhida a comissão de festas para o ano seguinte. Nesse ano, os futuros festeiros comprometem-se perante Nossa Senhora dos Altos Céus, assim como perante a comunidade da Lousa, a assegurar a realização e reprodução da festa no ano seguinte. A seu cargo estará toda organização dos festejos, desde os contatos com o pároco da freguesia, angariação de fundos (quer seja através de peditórios realizados porta a porta pelos elementos da Comissão de Festas todos os domingos a partir do domingo de Páscoa e até ao domingo que antecede o dia da festa, onde recebem ofertas pecuniárias e bens para a quermesse - convertidos em contribuição monetária pela venda de rifas -, quer seja por angariação de publicidade que consta dos cartazes de divulgação do evento), contratação dos agrupamentos musicais, montagem de estruturas de apoio, como os espaços de restauração e o palco, quermesse e a vedação do largo onde decorrerá a garraiada. Faz também parte das suas funções providenciar a decoração das ruas e a aquisição do material de pirotecnia, bem como a contratação do pessoal que lhe está afeto.

    A divulgação da festa é feita através de cartazes contendo o programa no qual é dado especial relevo à componente lúdica. As Danças das Virgens e dos Homens são anunciadas no programa como “Danças Etnográficas da Lousa”, devidamente ilustradas com fotografias e autonomizando-se das celebrações religiosas. Tal como tem sucedido noutros anos, em 2013 a Dança das Tesouras não constou do programa da festa devido ao seu caráter espontâneo e à incerteza da sua realização.

    A antiga Junta de Freguesia da Lousa assumiu um papel de destaque na revitalização das Danças Tradicionais da Lousa, tendo adquirido os trajes utilizados pelas dançarinas na Dança das Virgens e pelos dançarinos na Dança dos Homens. Disponibilizava também o espaço para os ensaios, sendo proprietária de três Capelas utilizadas na exibição da Danças dos Homens. Estas competências transitaram em 2014 para a União das Freguesias de Escalos de Cima e Lousa que continua a desempenhar este papel.


    Ensaios

    Os ensaios da Danças das Virgens têm início cerca de dois meses antes da festa e decorrem fora do tempo escolar das jovens. Por norma, são ensaios curtos uma vez que se limitam a efetuar a dança completa por uma ou duas vezes. Sempre que necessário a ensaiadora faz repetir algum passo específico, bem como as quadras declamadas antes da Dança. Durante o ensaio, que decorre numa sala pertencente à antiga Junta de Freguesia, não há música ao vivo, apenas o cantarolar das jovens e da ensaiadora. Por falta de disponibilidade do tocador apenas tem sido possível contar com o acompanhamento da guitarra portuguesa nos últimos ensaios mais próximos do dia da festa.

    Tal como na Dança das Virgens, também na dos Homens o ensaio tem início cerca de dois meses antes da festa e decorre no mesmo espaço. A dança é repetida duas ou três vezes por ensaio e, atendendo a que tem a duração de apenas oito minutos, o tempo de ensaio é curto. Se o grupo não integrar novos elementos, os ensaios são mais céleres visto que todos os elementos já dominam a coreografia interpretada em anos anteriores. Neste caso do ensaio da Dança dos Homens, uma vez que cada um toca um instrumento musical, as coreografias são acompanhadas pelas violas beiroas, pelos trinchos e pela genebres (não o instrumento original mas uma réplica deste).


    A Festa

    A festa inicia-se pelo final da tarde da sexta-feira que antecede o terceiro domingo de maio. Ao início da noite decorre o arraial com a atuação de conjuntos musicais e artistas convidados. O fogo de artifício assinala às povoações vizinhas que Lousa está em festa.

    No sábado, o dia inicia com a Alvorada, antecipando uma arruada com acompanhamento musical de uma banda filarmónica proveniente de uma localidade próxima. Ao início da noite tem lugar uma procissão religiosa que sai da Igreja matriz com a imagem de Nossa Senhora venerada como Senhora dos Altos Céus (a imagem que atualmente integra esta procissão foi adquirida para substituir a imagem de Nossa Senhora dos Altos Céus, em pedra, já referida em 1711 por Frei Agostinho de Santa Maria) e se dirige, à luz das velas, às capelas de S. Sebastião e de Santo António, cujas imagens integram a procissão, que no final recolhe à igreja. A noite prossegue com animação musical e termina, mais uma vez, com fogo de artifício.

    A meio da tarde de domingo sai da igreja matriz da Lousa uma nova procissão religiosa encabeçada pela imagem de Santo António, seguida da de S. Sebastião. As Virgens, os Homens e as madamas que farão parte das Danças integram a procissão, antecedendo o andor de Nossa Senhora dos Altos Céus. Alguns elementos pertencentes ao grupo da Dança dos Homens transportam o andor, o que é feito recorrentemente para o cumprimento de promessas. O povo da Lousa acompanha a procissão e a encerrá-la, destaca-se a banda filarmónica. As Capelas, bem como os instrumentos musicais utilizados nas Danças, não acompanham os seus tocadores ao longo deste cortejo religioso.

    Terminada a procissão no adro da igreja, o sacerdote profere um sermão explicando o sentido do domingo da festa e logo após este momento litúrgico, têm lugar a Dança das Virgens e a Dança dos Homens, interpretadas imediatamente uma depois da outra.

    A igreja mantém as portas abertas e, no adro, posiciona-se o tocador da guitarra portuguesa e o guardião, homem de calças pretas e camisa branca que, de espada em punho, “protege” as Virgens e o seu “dote”. Ele marca e defende o território onde as jovens vão atuar, mantendo a distância relativamente ao público que assiste à dança.


    Dança das Virgens

    Tem início a Dança das Virgens. As jovens posicionam-se de frente para a porta da igreja, formando duas colunas. Trajam vestido de manga comprida branco, sapatos da mesma cor e meias de renda branca até ao joelho. Na cabeça envergam uma coroa de flores, a contornar um obrigatório carrapito, e na mão um lenço branco engomado, com o qual acenam durante a dança. Adornam-se com o “dote em ouro”: brincos, cordões e fios. Na cintura usam uma faixa em azul-claro, com laço atrás e pontas caídas. O colarinho e os punhos são também adornados com fitas que franzem e fecham. Os seus trajes revestem-se de uma forte carga simbólica, dada a tradicional conceção da cor branca como sinal de pureza, o que justifica o nome da Dança: “das Virgens” ou “Donzelas”.

    Uma após a outra, as jovens recitam as seguintes quadras:

    1.
    Ó Virgem dos Altos Céus,
    Mãe do meu amparo bem:
    Conservai na Vossa graça
    Quem aqui visitar-Vos vem.

    2.
    Quem aqui visitar-Vos vem,
    Com silêncio há-de vir,
    Nós estamos a Vossos pés
    Prontas para Vos servir.

    3.
    Prontas para Vos servir
    Do íntimo do coração,
    Se não estamos purificadas,
    Ó Virgem dai-nos perdão.

    4.
    Ó Virgem dai-nos perdão
    Ao vosso povo primeiro
    Sois Mãe de misericórdia
    Perdoai ao mundo inteiro

    5.
    Perdoai ao mundo inteiro
    E toda a família em geral
    Fazei que em todo o mundo
    Tenham o vosso sinal

    6.
    Tenham o vosso sinal
    Mãe da Glória, Imperatriz,
    Conservai na Vossa graça
    Este nosso Juiz.

    7.
    Este nosso Juiz
    E todo o mundo inteiro
    Conservai na Vossa graça
    Este nosso Tesoureiro.

    8.
    Este nosso Tesoureiro
    E todo o fiel cristão:
    Conservai na Vossa graça
    Este nosso Escrivão.

    9.
    Este nosso Escrivão
    E quem for do nosso partido
    Nós queremos continuar
    Com o nosso uso antigo.

    10.
    Com o nosso uso antigo,
    Pela graça do Senhor
    Vivam as oito donzelas
    Mais o nosso tocador.


    “Deitadas as quadras”, as jovens iniciam a coreografia apenas acompanhada pela guitarra portuguesa. O tempo é marcado pelos sapatos das dançarinas no chão.

    Durante oito minutos as Virgens, voltadas de frente para a igreja, para o tocador e para o Guardião, executam onze figuras coreográficas, algumas muito semelhantes: desenham quadrilhas, rodas e cadeias. Efetuam cruzamentos, diagonais e vénias, sempre em passo de passeio meneado, rodado com o par e no lugar próximo. Começam e terminam as diferentes figuras sempre em colunas, posicionadas de lado umas para as outras e de frente para a igreja. O espaço coreográfico utilizado na Dança das Virgens é bastante reduzido.


    Dança dos Homens

    Terminada a Dança das Virgens segue-se a Dança dos Homens ou Dança da Genebres. Esta é interpretada por nove dançarinos, dos quais seis são homens e, atualmente, três são raparigas, as madamas. Antes de serem representadas por jovens raparigas o papel de madamas era desempenhado por três rapazes “(...) vestidos rigorosamente de mulher, também de branco, com cordões de ouro ao pescoço e brincos nas orelhas” (Oliveira: 2000, p.121).

    Os Homens trajam calças e camisa branca, e em torno da cintura envergam uma faixa em azul-claro (até à década de 90 do século XX estas faixas eram encarnadas. Não há a certeza em que ano passaram a ser azuis, no entanto, sabe-se que o motivo foi apenas para “combinar” com a cor do manto de Nossa Senhora). Na cabeça transportam a Capela: “(...) ou capacete de forma cónica enfeitada com flores artificiais e fitas que lhes caem pelas costas (complemento das que pendem dos ombros) encimada com um penacho de flores artificiais de várias cores e de penas brancas (...)” (Dias: 1964, p.104).

    O dançarino que toca a genebres, espécie de xilofone suspenso ao pescoço, comanda a dança com marcações rítmicas mais acentuadas no instrumento, enquanto os outros cinco tocam violas beiroas. As madamas encontram-se no centro, entre os homens, e tocam soalhas ou trinchos, um instrumento musical de percussão semelhante à pandeireta mas sem pele.

    A dança dos Homens apresenta sete figuras coreográficas:

    1ª Contradança;
    2ª Rabeja;
    3ª Mesura;
    4ª Saltos à Madama;
    5ª Varandas;
    6ª Chouriço;
    7ª Vénia.

    A iniciar e a findar cada representação, todos os dançarinos estão posicionados de frente para a igreja em colunas simples laterais-faciais, uns atrás dos outros, encontrando-se cada coluna lado a lado. Na estrutura espacial fazem rodas, voltas, cruzamentos e diagonais, utilizando um espaço coreográfico maior do que na Dança das Virgens, deslocando-se maioritariamente em passo de passeio meneado, exceto na 4ª figura, onde o dançarino da genebres desencadeia um passo corrido em direção a uma das dançarinas ou a uma pessoa da assistência. Ao tocador da genebres não só é dada a permissão para a rutura da ordem coreográfica, como é esperado que o faça, constituindo assim uma exceção na coreografia.

    Todos os dançarinos tocam um instrumento musical: cinco tocam viola beiroa, três tocam trinchos ou soalhas e um toca genebres. Os dançarinos tocam o seu instrumento enquanto dançam e, com as Capelas na cabeça, executam vénias cerimoniais nos momentos em que se encontram de frente uns para os outros.

    Atualmente os danças são realizadas uma única vez no adro da igreja. Está marcado na memória dos mais velhos o tempo em que se repetiam à porta das casas dos festeiros e das famílias com maior prestígio social e económico que, em troca, lhes ofereciam boa comida e bebida: “O grupo toca e dança pela primeira vez em frente da Igreja e seguidamente nos lugares mais centrais e nas principais casas da povoação, onde lhes oferecem doces e vinho» (Dias: 1944).


    Dança das Tesouras

    A Dança das Tesouras decorre na segunda-feira seguinte, dia em que tem lugar uma missa e uma procissão que recolhe as imagens de Santo António e S. Sebastião às respetivas capelas. Terminada a procissão tem lugar a cerimónia da “Entrega da Festa” onde os festeiros, acompanhados pela Banda Filarmónica, se deslocam até à porta da casa daqueles que foram escolhidos para sucederem na função.

    A Dança das Tesouras tem lugar na parte da tarde, no intervalo da garraiada. Atualmente verifica-se uma tentativa de revitalizar esta Dança que durante alguns anos se realizou de modo muito irregular. Nos últimos anos em que ela foi interpretada (2011, 2012, 2013 e 2014) decorreu no adro da igreja. Menos coreografada que as outras, a Dança das Tesouras prima pela sua originalidade e pelos momentos animados que proporciona.

    O número de dançarinos não é fixo por ser extremamente difícil encontrar homens e rapazes disponíveis para a interpretar, pelo que pode variar entre os oito, dez ou doze dançarinos. Em 2014 interpretaram esta Dança sete dançarinos e o Mandador. Todos eles trajam calças de cotim e camisa branca e envergam um lenço branco na cabeça. Estão munidos de tenazes em ferro nas mãos, que simulam tesouras de tosquia. No decorrer da Dança, as tesouras são afiadas simbolicamente num tronco suportado pelo Mandador, que entoa quadras de Louvor a Nossa Senhora dos Altos Céus, ao mesmo tempo que dá comandos verbais para a mudança das sequências coreográficas. As ovelhas são representadas atualmente por raparigas com cerca de 8 anos de idade, simulando borregos que envergam casacos com pelo de lã do avesso e vão soltando balidos no final das quadras cantadas.

    A Dança das Tesouras tem uma duração de três minutos e dela fazem parte oito figuras, sendo três destas repetidas. Os dançarinos encontram-se em carreiras-faciais, uns atrás dos outros e de frente para o Mandador. Nas figuras os dançarinos mais velhos, sempre em passo de passeio, simulam o ato de afiar as tesouras no pau que o Mandador sustém ao ombro, aproximando-se deste e afastando-se quando simulam a tosquia dos borregos. Por vezes os “tosquiadores” trocam de lugar dispondo-se no lado oposto.

    O Mandador entoa as quadras, enquanto os homens vão afiando as suas tesouras:

    1.
    Ó virgem dos Altos Céus
    Que estais lá nessas alturas,v Virai para cá o rosto,
    Não nos deixais às escuras
    Borregos: Mé, mé, mé

    2.
    Ó virgem dos Altos Céus
    Minha rosa encarnada,
    Lá ao Baixo Alentejo
    Chega vossa nomeada.
    Borregos: Mé, mé, mé

    3.
    Ó virgem dos Altos Céus
    Que lá estais na cadeirinha
    Ó cadeira tão baixa
    Para tão Alta Rainha
    Borregos: Mé, mé, mé

    4.
    Mulatinhas da Baía
    Foram-se lavar ao mar,
    Deixaram as águas turvas
    Sendo elas um cristal.
    Borregos: Mé, mé, mé

    5.
    Quando eu vim da Baía,
    Quando da Baía vim,
    Mulatas carinhosas
    Todas choraram por mim.
    Borregos: Mé, mé, mé

    6.
    Quando eu vim da Baía,
    Lá me ficaram dois reis,
    Comprei duas mulatinhas,
    Cada uma por cinco reis.
    Borregos: Mé, mé, mé

    Entre as filas de “tosquiadores” os jovens simulando borregos, reproduzem os balidos, movendo-se de cócoras e aos pulos entre as fiadas de tesouras, no intuito de tentar escapar-lhes. O papel de “borrego”, outrora desempenhado por crianças do sexo masculino é agora representado por raparigas pré-púberes, tal como sucedeu na interpretação de 2014.

    Como já foi referido, de acordo com Jaime Dias, quando é realizada, a Dança das Tesouras consta apenas desta única apresentação, no entanto, noutros tempos tal como as Danças dos Homens e das Virgens, também a das Tesouras eram novamente executada junto das casas dos festeiros, bem como junto das principais casas da Lousa.

    Das três Danças, a das Tesouras é a única que não é acompanhada por instrumentos musicais. O acompanhamento é vocal, cantado ao ritmo das tenazes, seguindo o mote dado pelo Mandador.



    PATRIMÓNIO CULTURAL ASSOCIADO:


    Móvel:

    Imagens de Nossa Senhora dos Altos Céus

    Na Igreja Paroquial da Lousa existem duas imagens de Nossa Senhora dos Altos Céus e uma terceira imagem que, não sendo de Nossa Senhora dos Altos Céus é venerada como tal. Da que se encontra no altar-mor consta que tenha sido pouco utilizada em cerimónias religiosas, nomeadamente na procissão que decorre no terceiro domingo de maio, devido ao seu peso excessivo. Este foi o argumento para que, na década de 60, a comunidade tenha decidido que passaria a integrar a referida procissão uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, venerada como Nossa Senhora dos Altos Céus. Esta imagem de roca, a quem os lousenses prestam devoção máxima durante as Festas em honra da padroeira, encontra-se na sacristia da Igreja e dela se destaca a coroa, em prata, que foi restaurada em 2004 e o manto azul, debruado a ouro, que se estima que poderá ter mais de 115 anos.

    A imagem mais antiga de Nossa Senhora dos Altos Céus que atualmente se encontra num nicho existente na nave central da Igreja, ocupou em tempos a capela-mor, de acordo com Frei Agostinho de Santa Maria, que a ela se refere em 1711, no seu Santuário Mariano: “É esta Sagrada Imagem formada em pedra, de rica e perfeitíssima escultura. A sua estatura é de cinco palmos, está colocada em a Capela mor, em um nicho que fica sobre o sacrário.” (Santa Maria: 1711). Quanto à datação desta imagem religiosa, Frei Agostinho menciona que “a origem e princípios desta milagrosa Senhora, e a causa do seu título, ou quem lho impôs, não pode nem por tradições descobrir mais que o ser muito antiga” (Santa Maria: 1711).


    Imóvel:

    Igreja de Nossa Senhora do Alto dos Céus

    Associada à Danças das Virgens, dos Homens e das Tesouras está a Igreja de Nossa Senhora do Alto dos Céus, a Igreja Paroquial da Lousa. É, por excelência, o local primordial dos acontecimentos que envolvem a devoção à padroeira. No que respeita à interpretação das danças, toma especial importância o adro onde as mesmas decorrem.

    A igreja da Lousa é um exemplar do barroco da região da Beira Baixa. De planta rectangular, é composta pelos espaços da nave e da capela-mor, à qual se justapõe a sacristia. A fachada principal apresenta um portal retangular com frontão contracurvado decorado por folhagens e enquadrando ao centro um escudo com inscrição. No registo superior, sobre a entrada, abre-se uma janela de moldura contracurvada, ladeada por dois nichos, que terão albergado estatuária. Do lado direito, ergue-se a torre sineira.

    O interior, de nave única, foi recentemente renovado. Com coro-alto, coberta por uma abóbada de berço pintada com medalhão que integra uma representação da Virgem, a nave mantém os elementos de talha rococó, dourada e policromada, nomeadamente o púlpito, duas capelas laterais, os altares colaterais, com as imagens do Sagrado Coração de Jesus e da Virgem com o Menino, e o grande retábulo da capela-mor, onde ao centro se exibe a imagem da padroeira, Nª Senhora dos Altos Céus, ladeada pelas imagens de São José e de Santa Catarina.
  • Manifestações associadas:
    Segundo a lenda, por volta de 1640, pelo mês de maio, toda a região que circunda as terras da Lousa foi devastada por uma praga de gafanhotos. Os seus habitantes recorreram, entre outros santos, a Nossa Senhora dos Altos Céus prometendo que se essa praga terminasse fariam uma festa todos os anos em seu louvor e ação de graças. Os gafanhotos desapareceram dos campos. Todos os habitantes acorreram para verificar o fim da praga, exceto um casal, Timóteo e Micaela, e as suas oito filhas que ficaram a dançar de alegria no adro da igreja, como forma de agradecimento a Nossa Senhora. Por lá passou um homem de seu nome “Xisto Lourenço, e disse para os que estavam dançando: Bailai, que também o gafanhoto baila sobre as vossas searas. E indo ele mesmo a ver o campo (...) viu que o gafanhoto havia desaparecido, (...); e assim voltou todo alegre, e se pôs a bailar, incitando a todos os outros que assim o fizessem, em louvor da Senhora dos Altos Céus” (Santa Maria: 1711; p. 66-67). O povo entrou na igreja para agradecer a Nossa Senhora dos Altos Céus e esta, num sinal divino, baixou as mãos para que todos expressassem o seu agradecimento e amor, pelo que passou a ser considerada a padroeira da Lousa. A lenda da praga dos gafanhotos não é exclusiva da Lousa. Ela é referida noutras localidades do distrito de Castelo Branco, como Escalos de Baixo, Escalos de Cima, Alcains e Lardosa e em cada uma delas se celebra, num domingo de maio, uma festa em honra do seu santo patrono: Escalos de Cima festeja no primeiro fim-de-semana de maio; Escalos de Baixo no segundo; Lousa no terceiro; Lardosa e Alcains no quarto. Nestas e noutras aldeias, as festas são o reflexo da necessidade de uma relação com a divindade como forma de apaziguar ou influenciar as forças sobrenaturais e usufruir de proteção, dando assim origem à prática de rituais pagãos ou religiosos. Muito embora os lousenses afirmem que as suas danças são únicas no País, a verdade é que há autores que identificam danças com as mesmas características noutras povoações Beirãs. No caso da Dança das Virgens ela foi também identificada em Arcozelo (Chaves: 1942) e em Escalos de Cima (Dias: 1953; Oliveira: 2000). A Dança dos Homens foi identificada em Alcains (Chaves: 1942). Como manifestação relacionada com as Danças Tradicionais da Lousa está a própria Festa em honra da padroeira da povoação e da qual as Danças são uma componente fundamental. Realizada no terceiro domingo de maio, a festa em honra de Nossa Senhora dos Altos Céus é a maior e a mais importante festa da freguesia. Nestes dias regressam à aldeia aqueles que, por necessidade, foram para fora e que nesta altura voltam para participarem ou assistirem aos festejos. Até 2003 a festa tinha início na tarde de sábado com a chegada da banda filarmónica, prolongando-se até terça-feira à noite, no entanto, a Comissão de Festas desse ano determinou que a festa passasse a ter o seu início na noite de sexta-feira e que terminasse na noite de segunda-feira, por conveniência das atividades profissionais dos participantes. Esta situação ainda hoje se mantém. As atividades religiosas que estão na base da sua origem têm o seu ponto mais alto no domingo à tarde com a realização da tradicional procissão religiosa pelas ruas principais da aldeia e que culmina com o sermão do padre em pleno no adro da igreja. Findo o sermão, a Virgem regressa à igreja sob os olhares atentos do povo e de todos os elementos do grupo das Danças que se encontram no local e participaram na procissão religiosa. A entrada da Virgem na igreja é acompanhada com lenços que se acenam em sinal de saudação e de agradecimento a Nossa Senhora. Para além da componente religiosa, a festa integra a componente lúdica que se expressa nos tradicionais arraiais, a quermesse e que inclui dois importantes momentos: as latadas de fogo preso e uma garraiada que decorre na 2ª feira à tarde, na qual, o povo da Lousa e os forasteiros, mostram a sua valentia e destreza. Os lousenses crêem que se um dia as Danças terminarem, a realização da festa ficará seriamente comprometida porque apesar de ter outras componentes também fundamentais, ela está fortemente ancorada nestas expressões de caráter performativo.
  • Contexto transmissão:
    Estado de transmissão activo
    Descrição: Quer a Dança das Virgens quer a Dança dos Homens encontram-se ativas, no entanto, foram práticas recuperadas após alguns anos de interregno. O maior interregno que se conhece durou cerca de 20 anos e ocorreu em meados do século XX. No caso da Dança das Tesouras, esta é uma prática com um caráter mais irregular e nos últimos anos foi revitalizada com o apoio e incentivo da Junta de Freguesia da Lousa e de alguns agentes locais.

    Nem toda a comunidade participa ativamente na interpretação das Danças, que a cada ano está entregue a grupos específicos de dançarinos, por assim exigirem os requisitos. Consoante a sua condição, os grupos são frequentemente renovados sendo o conhecimento passado oralmente de geração em geração. Os requisitos para o desempenho de funções específicas nesta festa da Lousa tornam-na peculiar e, por isso, um pouco diferente do que sucede noutros locais das Beiras. No que respeita, por exemplo, à condição de festeiro, ela não é na Lousa, um rito de passagem como é costume noutras comunidades vizinhas, em que por princípio é uma função destinada apenas aos rapazes solteiros que, depois de assumirem a função de festeiros/mordomos pela primeira vez, ascendem à condição de adultos. Na Lousa, esta condição requer outras exigências, desde logo o facto de serem homens casados.

    Desta forma, todos os elementos da comunidade alargada (que atualmente inclui também os que, aí tendo nascido, não residem na povoação) podem participar da tradição no momento em que reúnem os requisitos e a ela ficam vinculados com o orgulho de também eles já terem servido a festa ou de virem a assumir esta função dentro em breve.

    A transmissão destas práticas é feita, essencialmente por via oral. Sempre que a tradição foi interrompida por falta de intervenientes, ela foi retomada quando a comunidade envidou esforços nesse sentido e, nessas ocasiões, foi fundamental o apoio dos elementos mais idosos da comunidade que contribuíram para a sua reprodução, através da memória individual, validada pela memória coletiva.

    Relativamente à Dança das Virgens a transmissão é feita oralmente dos mais velhos para os mais novos. De destacar aqui o papel da ensaiadora que há 45 anos é a principal responsável pela transmissão deste conhecimento. Ela própria aprendeu com elementos mais velhos da comunidade, e do seu agregado familiar em especial.

    Há quem afirme, e provam-no registos audiovisuais, que nem sempre a dança foi reproduzida da mesma forma, ou seja, pequenas variantes foram sendo introduzidas ao longo dos tempos, por exemplo, no número de figuras representadas, nos movimentos corporais ou coreográficos, ou até mesmo na quantidade de adornos envergados pelas dançarinas. O período de interregno de cerca de vinte anos no qual não se interpretaram as Danças, teve consequências negativas também na transmissão do conhecimento musical associado a esta representação tendo sido, inclusive, necessário recorrer a registos sonoros para que fosse possível ao tocador da guitarra portuguesa reconstituir a música após todos esses anos de interrupção, no caso da Dança das Donzelas. No caso da Dança dos Homens o mesmo sucedeu e foi preciso também recorrer a uma cassete áudio para que o tocador da genebres conseguisse reproduzir o som visto que aquele que foi durante longos anos o responsável por tocar este instrumento na Dança nunca passou o seu conhecimento e só se predispôs a fazê-lo já em idade muito avançada.

    O recurso a outras fontes documentais escritas tem sido também uma forma de reativar estas práticas e conferir-lhes o caráter original que a comunidade pretende ver recriado sempre que as danças são interpretadas. Estes recursos referem-se grosso modo à lenda da praga dos gafanhotos que remete a origem destas práticas para o século XVII, mas também às notícias cuja imprensa regional ou nacional tem transmitido ao longo dos tempos acerca destas práticas tradicionais.


    Data: 2013/09/27
    Modo de transmissão oral
    Idioma(s): Português
    Agente(s) de transmissão: Festeiros ; Homens e mulheres mais velhos ; Comunidades em geral.
  • Origem / Historial:
    Por ter estado durante muitos séculos isolada, na região da Beira Baixa as alterações aos usos e costumes foram lentas. Ao longo dos séculos lendas e tradições foram-se transmitindo de geração para geração, como a já referida Praga dos Gafanhotos, à qual a comunidade da Lousa atribui a origem da festa anual em honra da padroeira. Esta ideia de que a Festa de Nossa Senhora dos Altos Céus se atribui à Lenda dos Gafanhotos é citada em diferentes fontes e é totalmente aceite pelos lousenses.

    A Dança das Virgens é tida como uma reprodução do baile das oito filhas de Timóteo e Micaela, em agradecimento à Virgem pelo fim da praga dos gafanhotos e o cumprimento anual de uma promessa feita nesse ano, dizem, de 1640. Quanto à Dança dos Homens esta parece ser de origem indeterminada mas os lousenses acreditam que é posterior à Dança das Virgens. Baseados na lenda, dizem ter sido as oito filhas de Timóteo e Micaela que deram origem à Dança das Virgens e que os homens terão ficado ofendidos por não terem sido informados sobre esse acontecimento, daí que tenham organizado a sua própria dança, excluindo dela as mulheres e indo buscar para o seu papel jovens rapazes vestidos de meninas: as madamas.

    Relativamente à Dança das Tesouras esta parece ter uma origem e antecedentes diferentes das outras duas. Não sendo possível confirmar os dados relativamente à sua origem, a teoria comummente aceite é que, no segundo domingo de maio, o povo oferecia borregos em honra de N.ª Sr.ª dos Altos Céus pelos benefícios que esta lhes proporcionava. Os borregos eram levados ao adro da igreja e aí tosquiados. A verdade é que, por um lado, esta dança parece não estar associada à lenda dos gafanhotos e, por outro, a tradição de oferecer borregos à padroeira extinguiu-se sem motivo aparente, o que leva a crer que será uma forma jocosa de retratar esta tradição antiga desativada.

    As Danças não foram apresentadas com continuidade, pois houve anos em que não integraram a festa. Após um longo período de interrupção foram retomadas em 1958, graças ao esforço da comunidade, por reconhecer que são uma riqueza e uma característica do património cultural local. Nesse ano realizaram-se no adro da igreja da Lousa as três Danças Tradicionais. Desde então as interrupções ocorridas verificaram-se por períodos de tempo menores e a razão destas interrupções, na maioria das vezes, está relacionada com a falta de dançarinos. A Dança das Tesouras é aquela que maiores períodos de interrupção tem vivido. Durante largas décadas foi realizada apenas pontualmente. Nas últimas duas décadas tem sofrido uma tentativa explícita de revitalização por parte dos agentes locais, o que originou que se realizasse em 2001 (como já foi mencionado, por esta altura a festa de Nossa Senhora dos Altos Céus ainda se prolongava até terça-feira, dia em que foi realizada, nesse ano, a Dança das Tesouras), posteriormente em 2005, (a pedido da Junta de Freguesia e a pretexto da presença do Etnógrafo José Alberto Sardinha), em 2006, 2011, 2012, 2013 e 2014.
  • Direitos associados :
  • TipoCircunstânciaDetentor
    Direito consuetudinário local (ativo)Compete à comunidade da Lousa a definição do modo específico como as Danças das Virgens, dos Homens e das Tesouras aí se realizam, em particular, dos indivíduos que reúnem as condições necessárias para nelas participarem.
  • Responsável pela documentação :
    Nome: Isabel Leal da Costa ; Carla Queirós.
    Função: Isabel Leal da Costa: Professora de Música / Investigadora ; Carla Queirós: Antropóloga.
    Data: 2014/07/11
    Curriculum Vitae
    Declaração de compromisso
  • Fundamentação do Processo : ver fundamentação do processo
Direção-Geral do Património Cultural Secretário de Estado da Cultura
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